John Locke

Hoje: 29-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

Resposta a Filmer. É opinião de alguns autores que, apesar de publicado depois da Revolução Gloriosa, o Two Treatises of Government (“Dois Tratados sobre o Governo”) de Locke não é a justificativa da revolução como pode parecer, nem uma resposta a Thomas Hobbes, cuja doutrina desaprovou, mas sim uma resposta a que Locke havia iniciado a redigir anos antes, em 1681, à teoria absolutista de Robert Filmer, o qual havia dito que a soberania absoluta de Adão legitimava o poder absoluto dos reis como herdeiros de Adão, e mais que o homem nasce sob o controle de seus pais, portanto ele nasce em estado de submissão política. Na primeira parte do “Dois Tratados”, Locke responde dizendo que as Escrituras não conferem poder absoluto dos pais sobre seus filhos e portanto o governo total do rei não podia ser justificado por aquela comparação (paradigma). Estranha-se que Locke dispensasse tanta atenção a essa teoria tão absurda.

Natureza Humana. Em todos essas questões sociais e políticas Locke via que o fator último é a natureza do homem. Locke tinha consciência deste ponto ao escrever seu trabalho sobre a Lei da Natureza (Low of Nature) já em 1662. Locke explica a vontade humana afirmando que os homens estão basicamente estruturados para experimentar sensações de dor e prazer, e que toda ação é o resultado de buscar um ou fugir do outro. Para entender o homem, no entanto, não é suficiente observar suas ações, é necessário também perguntar pela sua capacidade de conhecimento. Para Locke, os homens nascem livres e com direitos iguais: “nascemos livres na mesma medida em que nascemos racionais”. O governo e o poder político são necessários, mas assim também é a liberdade do cidadão: e em um tipo de governo democrático, monarquia constitucional, um tipo de governo é possível no qual o povo ainda é livre.

Estado natural. Em primeiro lugar, no estado natural não há governo como nas sociedades políticas, falta uma lei estabelecida, fixa e conhecida; mas os homens estão sujeitos à lei moral, que é a lei de Deus. No entanto, apesar de que a lei natural é clara e inteligível para todas as criaturas racionais, os homens, sem embargo, têm tendência a não considerá-la como obrigatória quando se refere a seus próprios casos particulares. Em segundo lugar, falta no estado de natureza um juiz público e imparcial, com autoridade para resolver os pleitos que surjam entre os homens, segundo a lei estabelecida. Em terceiro lugar, falta no estado de natureza um poder que respalde e dê força a uma causa justa. Aqueles que por injustiça cometam alguma ofensa, lhes é possível fazer que sua injustiça impere por meio da força.

No estado natural os homens seriam iguais, independentes e governados pela razão. Porque no estado de natureza (omitindo agora a liberdade que se tem para desfrutar de prazeres inocentes), um homem possui dois poderes: O primeiro é o de fazer tudo o que lhe pareça oportuno para a preservação de sí mesmo e dos outros, dentro do que lhe permite a lei da natureza; por virtude dessa lei, que é comum a todos eles, ele e o resto da humanidade são uma comunidade, constituem uma sociedade separada das demais criaturas. E si não fora pela corrupção e maldade de homens degenerados, não haveria necessidade de nenhuma outra sociedade, e não haveria necessidade de que os homens se separassem desta grande e natural comunidade para reunir-se, mediante acordos declarados, em associações pequenas e afastadas umas das outras. O outro poder que tem o homem no estado de natureza é o poder de castigar os crimes cometidos contra essa lei. A ambos poderes renuncia o homem quando se une a una sociedade política particular ou privada, si podemos chama-la assim, e se incorpora a um Estado separado do resto da humanidade.

Propriedade. Locke argumenta que, quando os homens se multiplicaram a terra se tornou escassa, fizeram-se necessárias leis além da lei moral ou lei da natureza. Isto o leva a querer unir-se em sociedade com outros que tanto quanto ele tenha a intenção de preservar suas vidas, sua liberdade e suas posses, e a tudo isso Locke chama de “propriedade”. Mas não é esta a causa imediata da constituição do governo. O direito à propriedade seria natural e anterior à sociedade civil, mas não inato. Sua origem residiria na relação concreta entre o homem e as coisas, através do processo do trabalho. O trabalho é a origem e justificação da propriedade. Se, graças a este o homem transforma as coisas, pensa Locke, o homem adquire o direito de propriedade.

