Raimundo de Farias Brito

Hoje: 20-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Fundador da Filosofia do Espírito. Esta disciplina ocupa-se da questão da existência de um ser imaterial que está numa relação íntima com o ser material do homem, e trata da natureza desse ser imaterial e da natureza dessa relação.

Os filósofos franceses Louis Lavelle e René Le Senne, conhecidos especificamente como espiritualistas, lançaram a publicação Phiolosphie de l’Esprit em 1934. Essa publicação (boletim ou “journal”) popularizou a palavra espiritualismo na Europa e sua matéria era especialmente sobre personalidade e formas de intuicionismo.

No entanto, não foram esses franceses os primeiros a utilizar essa expressão ou a batizar um novo campo da filosofia. No prefácio do seu livro, com data de outubro de 1912, Farias Brito lança essa disciplina dizendo: “…porque o pensamento a cuja exposição me proponho, só pode ser desenvolvido em volumes successivos. São ensaios diversos sobre os múltiplos aspectos do que, no conjunto, poderia chamar-se Philosophia do espírito” (Em “A Base Física Do Espírito”, Livraria Francisco Alves, Rio, 1912). Cabem portanto a Farias Brito as honras de criador dessa importante disciplina

No terceiro volume do Finalidade do Mundo, cujo subtítulo é Evolução e Relatividade, considera-se que esteja expresso seu posicionamento filosófico mais maduro desta série de volumes. Nele Farias Brito põe em foco o mal estar indefinível do mundo contemporâneo em todas as camadas sociais. Todas as doutrinas salvadoras ou regeneradoras da humanidade faliram. Combate especialmente o positivismo, talvez influenciado por sua própria atitude, assumida na defesa do Padre Júlio Maria. Verbera contra o capitalismo, acusando o poder dos capitalistas e banqueiros como sucessor do absolutismo pernicioso dos reis. Segundo ele, toda a filosofia moderna tem sido de resultado negativo como negativo foi o resultado da Revolução Francesa. Ressalta que a teoria da relatividade do conhecimento, que examina sob o ângulo objetivo de Comte (a verdade científica relativa ao que pode ser provado) e o ângulo subjetivo de Kant (a verdade possível conforme os limites de nossa percepção), é apenas uma forma moderna do cepticismo, assim como a teoria da evolução é uma forma moderna do materialismo. E numa posição cartesiana (pois Descartes supunha que ideias claras e distintas seriam sempre verdadeiras) propõe que o critério supremo da verdade seja o testemunho normal da consciência.

A verdade como regra das ações é um ensaio de filosofia moral como introdução ao estudo do direito.

Em sua tese Ubirajara Calmon Carvalho faz a seguinte seleção de tópicos do pensamento de Farias Brito:

1-Alma – “A alma é, pois, o ser verdadeiro do homem, como de todo o organismo, e se bem que seja uma energia puramente interna. Inacessível a todo e qualquer processo de observação exterior, todavia é sempre ativa e em tudo se mostra presente na vida do organismo, fazendo-se de certo modo visível, senão em si mesma, pelo menos em suas operações, como nos movimentos exteriores que determina.” o Mundo Interior, pág. 341.

“Há assim uma alma no todo e uma alma em cada parte: o que quer dizer: cada organismo, por si só, é a objetivação de uma ideia e tem, por conseguinte, a sua alma particular. “O Mundo Interior”, p. 343.

“A alma do ser vivo, de todo o organismo, como de todo o sistema natural, é uma ideia divina, em analogia com a concepção ou ideia humana que dá origem às produções artísticas. E nisto claramente se vê a distinção entre o pensamento de Deus e o do homem. E que no homem, por assim dizer, o pensamento é morto, pois nada produz objetivamente real, e apenas reflete passivamente a imagem das coisas. Em Deus, pelo contrário, o pensamento é vivo. O que significa: é princípio de criação, de tal modo que em Deus pensar é criar.” – O Mundo Interior, pág. 344.

“A alma é a consciência, isto é, a face interna da luz, uma revelação subjetiva da divindade, do mesmo modo que a natureza com todas as suas evoluções e mecanismos não é senão a sua revelação exterior (…). Vê-se assim que o problema de Deus e o problema da alma não são propriamente duas questões distintas, mas apenas duas faces de uma só e mesma questão.” – Finalidade do Mundo pág. 13, apud Jonathas Serrano, Farias Brito, pág. 128.

