John Locke

Hoje: 25-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

FILOSOFIA

Origem das ideias. A principal preocupação de Locke em sua teoria do conhecimento foi combater doutrina difundida por Descartes, da existência de ideias inatas na mente do homem. Para Locke a mente humana era como uma folha em branco que receberia impressões através dos sentidos a partir das experiências do indivíduo, sem trazer consigo, do nascimento, quaisquer ideias tais como a de “extensão”, de “perfeição” e outras, como pretendia Descartes. Diz Locke, no parágrafo 3 do Capítulo 2, “Das ideias simples”, do livro II, do seu “Ensaio sobre o entendimento humano”: “Somente são imagináveis as qualidades que afetam aos sentidos.”…“E se a humanidade houvesse sido dotada de tão somente quatro sentidos, então, as qualidades que são o objeto do quinto sentido estariam tão afastadas de nossa noticia, de nossa imaginação e de nossa concepção, como podem estar agora as que poderiam pertencer a um sexto, sétimo ou oitavo sentidos”…que talvez existam em outras criaturas “em alguma outra parte deste dilatado e maravilhoso universo”. Todas as ideias vêm ou da experiência de sensação ou da experiência de reflexão.

Ideias de sensação. Destas ele diz: “Em primeiro lugar, nossos sentidos, que têm trato com objetos sensíveis particulares, transmitem respectivas e distintas percepções de coisas à mente, segundo os variados modos em que esses objetos os afetam, e é assim como chegamos a possuir essas ideias que temos do amarelo, do branco, do calor, do frio, do macio, do duro, do amargo, do doce, e de todas aquelas que chamamos qualidades sensíveis. …a chamo sensação”.

Mecanismo de geração das ideias de sensação
. Antecipando-se, de certo modo, à teoria corpuscular da luz, diz: “E como a extensão, a forma, o número e o movimento de corpos de grandeza observável podem perceber-se a distancia por meio da vista, é evidente que alguns corpos individualmente imperceptíveis devem vir deles aos olhos, e desse modo comunicam ao cérebro algum movimento que produz essas ideias que temos em nós acerca de tais objetos”…“Vamos a supor, então, que os diferentes movimentos e formas, volume e número de tais partículas, ao afetar aos diversos órgãos de nossos sentidos, produzem em nós essas diferentes sensações que nos provocam as cores e cheiros dos objetos; que uma violeta, por exemplo, por ou impulso de tais partículas imperceptíveis de matéria, de formas e volume peculiares e em diferentes graus e modificações de seus movimentos, faça que as ideias da cor azul e do aroma dessa flor se produza em nossa mente.”

Tipos de ideias de sensação. Locke utiliza o termo “ideia” com um significado amplo. Inclui todos os diferentes modos da experiência de consciência: representação e imagem, percepção, conceito ou noção, sentimento, etc. um uso muito diverso do que, por exemplo, faz Platão.

ideias de qualidades primárias. São de qualidades primárias aquelas ideias que concebemos por influência direta do objeto. Assim consideradas, diz Locke, as qualidades nos corpos são, primeiro, aquelas (ideias) inteiramente inseparáveis do corpo, qualquer que seja o estado em que se encontre. “Por exemplo, tomemos um grão de trigo e dividamo-lo em duas partes; cada parte tem (a ideia de) solidez, extensão, forma e mobilidade. … e se se segue dividindo até que as partes se tornem imperceptíveis, reterão necessariamente, cada uma delas, todas essas qualidades.”…

Ideias de qualidades secundárias. Mas, em segundo lugar, há ideias de qualidades tais que em verdade não correspondem a nada nos objetos mesmos, e sim a poderes que os objetos têm de produzir indiretamente em nós diversas sensações. Sua aparência, forma, volume, textura e ou movimento de suas partes imperceptíveis, e assim são as cores, os sons, os gostos, cheiros, etc. A estas Locke chama “qualidades secundárias”, e teoria que, do mesmo modo como as coisas produzem em nós as ideias de qualidades primárias, também produzem as ideias das qualidades secundárias, ou seja, pela operação de partículas imperceptíveis sobre nossos sentidos. As qualidades secundárias dependem das primarias. Quanto disse tocante às cores e cheiros, pode entender-se também respeito a gostos, sons e demais qualidades sensíveis semelhantes, as quais, qualquer que seja a realidade que equivocadamente lhes atribuímos, não são nada em verdade nos objetos mesmos, sino poderes de produzir em nós diversas sensações, e dependem de aquelas qualidades primarias, a saber: volume, forma, textura e movimento de suas partes, como já disse.