Locke considera que, no seu estado natural, o homem é senhor de sua própria pessoa, e de suas coisas, e não está subordinado a ninguém. O resultado que está sujeito constantemente à incerteza e à ameaça dos demais pois no estado natural um é rei tanto quanto os demais, e como a maior parte dos homens não observa estritamente a equidade e a justiça, o desfrute da propriedade que um homem tem em uma situação dessas é sumamente inseguro.

Origem da sociedade. Porque o homem teria criado a sociedade? Devido à ameaça ao gozo da propriedade e à conservação da liberdade e da igualdade. Para evitar a concretização dessas ameaças o homem teria abandonado o estado natural e criado a sociedade política. A sociedade civil tem origem quando a lei moral não é mais respeitada e o homem precisa exercer seu direito natural de punir os transgressores. Faz-se necessária então a administração da Lei conferida, por via de um compromisso social ou contrato a oficiais autorizados. Por traz destes postulados está a ideia da independência do indivíduo. No primeiro e no segundo “Tratado sobre o Governo Civil”, Locke sustenta que o estado da sociedade e, consequentemente, o poder político, nascem de um pacto entre os homens. Antes desse acordo os homens viveriam em estado natural. Ao entrar em sociedade, os homens renunciam à igualdade, à liberdade e ao poder executivo que cada um teria no estado natural. Estado Natural.

A tese do pacto social fora defendida por Hobbes (1588-1679) mas para o fim oposto de justificar o absolutismo. Segundo Hobbes, no estado natural todos os homens teriam o destino de preservar a paz e a humanidade e evitar ferir os direitos dos outros (deveres que Locke considera próprio do estado natural). O pacto social primordial seria apenas um acordo entre indivíduos reunidos para empregar sua força coletiva na execução das leis naturais renunciando a executá-las pelas mãos de cada um. Seu objetivo seria a preservação da vida, da liberdade e da propriedade.

Origem do Governo. Na segunda parte, ou Secundo Tratado, trata da questão da verdadeira origem do poder político. Aqui é que ele fala do contrato social enfatizando a bondade e racionalidade naturais do homem. Locke acreditava que a liberdade que o povo podia ter não era absoluta e que o povo cedia parte dessa liberdade a fim de manter a segurança. O Governo, diz Locke, é uma delegação; seu propósito é a segurança da pessoa e da propriedade dos cidadãos, e os indivíduo tem o direito de retirar sua confiança no governante quando este falha na sua tarefa. Por conseguinte, o grande e principal fim que leva a os homens a unir-se em estados e a pôr-se sob um governo, é a preservação de sua propriedade.

Na sociedade política, pelo contrato social, as leis aprovadas por mútuo consentimento de seus membros e aplicadas por juízes imparciais manteriam a harmonia geral entre os homens. Os homens transferem à comunidade social, através do pacto, o direito legislativo e executivo individuais. O soberano seria, assim, o agente executor da soberania do povo .O acordo que dá legitimidade ao governo é por sua vez fundamentado nos dois direitos do homem na sociedade natural: o de sua preservação e de seus bens e o de castigar a infração à lei natural. Neste acordo vê Locke o fundamento da legitimidade do poder legislativo e do poder executivo. Isto cria o desejo de cada renunciar ao poder de castigar que tem, e de entregá-lo a una sola pessoa para que o exerça entre eles; isto é o que os leva a conduzir-se segundo as regras que a comunidade, o aqueles que tenham sido por eles autorizados para tal propósito, há acordado. E é aqui donde temos o direito original do poder legislativo e do executivo, assim como o dos governos das sociedades mesmas.

O homem renuncia ao primeiro poder que tem no estado natural, o de empregar a própria força para se defender, confiando essa tarefa ao governo. Esse poder é abandonado pelo homem para reger-se por leis feitas pela sociedade, na medida em que a preservação de si mesmo e do resto dessa sociedade o requeira; e essas leis da sociedade limitam em muitas coisas a liberdade que o homem tinha quando obedecia apenas à lei da natureza.