1-Consciência – “Para que o conhecimento se possa compreender, indispensável é imaginar um princípio mais alto – a consciência, sem a qual é inconcebível a representação das coisas. A consciência é pois o fato primordial da natureza, espécie de ponto de contacto de dois mundos, de que um é a imagem do outro”. Prova escrita de Farias Brito ao concurso de Lógica do Colégio Pedro II, apud Jonathas Serrano, Farias Brito, pág. 193.

1-Espírito – “O espírito não é somente a base do edifício do pensamento, o princípio dos princípios: é também fato que resiste a toda a dúvida, verdade que desafia o capricho mais desordenado dos céticos. E negá-lo é coisa que, só por si, envolve absurdo, porque negar é ato da consciência e a consciência é fenômeno do espírito. Negar o espírito é negar-se, e negar-se é dizer: eu sou e não sou. O espírito é, pois, o princípio dos princípios e a verdade das verdades, o fundamento de toda a realidade e a base de todo o conhecimento.

… o pensamento é a força em nós; mas ao mesmo tempo devemos acrescentar que a força é um pensamento fora de nós. Desde então só o espírito existe realmente, e o mundo exterior, a força e suas manifestações objetivas, os corpos, o movimento, todos estes fatos em que se resolve, o que se chama a universal existência, tudo isto que se chama matéria, não é senão a aparência externa, a manifestação e o desenvolvimento, ou a eterna fenomenalidade do espírito, uma como sombra que o espírito projeta no vácuo.” O Mundo Interior, págs. 16 e 339.

1-Homem – “O destino do homem, como o destino do espírito em geral, é aperfeiçoar-se, e dar a maior extensão possível as suas energias, e alcançar em todas as manifestações de sua atividade, o mais alto grau de desenvolvimento; numa palavra, é dominar. Mas é preciso distinguir duas espécies de domínio: o domínio do homem sobre a natureza e o domínio do homem sobre si mesmo. O primeiro alcança-se pelas ciências da matéria; o segundo, pela ciência do espírito ou pela psicologia. Mas se um destes dois domínios deve ter preponderância sobre o outro, decerto é ao domínio do homem sobre si mesmo que cabe este privilégio, pois é dai que dependem a disciplina e a ordem, e tais são as condições essenciais e fundamentais de todo o progresso, como de todo o desenvolvimento”.

“É que Somos apenas um como sopro da Inteligência suprema. Quer dizer: não somos a inteligência em si mesma, mas apenas irradiações que dela emanam, imagens a que ela dá corpo e realidade, sombras a que dá vida” (…) “Eis, pois, o que somos, e isto nos basta: somos raios que emanam da suprema luz, reverberações do fogo divino, pensamentos de Deus! E é por isto que arde também em nós, sempre acesa, a chama sagrada da ideia. (O Mundo Interior, págs. 19 e 378).

1-Inteligência – “A inteligência é, pois, o ser, o que existe e conhece, não somente a si mesmo, mas a tudo o mais. Há, assim, o que conhece e existe em si mesmo, e o que é conhecido e existe em outra coisa. É a ‘coisa em si’ e o fenômeno, o ser e a maneira de ser, a luz interior e a luz externa, a luz e a repercussão da luz.

A inteligência e o primeiro destes dois aspectos fundamentais da realidade: é ‘coisa em si’, não fenômeno; ser, não maneira de ser, luz interior, não luz externa, luz, não repercussão da luz. Deste modo do, só a Inteligência existe em si mesma: e tudo o mais é manifestação ou ação da inteligência. Tudo, pois, devera explicar-se como obra da inteligência e é determinado pelo movimento das forças ou pela ação das ideias que a inteligência desenvolve.”

“Em nós, a inteligência está, por necessidade natural, ligada a um organismo, do qual depende e do qual dificilmente poderá fazer inteira abstração. Por isto, tem dois aspectos: um aspecto individual, e neste sentido chama-se vontade, e um aspecto geral e universal e neste sentido chama-se pensamento”. (O Mundo Interior, págs. 376 e 378).