As ideias das qualidades primarias são semelhanças com algo que está nos corpos, mas as qualidades secundárias, nada há nos corpos que se lhes assemelhem. Nos corpos somente há as ditas qualidades primárias que, no entanto, podem, por variação de volume, forma e movimento das partes imperceptíveis dos corpos mesmos produzir em nós essas sensações que são secundárias; como a ideia de doce, azul, quente, etc.

Ideias de reflexão. A mente não tem ideias inatas, mas faculdades inatas: a mente percebe, lembra, e combina a ideias que lhe chegam do mundo exterior. Ela também deseja, delibera, e quer, e estas atividades mentais são elas próprias a fonte de nova classe de ideias.

Tipos de ideias de reflexão. De acordo com Locke todas as ideias de Reflexão caem nas seguintes subcategorias:

Memória: a habilidade de chamar uma ideia ausente de volta à consciência;
Retenção: a habilidade de manter um pensamento na consciência;
Discernimento: a habilidade de reconhecer diferenças entre as coisas;
Comparação: a habilidade de reconhecer as semelhanças entre as coisas;
Composição: a habilidade de construir novas ideias tomando como material outras ideias; e Abstração: a habilidade de distinguir princípios de relação abstratos (tais como provas matemáticas), os quais jazem por trás de outras ideias e assim criar uma ideia de generalidade.

A experiência é pois dupla. Nossa observação tanto pode visar objetos externos da sensibilidade quanto as operações internas da própria mente. No primeiro caso as ideias são de sensação, no segundo, de sentido interno ou “reflexão”. No entanto, sem a sensação a mente não teria com que operar e portanto não poderia ter ideias de suas operações, ou seja, ideias de reflexão.

Classificação estrutural das ideias. Essa classificação geral em ideias de sensação e de reflexão tem duas categorias cada uma: Ideias simples e ideias complexas.

Ideias simples são aquelas que não podem ser distinguidas em diferentes ideias, como quente, frio, branco, etc., e ideias complexas as que são produzidas pelo entendimento por repetição, comparação, união de ideias simples.
E nada há mais claro para um homem que a percepção clara e distinta que tem das ideias simples; a frialdade e a dureza, que um homem sente em um pedaço de gelo, são, na mente, ideias tão distintas como o aroma e a brancura de um lírio, ou como o sabor do açúcar e o aroma de uma rosa. No entanto, tem sido demonstrado por alguns autores que certos exemplos de ideias simples dados por Locke são na verdade ideias complexas.

Definição de ideias complexas. A mente tem o poder de considerar a varias ideias unidas, como uma só ideia. As ideias complexas são aquelas produzidas pelo conhecimento repetindo, comparando ou unido ideias simples. Às ideias assim feitas de varias ideias simples unidas Locke chama “ideias complexas”. Exemplo: beleza, gratidão, um homem, um exército, o universo. As ideias simples são os elementos das ideias compostas, seja combinadas na ideia de uma coisa única, como por exemplo, a ideia de homem ou de ouro, seja combinadas em ideias de coisas compostas, mas que continuam representando coisas distintas, como são as ideias de relação, como a de filiação, que une, sem alterá-las as ideias de pai e filho.

Subdivisão das ideias complexas. Diz Locke: “Qualquer que seja a maneira como as ideias complexas se compõem e descompõem, e ainda quando seu número seja infinito, e não tenha término a variedade com que enchem e ocupam os pensamentos dos homens, sem embargo me parece que podem compreender se todas dentro de estos três capítulos: 1) Os modos. 2) As substancias. 3) As relações”.

Modos: Desculpando-se por usar a palavra em um sentido um tanto diferente do significado habitual, Locke chama “modos” as ideias complexas originárias de qualquer combinação, e que não subsistem por si mesmas. Tais são as ideias significadas pelas palavras triângulo, gratidão, assassinato, poder, identidade, ou um número, por exemplo.

