Raimundo de Farias Brito

Hoje: 28-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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5. Ética – “A filosofia, como ciência do espírito, compreendendo a filosofia moral que é exatamente, da filosofia do espírito, a parte mais importante e o núcleo fundamental, a esta ciência, única no seu gênero, que dando-nos, pela visão interior, a interpretação da nossa própria existência, fornece-nos ao mesmo tempo ã indicação para a interpretação da existência universal; a esta ciência das ciências, a esta ciência suprema que, como manifestação teórica de nossa atividade cognitiva, representa o mais alto grau do saber e a vida mesma do espírito, – corresponde, pois, na prática, a religião. É que essa ciência nos dá uma intuição da vida e do mundo. Deste modo nos torna conscientes de nossa própria realidade, como da nossa posição no caos da universal existência; habilita-nos, em suma, a fazer a dedução da lei a que devemos obedecer. Ora, a lei é o princípio orgânico da sociedade. Por conseguinte, falta a dedução da lei, segue-se como consequência o fato da organização social. quer dizer: fica estabelecido o governo moral das sociedades, fica fundada a religião.”

“A verdade é, pois, nosso dever supremo. Sejamos sempre verdadeiros – eis o princípio de toda a lei e a condição de toda a moralidade. Mas para que sejamos verdadeiros, devemos reconhecer em todos os que se apresentam como órgãos de uma consciência, o mesmo ser, o mesmo princípio que nos anima, a mesma essência eterna e respeitar neles o que queremos seja respeitado em nós”. “Isto quer dizer: devemos ser solidários uns com os outros e solidários no todo. (…) não há virtude fora do amor, do mesmo modo que não há moral fora da verdade e da sinceridade.” (O Mundo Interior, págs. 88 e 380).

5-Verdade – “O fundamento real, o critério último de toda a verdade é o testemunho direto da consciência, de modo que, para mim, quando qualquer conhecimento estiver de acordo com esse testemunho, é verdadeiro; quando em desacordo com ele, é falso”.

“A verdade é, pois, nosso dever supremo. Sejamos sempre verdadeiros – eis o princípio de toda a lei e a condição de toda a moralidade. Mas para que sejamos verdadeiros, devemos reconhecer em todos os que se apresentam como órgãos de uma consciência, o mesmo ser, o mesmo princípio que nos anima, a mesma essência eterna e respeitar neles o que queremos seja respeitado em nós”.

“O critério supremo da verdade é o testemunho normal e permanente da consciência”. “Finalidade”, l.a pág. 27, apud Barreto Filho, in Introdução ao Mundo Interior, pág. XVII; (O Mundo Interior pág. 380; Evolução e Relatividade, pág. 316).

5-Virtude – “A virtude é como uma harmonia interior e uma música n’alma: é a saúde e a beleza do espírito. É por isto que nada e mais belo e mais comovente do que a virtude. E a virtude é obra do pensamento, porque a virtude é a verdade na ordem moral, e é o pensamento que representa em nós o princípio da luz interior, e é deste princípio que deriva toda a verdade”. (O Mundo Interior, pág. 380).

5-Morte – “A morte não é fenômeno do espírito, mas da matéria. É por isto que a sua previsão é possível. A mesma coisa pode dizer-se de todos os outros fenômenos que constituem os diferentes momentos ou os graus sucessivos do desenvolvimento natural do organismo. A morte é o desenlace final desse drama sanguinolento em que se resolve a vida de cada organismo. Mas esse desenlace mesmo, se bem que possa ser previsto com certeza, todavia fica sempre envolvido no mistério quanto às condições em que terá de realizar-se, nem poderá ser determinado o momento preciso em que deverá chegar para cada um a crise terrível: o que prova que na própria morte, por isto mesmo que está em ligação imediata com a vida do espírito, existe um certo grau de liberdade.

A liberdade – eis realmente o fato decisivo que marca a separação absoluta entre o espírito e a matéria. Nos fenômenos da matéria dominam a mais absoluta necessidade e o mais inflexível determinismo; nos fenômenos do espírito o princípio que se deve reconhecer como lei primordial e tudo domina, é a liberdade. É a razão por que ai toda a previsão é impossível.”

“A morte é a cessação da consciência; o que significa: a cessação de toda a sensação, de todo o afeto, de toda a emoção, de toda á esperança, de todo o conhecimento, de toda a percepção. E não equivale isto a dizer: a cessação de toda a realidade? Está aí, bem se compreende, o problema dos problemas. É a questão do- ser ou não ser – de que cogitava Hamleto. Com a morte desaparece o indivíduo e com o indivíduo desaparece a consciência. É uma negação do particular que, em última análise, se resolve em negação do todo, porque para a consciência que termina, tudo fica reduzido a nada. A isto poder-se-á, é certo, responder que, embora se extinga a consciência com o indivíduo, todavia não fica com isto diminuída a existência, porque o todo permanece sempre o mesmo, impenetrável em seus arcanos, inesgotável em sua fecundidade, revelando sempre novas energias e desdobrando-se sempre em novas modalidades, agindo incessantemente produzindo novas consciências e novas vidas. Sim. Nisto está uma verdade irrecusável. Mas o que temos de mais forte e de mais poderoso em nós mesmos é o sentimento de nossa própria individualidade”. O Mundo Interior, pág. 23; A Base Física do Espírito, pág. 72.

