Contos: Redação

Hoje: 24-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

Existem inúmeros livros– alguns são clássicos –, que ensinam como escrever um conto. Também na Internet existem muitos textos sobre como escrever uma narrativa na forma de conto. Portanto, seria dispensável publicar páginas sobre o assunto, não fosse pela oportunidade de reunir ao tema alguns tópicos paralelos que – eu creio, – servirão para o escritor iniciante formar o seu estilo.

Em sua generalidade, o processo de escrever um conto, e lhe imprimir qualidades interessantes para o leitor, é o mesmo de se escrever um romance. Parece-me que não há qualquer outra diferença salvo, é óbvio, a de abreviar, podar, limitar o texto, porque somente será um conto uma narrativa que for curta, de poucas páginas. É na habilidade de abreviar – sem que a história perca sentido –, de encurtá-la –, sem que se torne grosseira e confusa –, que está boa parte do mérito do contista.

Eu abordo em minhas páginas alguns tópicos comuns ao romance e ao conto, que me parecem os mais críticos e problemáticos quando se trata de reduzir a extensão da narrativa, como exige o conto.

O escritor poderá ser bom para escrever um longo romance, e mau para escrever um conto. Igualmente, o escritor autor de belos contos, porque quem tem o que contar como ficção, deve tirar de sua própria criatividade, poderá não saber como explorar sua história dividindo-a em 300 capítulos de telenovela.

A intertextualidade é observada em muitos contos e sua utilização ilegal (plágio) deve ser evitada. O plágio é um recurso comum às pessoas imaturas e incapazes de criar um bom texto. A intertextualidade pode ter a forma de simples referência a outro Autor com o objetivo de comparar idéias, mas neste caso deve ser feita com elegância e sem causar uma quebra súbita do ritmo da narrativa. Outras formas e alguns exemplos estão na minha página A Intertextualidade. Veja por favor.

O conto que tem certo grau de humor, desde o inicio desperta o interesse do leitor. Mas não deve ser humor em termos de anedota mas sim inserido na história como, por exemplo, decorrente da estultice de um personagem.

Trato também da “estrutura” do conto na página Contos: estruturação. A estruturação correta permite um desenvolvimento racional da história e influi na dinâmica da narrativa. Primeiramente o autor precisa escolher entre fazer sua narrativa na “primeira pessoa” ou na “terceira pessoa”, antes de criar as cenas em que o conto poderá dividir-se estruturalmente.

Os elementos considerados elementos-chave da estrutura de um conto bem redigido são: personagem, cenário (setting), conflito, trama e o tema, e eu acrescento um elemento que considero igualmente essencial, pouco lembrado pelos críticos: o Título. É o Título que poderá despertar a curiosidade do leitor, e é o que vai levá-lo a iniciar a leitura. Por essa razão considero o Título parte do conto a ser trabalhada com os demais elementos citados. Em minha opinião, o título faz parte da estrutura do conto, uma vez que precisa estar em acordo com o tema, ou vincular-se a um cenário, ou dar destaque a um personagem pelo seu destino glorioso ou trágico. Encontrar um Título atrativo pode consumir muito tempo de reflexão e tentativas.

Quanto aos demais elementos – os únicos até hoje levados em conta como estruturais com desprezo do Título –, o personagem, é o agente das ações. Estivesse o autor a escrever um romance, ele poderia deter-se em descrever detalhadamente um personagem de sua história logo que ele entrasse em cena. Mas, em um conto – que é uma narrativa curta –, a descrição também precisa ser breve e resumida. O recurso é falar dele primeiramente de modo geral, em poucas linhas, e mais adiante, no decurso da história, acrescentar detalhes conforme as oportunidades se apresentem. Falando, por exemplo, da sua vestimenta: “Ele usava calças jeans”, ou “Ela usava uma saia branca”.

A esta descrição sucinta se pode acrescentar, em outro momento, mais referências descritivas sobre a vestimenta: “Ele apalpou o bolso da calça justa para certificar-se de que trazia a chave” (a busca da chave deu oportunidade para colocar que sua calça jeans era justa); ou “Ela fez o gesto habitual de estender, com ambas as mãos, a parte de trás da saia plissada, enquanto se sentava” (oportunidade para completar a descrição resumida do início: sua saia branca e rodada era pregueada).