1-Introspecção – “Por introspecção entende-se, expressamente, exclusivamente, a observação interior, a observação dos estados da consciência e dos movimentos do espírito. Tal é, pois, com toda a segurança, Indubitavelmente, o método próprio da filosofia. A este método, entretanto, tem-se feito e ainda se continua a fazer, uma oposição formidável. É o que se explica como consequência inevitável, fatal do predomínio do materialismo. E realmente, se tudo e matéria, não se compreende outra espécie de observação, a não ser a observação exterior.” (O Mundo Interior, pág. 381).

2-Luz – “Há uma luz interior, luz de intuição e penetração, que não é somente o veículo da visão, mas a visão mesma (…) Essa luz é a consciência. É um princípio vivo e ativo. E é a esse princípio mesmo agindo que se dá o nome de inteligência” (O Mundo Interior, págs. 375 e 376).

2-Amor – “O amor e a forma mais elevada, mais nobre da necessidade: é a necessidade em suas manifestações superiores (…) É que há sempre no amor propriamente dito um principio de criação; do mesmo modo que há sempre na filosofia ou no amor da ciência uma visão do futuro.

O amor é tanto mais nobre e elevado, tanto mais poderoso, quanto mais se mostra o objeto que o inspira, cheio de mistério e de grandeza. É o que dá uma ideia da alta significação e do poder incomparável, supremo da filosofia. Explicar o sentido da existência, dar solução real ao problema do Universo – eis o objeto de nossa atividade pensante.” A Base Física do Espírito, págs. 56 e 57.

3-Coisa em si – “Não; a ‘coisa em si’ não é a vontade, ou pelo menos não é a vontade somente, mas o que em cada ser se manifesta como subjetividade, como sentimento e conhecimento, como emoção e paixão, como vontade e energia psíquica; ou para empregar a palavra definitiva, a ‘coisa em si’, ou o ser íntimo e profundo, a realidade fundamental e a existência verdadeira, é o espírito.”

“O que há, atrás de tudo o que vemos e percebemos, o que constitui o fundo e a realidade íntima de todas as coisas, é, pois, o ser sensível] e ativo, o ser consciente, ou numa palavra, o espírito. Este é que rigorosamente constitui o que se chama de existência, o ser verdadeiro. E todos os demais fatos ou coisas que consideramos como diferentes do espírito, as Coisas de ordem subjetiva, que se representam no espaço, que ocupam um lugar e podem ser postas em movimento, são apenas fenômenos ou maneiras do ser, manifestações exteriores do espírito mesmo: o que tudo quer dizer que o espírito é a ‘coisa em si’, a realidade fundamental, a essência de todas as coisas. E o mundo, o conjunto de todas as coisas não é senão a manifestação mesma do espírito, a eterna fenomenalidade em que este se desenvolve indefinidamente através do espaço e do tempo: o espírito manifestado-se exteriormente, desdobrando-se sob uma variedade infinita de aspectos, desenvolvendo, na sucessão sem fim das idades, o drama eterno de sua existência.”

“O pensamento, a energia psíquica, ou, numa palavra, o espírito – eis, pois, a ‘coisa em si’ ou o ser verdadeiro do homem; e o corpo ou o organismo humano não é senão a modalidade acidental ou a aparência exterior dessa energia mesma; ou ainda, como pretende Bergson, um simples instrumento de que o espírito se serve para agir. O Mundo Interior, págs. 321, 322 e 324.

3-Matéria – “Tudo isto significa, no fundo, que o que se chama matéria, vem, em última análise, de um elemento imaterial, o éter elemento de um poder e de uma extensão infinita, que nenhum sentido percebe, mas que invencíveis exigências lógicas nos forçam a admitir, porque de outra forma tudo seria inexplicável. É um elemento intangível, impalpável, uma espécie de matéria sem massa: o que equivale a dizer: matéria imaterial (a fórmula contradictória é imposta por necessidade imperiosa da linguagem que não tem outra expressão para o caso”. O Mundo Interior, pág. 333.