6-Arte – “A arte, em sua significação mais ampla, consiste nisto: no poder ou aptidão, que pertence ao homem de servir-se de meios ou de empregar processos no sentido de melhorar e aperfeiçoar as condições da natureza, para seu uso e bem-estar, ou apenas para emocionar-se agradavelmente” (…) “A arte está para a psicologia como o instinto para a inteligência: a psicologia é a visão consciente, a arte uma cosmo visão inconsciente, mas profética da nossa própria realidade. A primeira é ciência, porque é trabalho do espírito; a segunda é instinto, porque o artista obedece a uma inspiração, por assim dizer, subconsciente, como se o impulsionasse uma força irresistível e fatal, nascida das profundezas ignotas de seu ser mais intimo e profundo.” O Mundo Interior, págs. 19 e 21.

7-Ciência – “Ciência é o conhecimento organizado, reduzido a sistema, destinado à prática, tendente a regularizar a indústria e organizar o trabalho; quer dizer: é o conhecimento especializado. (..)

Considerada sob esse ponto de vista, a filosofia é em um sentido pré-científica (conhecimento in fieri, conhecimento em via de elaboração); e, em outro sentido, supercientífica (totalização da experiência, concepção do todo universal). É neste último sentido que a filosofia se chama filosofia primeira ou metafísica, e é contra esta em particular que se dirigem os golpes mais violentos da ciência” Base Física do Espírito, pág. 29.

7-Psicologia – “Eu chamo psicologia a ciência do espírito, e entendo por espírito a energia que sente e conhece e se manifesta, em nós mesmos, como consciência, e é capaz, pelos nossos órgãos, de sentir, pensar e agir. É essa energia em nós uma manifestação particular da matéria? Pouco importa. Nessa manifestação particular a matéria adquire caracteres especiais que a constituem um princípio à parte e sui generis. que é o ponto de partida para uma Série de fenômenos da matéria, pelo menos, considerada esta em suas manifestações exteriores. Sob esse ponto de vista, tanto Importa considerar o espírito como uma substancia independente_ ligada apenas acidentalmente à matéria, como considerá-la como fenômeno da matéria, ou mesmo como simples epifenômeno. De toda forma há no espírito modalidades especiais da realidade, um poder agente e real vivo e concreto, que não somente sofre a ação dos elementos exteriores, como ao mesmo tempo é capaz de agir sobre eles: um princípio vivo de ação, capaz de modificar, embora em proporções infinita mente pequenas…”

“Entretanto, a psicologia é a ciência do espírito, se é a ciência nascida dessa exigência universal que veio a encontrar sua expressão mais precisa na fórmula socrática: – conhece-te a ti mesmo –, compreende-se que esta ciência existe desde que se apresentou em face da natureza um ser pensante, e por conseguinte, desde que existe o homem. Pode dizer-se que é a mais velha das ciências” ( . . . ) “A psicologia é uma ciência intuitiva e concreta, uma espécie de visão interior consubstancial com o sujeito, e deste modo não é somente conhecimento, mas energia e vida. Todas as outras ciências são fenomenais, porque estudam apenas modalidades exteriores da existência aparências da realidade. A psicologia estuda a realidade em si mesma. o ser em seu mistério. em sua significação mais intima e profunda, numa palavra, o ser consciente de si mesmo.”

E há uma ciência fundada na causalidade psíquica: é a psicologia, compreendendo a lógica, a ética e a estética. A primeira tem por objeto a realidade externa: a segunda a realidade interior. A primeira refere-se ao mundo das aparências, ao mundo da pura fenomenalidade. A segunda refere-se ao real em si mesmo, ao ser íntimo e fundamental, que se oculta através dos fenômenos. Daí a supremacia da psicologia. É a ciência fundamental, a ciência das ciências. É também a ciência da ‘coisa em si’, do ser verdadeiro, e só esta ciência que é dado, por assim dizer, entrar no coração das coisas”

“… a psicologia, como ciência do espírito, tem uma extensão universal e no fundo confunde-se com a filosofia, ou pelo menos é o fundamento e a base da filosofia, ou como melhor se poderia dizer, é o coração da metafísica…”.