O mesmo pode ser feito quanto à descrição da personalidade, da condição social, da cultura do personagem. Exemplo: “era um homem culto” – qualidade primeira a ser ressaltada –, e depois: “O conhecimento dos hábitos senegaleses que demonstrou ter ajudou os demais a entenderem melhor a questão” (estivera no Senegal e observara os costumes do seu povo).

Quanto ao palco de cada episódio – o cenário em que ele acontece -, não se faz no conto a descrição pormenorizada como no romance, mas é necessário dar ao leitor o indispensável para que possa imaginar o local em que cada cena da história tem lugar. Diferentemente da linguagem do teatro e do cinema, em uma narrativa tudo é passado ao leitor no próprio texto, para que ele, em sua imaginação, construa o cenário em que a trama se desenvolve. Usualmente não se escreve uma data em que os fatos imaginariamente aconteceram. Mas deve haver absoluta coerência de costumes, de modo a que o leitor possa inferir a época em que a história se passa. Sem essas informações – por mínimas que sejam – sobre o personagem e o local, o narrador estará escrevendo uma mera reportagem de fatos, e não um conto.

O conflito, outro requisito para a estruturação de um bom conto, é estabelecido entre forças antagônicas, que lutam pelo mesmo objetivo, e o desfecho é qual delas vencerá.

A trama é o cerne do conto, pois representa a estratégia e a narrativa do confronto entre essas forças. O tema é a primeira escolha do contista, e equivale a definição do gênero do conto: policial, sentimental, de aventuras, místico, etc.

A redução do texto se faz também nos diálogos, tornando-os mais inteligentes, a fim de instigarem mais a imaginação do leitor. É preciso aproveitá-los como veiculadores de informações que, em uma novela, poderiam ser desenvolvidos de modo mais extenso, ocupando mais espaço. Como exemplo, faço, abaixo, o desdobramento do conteúdo de um diálogo do conto “Metzengerstein”, de Edgard Alan Poe (A Carta Roubada e outras histórias de crime e mistério. Trad. de William Lagos – L&PM, Porto Alegre, 2010, p. 45) a fim de demonstrar ao leitor como o mesmo fato poderia aparecer em um romance, se Poe o tivesse escrito.

No conto de Poe:

“— E como morreu ele?

— Em seus esforços imprudentes para resgatar uma parte dos animais favoritos de sua equipagem de caça, ele próprio pereceu miseravelmente entre as chamas.”

Esse trecho do conto poderia aparecer em um romance ocupando muito maior espaço, se desdobrado, por exemplo, deste modo:

“— E como morreu ele? – perguntou o barão, chocado com a notícia. Sentou-se e se abanou com o chapéu.

— No incêndio do matagal, por imprudência dele”.

O criado narrou em pormenores como ocorrera o acidente. Metzengerstein tentara abrir caminho para que parte de seus cães de caça fugissem ao fogo que se alastrava à sua volta. Fracassou em seu intento. Ele e seus pointers pereceram miseravelmente entre as chamas do capinzal ardente”.

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Para o melhor aproveitamento dos recursos do diálogo é necessário um bom emprego da pontuação, incluindo-se como tal o uso dos seus elementos gráficos. Utilizando-me de exemplos colhidos na obra de alguns autores, demonstro sua utilização na página “O Conto: traço, travessão e outros elementos redacionais”.

O travessão é usado no diálogo com o fim de individualizar as falas dos personagens.

O traço, também chamado meio-travessão, embora possa ser usado em qualquer parte do texto, é no diálogo que seu uso é mais importante. É empregado para separar qualquer observação do autor ou narrador intercalada em uma fala.

As relações do traço e do travessão com as outras formas de pontuação e com certos sinais gráficos, como as aspas e os parênteses, também são de interesse para o contista.

Outro recurso importante para o contista em seu afã de reduzir a narrativa ao essencial são as orações subordinadas adverbiais comparativas. Eu exemplifico seu uso na página Contos: o uso do “como”. Com ele pode-se substituir uma longa descrição por uma observação comparativa, breve, com a mesma força de expressão do pensamento extenso próprio da novela.Que acha do uso da comparação “como” (conjunção comparativa) neste conto? Normal? Excessivo? O uso do como é feito com afetação, ou em todos os casos a sua linguagem é simples e a comparação, pela sua clareza, pode ser prontamente entendida e apreciada pelo leitor? Qual uso do “como” neste conto lhe pareceu uma comparação medíocre?