Subdivisão dos modos. Locke distingue duas classes de modos, simples e compostos ou mistos.

Nos primeiros a ideia simples combina-se consigo mesma, como a ideia de número, que resulta da combinação das ideias de unidades; ou a de espaço, proveniente da combinação das ideias de partes homogêneas. A ideia do Infinito é um modo simples, resultante da repetição ilimitada da unidade homogênea de número, duração e espaço. Também a ideia de Poder é um modo simples, formado pela repetida experiência de modificações comprovadas nas coisas sensíveis e no próprio homem por um determinado agente. Os modos compostos, ou mistos, derivam da combinação de várias ideias simples diferentes, heterogêneas. Exemplos: a ideia de beleza, que consiste em uma certa composição de várias ideias de cor e forma que produz gozo no espectador.

Substância. Locke define Substâncias segundo diz a própria palavra, coisas que subsistem por si; seria o caso da ideia de homem entre outras. A Substância não é mais que o conjunto de ideias simples, que a experiência mostra sempre agrupadas: o ouro é dúctil, denso, amarelo, etc. O substrato daquilo que os sentidos nos transmitem é incognoscível. A substância, como coisa em si, existe, mas não se pode saber o que seja, e a única investigação possível é a pesquisa experimental das ideias de qualidade que lhes atribuímos: conjunto de ideias simples de sensação. Objeta-se a Locke que tomar “substância” como um substrato que imaginamos para as coisas é uma simplificação inaceitável. Ao contrário dos modos, subsistem por si mesmas e são singulares ou coletivas. Substancias singulares são aquelas combinações de ideias simples que se supõe representam distintas coisas particulares que subsistem por si mesmas. Assim, si à substancia se une a ideia simples de um certo cor esbranquiçado apagado, com certos grados de peso, de dureza, de ductibilidade e de fusibilidade, teremos a ideia do chumbo. Substancias coletivas são aquelas combinações de ideias reunidas, como um exército de homens, ou um rebanho de ovelhas; essas ideias coletivas de varias substancias assim reunidas, são, elas mesmas, uma ideia única, complexa, como o é, por exemplo, a de homem.

Alma: analogamente a substância, é um conjunto de ideias de reflexão

A relação. Terceiro, a última espécie de ideias complexas é a que Locke chama “relação”, que consiste na consideração e comparação de uma ideia com outra. Assim são as propriedades de relações matemáticas como quadrado, triangular, etc. São relações em termos de propriedades relacionais matemáticas como o quadrado, o triângulo, etc.

Mecanismo de geração das ideias complexas. As ideias complexas de substância, modos, e relações são todas produto da atividade de combinação e abstração da mente operando sobre ideias simples que foram dadas, sem qualquer conexão, ou pela sensação ou reflexão. No entanto, Locke não apresenta nenhuma hipótese sobre o próprio mecanismo de associação das ideias, deixando para Hume supor que tal atividade se deve a afinidades várias entre as ideias simples, afinidades que exerceriam a necessária atração para sua combinação ou “associação” em ideias complexas. Enquanto a sensação é um processo passivo, a reflexão pode ser ativa ou passiva. As ideias simples proveem todas das coisas mesmas. A mente não pode ter outras ideias das qualidades sensíveis fora das que lhe chegam do exterior por meio dos sentidos, nem qualquer outra ideia de reflexão diferente das operações de uma substância pensante, que não sejam as que encontra em sí mesma.

Mas apesar de que é certo que a mente é completamente passiva na recepção de todas as suas ideias simples, também é certo que exerce vários atos próprios pelos quais forma outras ideias, compostas de ideias simples, as quais são o material fundamental de todas as demais. Os atos da mente pelos quais esta exerce seu poder associativo sobre suas ideias simples são principalmente estas três:

(1) Combinar várias ideias simples em uma ideia composta; assim é como se fazem todas as ideias complexas.
(2) Juntar duas ideias, sejam simples ou complexas, para as colocar uma junto a outra, de tal maneira que se possa vê-las simultaneamente sem combina-las em uma única; é como a mente obtém todas as suas ideias de relações.
(3) Isolar uma ideia de todas as demais ideias que a acompanham: esta operação se chama abstração, e é como a mente faz todas sus ideias gerais.