Em segundo lugar, o homem renuncia ao segundo poder que tem no estado natural, o de empregar a própria força, para castigar os infratores; confiando essa tarefa ao governo; renuncia por completo a sua poder de castigar, e emprega sua força natural -a qual podia empregar antes na execução da lei da natureza, tal e como ele quisera e com autoridade própria- para assistir ao poder executivo da sociedade, segundo a lei da mesma o requeira; pois ao encontrar-se agora em um novo Estado, no qual vai desfrutar de muitas comodidades derivadas do trabalho, da assistência e da associação de outros que laboram unidos na mesma comunidade, assim como da proteção que vai a receber de toda a força gerada por dita comunidade, há de compartilhar com os outros algo de sua própria liberdade em a medida que lhe corresponda, contribuindo por si mesmo ao bem, a prosperidade e a seguridade da sociedade, segundo esta se o peça; o qual no é somente necessário, sino também justo, pois os demais membros da sociedade fazem o mesmo. No entanto, o contrato social não implica submissão ao governo.

Revolta. Locke distingue o processo do contrato social criador da comunidade, do subsequente processo pelo qual a comunidade confia o poder político a um governo…embora contratualmente relacionados entre si, os integrantes do povo não estão contratualmente submetidos ao governo…o homem que confia poder é capaz de dizer quando se abusa do poder. A renúncia ao poder pessoal somente pode ser para o melhor, e por isso o poder do governo e legislatura constituída pelos homens no acordo social não pode ir além do requerido para a finalidades desejadas. Mas ainda que os homens, ao entrar em sociedade, renunciam a igualdade, a liberdade e ao poder executivo que tinha no estado de natureza, pondo tudo isto nas mãos da sociedade mesma para que o poder legislativo disponha de ele segundo o requeira o bem da sociedade, essa renuncia é feita por cada uno com a exclusiva intenção de preservar-se a si mesmo e de preservar sua liberdade e sua propriedade de una maneira melhor, já que no pode supor-se que criatura racional alguma cambie sua situação com o desejo de ir a pior.

E por isso, o poder da sociedade o legislatura constituída por eles, não pode supor-se que vá mais além do que pede o bem comum, e sim que há de obrigar-se a assegurar a propriedade de cada um, protegendo-os a todos contra aquelas três deficiências que mencionávamos mais acima e que faziam do estado de natureza una situação insegura e difícil. E assim, quem quer que ostente o poder legislativo supremo em um Estado está obrigado a governar segundo o que ditem as leis estabelecidas, promulgadas e conhecidas do povo e no mediante decisões imprevisíveis; há de resolver os pleitos por juízes neutros e honestos, de acordo com ditas leis; e está obrigado a empregar a força da comunidade, exclusivamente, para que essas leis se executem dentro do país; e si se trata de relaciones com o estrangeiro, deve impedir o castigar as injurias que venham de fora, e proteger a comunidade contra incursões e invasões. E tudo isto não deve estar dirigido a outro fim que não seja o de lograr a paz, a segurança e o bem do povo,

Locke é radicalmente contra a justificativa do absolutismo porque a doutrina da monarquia absolutista coloca o soberano e os súditos em guerra entre si. Porém considerava aceitável um povo substituir seu soberano ou governo se ele faltasse com sua parte do compromisso. Sempre que um governante confisca e destrói a propriedade do povo, ou o reduz à escravidão, esse governante se coloca em estado de guerra com o povo. A partir daí os súditos estão dispensados de qualquer obediência, e podem recorrer ao recurso comum, que Deus deu a todo homem contra a força e a violência. A opinião de Locke sobre a rebelião do povo é contrária à de Hobbes para quem o pacto social era a fonte do poder absoluto do monarca. Hobbes achava que a rebelião dos cidadãos contra as autoridades constituídas só se justifica quando os governantes renunciam a usar plenamente o poder absoluto do Estado. Contra essa tese, Locke justifica o direito de resistência e insurreição não pelo desuso mas pelo abuso do poder por parte das autoridades. Quando um governante se torna tirano, coloca-se em estado de guerra contra o povo

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 24-05-1998.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – John Locke. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1998.