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Outro acessório está na página Contos: o emprego de aportes temáticos. Equivale ao chamado sub-tema de um romance. Podemos incluir no conto, em um ponto estratégico, algum comentário resumido, que concorra para clarear o caráter de um personagem, ou explicar, de maneira breve, suas ambições, sem competir ou dividir com o tema principal a atenção do leitor.

É importante ressaltar que estes mesmos elementos sintáxicos, o “como” e o que chamo “aportes temáticos”, que ajudam a abreviar, também podem atrasar a redação, prolongando-a, caso qualquer deles seja extenso ou utilizado em demasia.

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Evite incluir trechos que não têm ligação direta ou indireta com a historia contada e também aqueles que, apesar de ligados à história, são irrelevantes para o enredo. Esses são os trechos em que a história deixa de segurar a atenção do leitor.

Evite que o conto seja muito longo. Procure fazer com suavidade uma mudança, de tal modo que a passagem de um subtema para outro seja requerido pela narrativa e mantenha sua fluência, e não pareça o início de outro conto. Uma questão que é muito sutil é o ritmo da narrativa. Quando as variações do ritmo da narrativa são bem postas e consistentes com o desenrolar da história, o conto ganha a atenção permanente do leitor. Porém, uma narrativa que tem um ritmo constante e monótono torna o conto inexpressivo.

Evite incluir trechos que não têm ligação direta ou indireta com a historia contada e também aqueles que, apesar de ligados à história, são irrelevantes para o enredo. Esses são os trechos em que a história deixa de segurar a atenção do leitor.

Uma questão que é muito sutil é o ritmo da narrativa. Quando as variações do ritmo da narrativa são bem postas e consistentes com o desenrolar da história, o conto ganha a atenção permanente do leitor. Mas, uma narrativa que tem um ritmo constante e monótono torna o conto inexpressivo.

Um recurso a mais para redução do texto escrito é a ilustração, principalmente quando se trata de história infantil. Claro que desenhos e fotos são pensados primeiramente no sentido da valorização do livro como arte impressa, e muitos pintores e desenhistas ficaram conhecidos pelas magníficas ilustrações que fizeram para livros de contos,como é o caso de Gustavo Doré.

Porém aqui nos interessa ver a ilustração pelo seu lado econômico, quando um desenho meticuloso dispensa uma longa descrição sobre uma pessoa, sobre um lugar, sobre um fato, contribuindo para que o texto ilustrado fique menor. Uma vez que o principal problema do contista está relacionado à necessidade de condensar sua narrativa, uma ilustração sempre será um auxílio importante para isto. O desenho de uma praça substitui o que poderia ser uma longa descrição das ruas, das casas, da igreja e dos passantes. Os dois exemplos abaixo são de ilustrações de uma edição simplificada de dois contos de Guy de Maupassant –. “Le papa de Simon” e “La Fisselle”.(Cinq contes. Librairie Hachette, Paris, 1974, p. 30 e 51).

As ilustrações de um conto não são numeradas, nem têm legendas que as descrevam. Elas são apresentadas no local próprio do texto ou, se deslocadas, através da repetição, à guisa de legenda, de algumas palavras ou frases do trecho a que ilustram.

Ao final do trabalho de redação, é imprescindível que o autor faça uma revisão minuciosa do que escreveu, para a correção de eventuais erros de gramática (concordância verbal, principalmente), erros de ortografia, repetição de palavras, etc. Verificará se o conto é convincente, se poderá desde o inicio despertar o interesse do leitor, se o enredo levanta algumas questões que não soluciona, se na sua inteireza a narrativa é convincente, que episódio, imagem, frase, personagem, metáfora ou parágrafo deveriam ser trabalhados e melhorados, e se o clímax ocorre em um momento adequado, se o final é satisfatório como encerramento da história e dos papeis dos personagens principais.

Ofereço uma lista de falhas bastante comuns no que diz respeito a esses quesitos, e também quanto ao estilo, em minha página Contos: crítica literária.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 20-11-2012.

Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Contos: redação. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2004.