“A matéria está rigorosamente neste último caso: é uma ideia geral ou um conceito, uma representação artificial. Mais do que isto: é o genus generalissimum referente a toda a existência fenomenal. E deste modo não tem absolutamente existência real, mas somente lógica. Nada, pois, como individualidade, corresponde objetivamente ao que se chama matéria. A matéria não é nem Deus, nem o diabo. Nada em si mesma, essa matéria mendacium verax, como diz Schopenhauer, é apenas “um ingrediente do objeto conhecido pela intuição, simples ideia abstrata que não é dada à parte em nenhuma experiência”, e como simples conceito que é, não existe senão nosso espírito. Mas é abstração de propriedades pertencentes a coisas que existem realmente. Não existe certamente a matéria em geral, como não existe o homem em geral, a montanha em geral, o organismo em geral. mas existem homens, existem montanhas, existem organismos”. O Mundo Interior, págs. 335 e 33B.

3-Fenômeno – “… fenômeno é o que aparece (phainomenon), o que _e nos representa o espaço, qualquer operação, portanto, de significação exterior, tudo o que se apresenta como tendo uma forma ou figura e pode resistir como força. É a significação primitiva, originária da palavra. E neste sentido só se pode considerar como fenômeno o que se apresenta fora de nós; logo, os corpos, logo, a matéria. E o mundo fenomênico vem a ser, assim, precisamente, rigorosamente, o mundo objetivo, exterior, a realidade externa, que toda ela pode ser reduzida, em sua infinita complexidade, a esta fórmula- força e matéria –, ou a esta outra, talvez mais expressiva – movimento e figura.

Assim compreendido, é evidente que o fenômeno só pode ser estudado e conhecido por observação exterior. Trata-se de fato externo e a este corresponde evidentemente a observação externa. O fenômeno pode mesmo ser definido nestes termos: o que vemos ou observamos fora de nós, o que se nos representa no espaço, ou numa palavra e de modo mais positivo: o que conhecemos por observação exterior.

Fenômeno é, então, o que se conhece por observação exterior.” O Mundo Interior, pág. 318.

3-Materialismo – “E eu digo: esse dogma (tudo é matéria), é o da filosofia do desespero. E realmente dizer: tudo é matéria – é desesperar de compreender o espírito. O materialismo, de fato, é uma filosofia que só acredita no corpóreo e no tangível. Tal filosofia não pode acreditar no espírito. E se há alguma coisa a que se deva dar o nome de espírito, e se merece esse nome a energia que em nós pensa e sente, para essa filosofia, isto é, para o materialismo, essa coisa essa energia, esse fantasma, deve ser ainda uma manifestação particular e mais complicada da matéria. O espírito é, pois, fenômeno da matéria mesma; não, fenômeno propriamente dito, uma vez que não tem realidade e não se concretiza como corpo, mas epifenômeno isto é, uma espécie de repercussão acidental das evoluções da matéria”. O Mundo Interior, pág. 46.

3-Cosmos – “O cosmos, portanto, com todos os seus mundos e com todos os seus movimentos, o espaço e suas constelações, tudo isto é Deus pensando. Deus pensa e a substancia cósmica, em todas as suas modalidades, só por ação do pensamento divino, logo se desenrola no espaço. As forças naturais são então os processos mesmos de que Deus se serve para pensar, as categorias do supremo Intelecto”. O Mundo Interior, pág. 345.

3-Mundo – “O cosmos, portanto, com todos os seus mundos e com todos os seus movimentos, o espaço e suas constelações, tudo isto é Deus pensando. Deus pensa e a substancia cósmica, em todas as suas modalidades, só por ação do pensamento divino, logo se desenrola no espaço. As forças naturais são então os processos mesmos de que Deus se serve para pensar, as categorias do supremo Intelecto. E eu digo, em conclusão, e nisto consiste a minha concepção fundamental: o mundo é uma atividade intelectual, pois e Deus pensando, e nós homens, como elementos que somos do mecanismo do mundo, fazemos também parte do pensamento de Deus, e somos, por conseguinte, no mais rigoroso sentido da palavra, ideias divinas.”

“E o mundo, o conjunto de todas as coisas não é senão a manifestação mesma do espírito, a eterna fenomenalidade em que este se desenvolve indefinidamente através do espaço e do tempo: o espírito manifestando-se exteriormente, desdobrando-se sob uma variedade infinita de aspectos, desenvolvendo, na sucessão sem fim das idades, o drama eterno de sua existência”. O Mundo Interior, pag. 345; A apreensão da “coisa em si” na filosofia de Faria Brito – S.B. Vianna, pag. 8, citação de “O Mundo Interior”, p. 322.