“A filosofia é a psicologia, a ciência do espírito. Tal é, por conseguinte, a nossa tese fundamental. Agora, a psicologia é que pode ser considerada de dois modos: no sentido comum e ordinário e no sentido transcendente. No primeiro caso é a psicologia propriamente dita, B análise da atividade psíquica, tal como se verifica no homem, e, em menor escala, nos graus inferiores da pura animalidade; de onde a psicologia comparada cujo valor é hoje altamente reconhecido. No segundo caso é ainda psicologia, isto é, indaga ainda da significação e natureza do espírito; mas considerando este não somente em sua função puramente humana, mas em sua significação mais geral, confunde-se com a metafísica e não só trata de descobrir a relação que há ou deve haver entre o espírito e o todo universal, como ao mesmo tempo procura interpretar o próprio todo universal”. (O Mundo Interior, págs. 14, 18, 156, 386, 30 e 31).

Influência. Farias Brito ensejou uma reação à corrente positivista materialista. Foi um apoio útil para a reação Anti-Materialista e Finalista dos intelectuais cristãos.

Os espiritualistas, principalmente os católicos, se apegaram ao pensamento de Farias Brito que, segundo Antônio Paim, tem fundamento em Schopenhauer: que na própria matéria está algo de metafísico, que é a coisa em sí, o que está sob a forma, sob a aparência, do que conhecemos algumas propriedades como extensão e resistência, mas não sabemos exatamente o que seja.

Então o puro materialismo é uma impossibilidade.

Raimundo de Farias Brito (1862-1917) é, como Sílvio Romero, um elo entre o século XIX e o século XX: o segundo no domínio da história da filosofia, que seria retomada em 1918 pelo Padre LEONEL FRANCA e passaria a constituir o mais importante aspecto da produção literária no campo da Filosofia, até os nossos dias; o primeiro na renovação da problemática filosófica do espiritualismo. .

Com efeito, havendo partido de uma atitude de adesão ou simpatia por algumas teses positivistas, que, logo, daria lugar a um monismo naturalista e teleológico, a peregrinação intelectual de Farias Brito acabaria por conduzi-lo a um final espiritualismo, que, apesar de pretender conter-se nos estritos limites da razão, não deixaria de ceder a uma tendência mística e visionária.

Discípulo de Tobias Barreto na Faculdade de Direito do Recife, cujo curso concluiu em 1884, o jovem bacharel, se numa primeira fase, revela, claramente, o influxo da Escola e do seu principal mentor e das teses por ele acolhidas e divulgadas, como o relativismo gnoseológico, o monismo, o naturalismo, o evolucionismo e o teleologismo, a recusa do caráter científico da sociologia ou a tese de que a religião ou a religiosidade é algo radicalmente humano, não deixará, no entanto, desde muito cedo, de marcar a sua singularidade dentro dela e a sua discreta oposição a alguns aspectos essenciais do pensamento do filósofo sergipano.

Alguns anos mais tarde virá a considerar o evolucionismo como falso ou, pelo menos, deficiente como interpretação da natureza, confundindo-se com o materialismo, de que constituiria a versão moderna, pelo que a moral que dele se deduziria não poderia deixar de ser a moral do interesse ou a moral da força.

Assim, se a noção de evolução poderia ser admitida em certo sentido, enquanto significasse a ascensão espiritual do homem, já a teoria da evolução como concepção do mundo e interpretação da natureza lhe parecia inadmissível pois não só não é possível explicar nem provar como a nebulosa se transforma em estrela, esta em planeta e, neste, as forças, inorgânicas se transformam em organismos, como não há qualquer maneira de explicar e, mais ainda, de tornar compreensível, que fatos puramente mecânicos e simples combinações de elementos corpóreos deem origem ao sentimento e à vida psíquica.

O pensamento e a obra de Farias Brito permaneceriam quase desconhecidos até bem perto da sua morte.

Em carta a Jackson de Figueiredo (setembro de 1915), que este incluiu no livro Algumas Reflexões sobre a Filosofia de Farias Brito, págs. 211, segs., Farias Brito afirmava: “Já atravessei mais de um quarto de século, esforçando-me, quase ininterruptamente quanto em minhas forças cabia, por examinar umas tantas questões e desenvolver umas tantas ideias que têm, até aqui, constituindo o objeto particular de minhas cogitações, e vou chegando quase ao fim de minha obra e ainda não consegui fazer, que eu saiba, um só discípulo, a não serem alguns íntimos, que não pretendem por modo algum tornar-se conhecidos do público”.

Segundo Aquiles Cortes Guimarães (Rev. Bras. de Filosofia, n. 144), se numa primeira fase a crítica ao pensamento de Farias Brito foi uma crítica inicialmente superficial e incorreta, principalmente engajada na corrente católica, depois tornou-se uma crítica mais refletida e justa. Fez-se então a reinterpretação de sua obra em confronto com o pensamento fenomenológico e existencial.

Percebeu-se então na sua obra “parentesco visível entre o pensamento fenomenológico-existencial desenvolvido na Europa no mesmo momento em que o filósofo brasileiro percorria a sua trajetória em busca da fundamentação rigorosa do conhecimento e, consequentemente, da verdade, e principalmente no que diz respeito à elucidação da problemática da consciência.

Raimundo de Farias Brito – Obras

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 04-02-2011.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Raimundo de Farias Brito. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2011.