4-Deus – “Em Deus é assim ou deve ser assim: há identidade perfeita entre o ser e o conhecer. Deus é, pois, completo e perfeito em si mesmo. Nada lhe falta, nada lhe é necessário: é o ser em sua plenitude. É tudo em tudo, e nele existe o conhecimento absoluto, a certeza absoluta, o amor absoluto; logo, a eterna paz e o eterno repouso.”

Eis, pois, a mais alta verdade: Deus é a suprema Inteligência. Isto significa, em outros termos: Deus é ã luz. Mas a luz e toda a luz, a luz eterna e a luz interior, identificada numa só e mesma unidade, envolvendo todo o ser e toda a realidade.

É o que se pode interpretar ainda por outra forma. dizendo: Deus é a Inteligência em si, a ideia da ideia e o pensamento do pensamento.”

“Em vez de ser uma coisa tão estranha e tão inacessível ao homem, pelo contrário Deus é o que está mais perto de nós e mais directamente influi sobre todo os fatos da vida. Podemos mesmo dizer que ele nos cerca por todos os lados, que é dentro dele que todos vivemos e agimos, que ele é o que mais intensamente sentimos mais claramente conhecemos, se bem que só possa ser conhecido em seus acidentes superficiais. Ou mais precisamente e para concluir com as mesmas palavras com que conclui a primeira parte desta obra: – Deus é o que há de mais claro e visível na natureza: Deus e a luz.” O Mundo Interior, pág. 368, 377 e Jonathas Serrano, Farias Brito, pág. 126.

4-Religião – “Falsa religião seria somente uma doutrina que fosse pregada por impostura, uma teoria, por exemplo, que fosse propagada por um sofista de gênio que tivesse em vista afastar O povo do conhecimento do que ele próprio acredita ser a verdade, no intuito de tirar partido da corrupção social: o que se concebe, mas é difícil imaginar que possa realizar-se.

A religião, a meu ver, pode ser definida nestes termos: é a moral organizada. E isto quer dizer: “é a sociedade organizada pela lei moral, é a sociedade governada pela razão. Há, pois, dois sistemas de leis, duas ordens distintas de preceitos que se impõe, como regras de ação no governo das sociedades: a moral e o direito. A primeira consiste no império da razão e pode ser chamada a lei dos bons, pois consiste na disciplina fundada simplesmente na inspiração do bem, sem outra sanção, para a pessoa que age contra a lei, além da condenação da própria consciência, ou da execração por parte da consciência pública. E porque esta sanção nem sempre é eficaz, por isto mesmo faz-se necessário que venha, em auxílio da moral, o direito, com o complemento decisivo da força material. O fim do direito é, pois, impedir pela força a violação da lei, reagir, pela violência contra a violência dos maus; pela razão pela qual o direito pode ser chamado rigorosamente a lei dos maus. O governo pela lei moral é a religião, o governo pelo direito é o estado”.

“O problema religioso só poderá ser resolvido pelo estabelecimento de uma religião nova que esteja em condições de satisfazer as aspirações atuais do espírito humano. Esta deverá sair, ao que suponho, de uma fusão do Oriente e do Ocidente, purificando-se, o que houver de melhor nas duas civilizações, em uma síntese universal, pela qual definitivamente se estabeleça a unidade espiritual da humanidade no planeta”.

“Ora, a lei é o princípio orgânico da sociedade. Por conseguinte, feita a dedução da lei, segue-se como consequência o fato da organização social. Quer dizer: fica estabelecido o governo moral das sociedades, fica fundada a religião. A religião é, pois, a própria filosofia, passando da ordem teórica para a ordem prática, saindo como doutrina, da consciência do sábio, para dominar como lei ou como fé na consciência das multidões”.

“Não há erro mais grosseiro do que fazer da religião uma forma inferior do conhecimento. Em todos os povos, como em todos os momentos da história, a religião foi e será sempre a mais alta manifestação da intelectualidade: a religião é o veículo espiritual da sociedade; é o espírito regulando as suas forças, organizando as suas energias, introduzindo a unidade na multiplicidade; numa palavra: a religião é o império da razão”. O Mundo Interior, págs. 84, 87, 88 e 95.

4-Cristianismo – “O cristianismo foi, pois, um pensamento que se impôs a consciência das multidões; e foi esse pensamento, obra de uma consciência superior, que deu organização social as nações de que se compõe o que chamamos hoje civilização ocidental”. (O Mundo Interior, pág. 90).

4-Teologia – “Poder-se-á, pois, reduzir toda a teologia a este único argumento: o mundo é criação contínua; logo, Deus existe. Também diz-se indiferentemente: Deus ou o Criador. E a relação que há de Deus para o homem, como para todas as coisas, é exatamente a do Criador para a criatura”.

“A própria teologia não se pode negar o seu caráter de permanência, porque a teologia não é senão uma psicologia de ordem transcendente…” O Mundo Interior, pág. 345; prova para o Colégio D. Pedro II, publicada no Jornal do Comércio, apud J. Serrano, Farias Brito, págs. 194 e 195.

5-Filosofia – “…a filosofia é, em um sentido, pré-científica (conhecimento in fieri, conhecimento em via de elaboração; e, em outro sentido, supercientífica (totalização da experiência, concepção do todo universal). É neste último sentido que a filosofia se chama filosofia primeira, ou metafísica”.

“Entendo por filosofia a paixão do conhecimento. É a paixão de que nos fala Aristóteles, no começo de sua Metafísica, quando diz – “O homem tem naturalmente a paixão de conhecer.” É o mesmo sentimento de que nos dá ideia Platão, em fórmulas que são por Fouillée traduzidas nestes termos: – “ A filosofia é o amor da verdade, não de tal ou tal verdade particular, mas da verdade universal ou das ideias” (…).

Filosofia é, pois, paixão e amor: paixão pela verdade, amor do conhecimento. É o que se prova, remontando à tradição primitiva dos Filósofos, remontando a Platão e Aristóteles.”

“…a filosofia é uma atividade permanente do espírito humano: é o espírito interrogando a realidade, o espírito em ação, lançando o seu olhar sobre as coisas e procurando explicá-las, investigando o desconhecido e elaborando o conhecimento. Enquanto, porém o conhecimento está sendo elaborado, há somente filosofia, isto é, há o domínio da paixão do conhecimento; o que quer dizer: há o esforço e trabalho da parte do espírito, e isto significa o exercício de uma atividade. O conhecimento uma vez elaborado, temo_ a ciência. De maneira que a filosofia é neste sentido, o conhecimento in fieri, o conhecimento em via de organização; a ciência é o conhecimento feito, o conhecimento organizado. A filosofia é então uma atividade, e o resultado dessa atividade é exatamente a ciência. É a razão por que, a meu ver, se deve compreender a filosofia como órgão e a ciência como função: a ciência é precisamente o que se deve chamar a função teórica da filosofia. E é assim compreendida que a filosofia constitui o que eu chamo filosofia pré-científica: o que significa exatamente que se trata aí de uma atividade anterior à ciência e que é o principio mesmo produtor da ciência”.

“Da ciência resultam regras técnicas; da filosofia resultam regras éticas. _ escusado lembrar que emprego a palavra filosofia no sentido que eu mesmo adotei quando me servi da fórmula filosofia supercientífica. Vem a ser a mesma coisa que metafísica”. págs. 29, 55, 58 e 65. A Bas. Fís. do Esp. Filosofia Supercientífica – Filosofia pré-científica “… filosofia pré-científica é a actividade mesma do espírito elaborando o conhecimento, o espírito mesmo investigando o desconhecido e produzindo as ciências: e uma filosofia supercientifica – é o espírito partindo das ciências e procurando dar interpretação do verdadeiro sentido da existência ou lançar as bases de uma concepção do Universo. E neste último sentido precisamente que a filosofia se chama metafísica filosofia primeira, ou simplesmente filosofia como é mais corrente.” O Mundo Interior, pág. 27.

Raimundo de Farias Brito – Obras

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 04-02-2011.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Raimundo de Farias Brito. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2011.