Tudo isto mostra que o modo de operar do homem é mais ou menos o mesmo nos mundos material e intelectual. Porque em ambos o homem não tem poder sobre os materiais, nem para fabricá-los, nem para destruí-los; tudo que faz é, ou uni-los, ou então colocá-los um junto ao outro, ou separá-los completamente.

A verdade. O conhecimento é a “percepção das conexões de um acordo, ou desacordo e repugnância entre nossas ideias”. Este acordo ou desacordo pode ser de quatro tipos: identidade ou diversidade, relação, coexistência ou conexão necessária, existência real. O conhecimento humano, argumenta Locke, apoia-se (1) na experiência do mundo exterior adquirida através dos sentidos e (2) sobre aquilo do mundo interior de fatos psíquicos obtido através da introspecção (ou, na terminologia de Locke, “reflexão”).

No primeiro caso, o acordo ou desacordo é percebido imediatamente, por intuição; no segundo, ele é percebido através da demonstração, mediante a mediação de uma terceira ideia, porém cada passo na demonstração é ela mesma uma intuição, uma vez que o acordo ou desacordo entre duas ideias comparadas será imediatamente percebido. Isto reduz todo o processo a pura intuição estruturada em reflexão e a própria certeza é intuitiva. Portanto, apesar de que o conhecimento se origina na experiência sensível e introspectiva, isto é apenas o começo; porque muitos outros fatores têm que ser cuidados também – fatores tais como o raciocínio que habilita uma pessoa a deduzir, de proposições empiricamente baseadas, conclusões mais gerais a respeito do mundo, tanto físico quanto mental. Tal raciocínio pode ser indutivo (parte do particular para as leis gerais) ou ele pode ser dedutivo (o geral rege o particular). O raciocínio matemático, por exemplo, é dedutivo; e este tipo de conhecimento é somente para ser entendido. Locke adverte que as proposições da Matemática e da Ética são demonstráveis, porém referem-se à combinação de ideias complexas geradas na própria mente: não são garantia de qualquer coisa fora da mente. O conhecimento matemático e ético envolvem relações entre ideias e não pretendem coisas de existência real.. Por isso suas proposições não são garantia de qualquer coisa fora da mente. Assim, o conhecimentos matemático e ético podem ser firmemente estabelecidos, porque envolvem relações entre ideias e não pretendem coisas de existência real.

A intuição, permite discernir as relações entre afirmações (relações) que garantem a extração de inferências. Através de tais intuições intelectuais, o conhecimento necessário e universal é possível. Porém, a dedução permite a certeza em apenas dois casos; quando se trata do conhecimento de coisas que realmente existem, só existem duas certezas: nossa existência, por intuição, e a existência de Deus, por demonstração. Quanto ao Eu, a certeza intuitiva é proveniente da reflexão (um encadeamento de intuições), que o homem tem de sua própria existência: certeza da existência do nosso Eu (Descartes). Locke concorda com Descartes em que a existência do Eu está implicada em cada estado de consciência. Quanto a Deus, se existem seres inteligentes, deve existir uma causa inteligente. É a certeza demonstrativa da existência de Deus por demonstração: da existência do efeito (o mundo) se infere a existência da causa que o produziu (prova a posteriori). Locke concluiu que, no caso dos seres humanos, o conhecimento intuitivo está limitado em extensão na maioria dos casos, conhecimento é somente provável, e Locke examinou os graus de probabilidade e a natureza da evidência.

Além do conhecimento propriamente (intuitivo e demonstrativo) Locke reconhece um terceiro grau de conhecimento, que não faz juz estritamente a esse nome. Este é nossa apreensão sensível das coisas externas, ou de objetos reais além de nós mesmo e Deus: é a certeza por sensação referente aos corpos exteriores ao homem: certeza da existência das coisas externas por meio da sensação. À esta certeza proveniente da correspondência das ideias à realidade Locke faz corresponder também a verdade encontrada na área das ciências experimentais, área do conhecimento na qual a certeza das ciências ideais (matemáticas e morais) não está presente.

Locke reconheceu que as ciências naturais não podem dar certeza completa. O conhecimento empírico derivado dessa fonte é incerto e nunca propicia mais que probabilidade, enquanto o ideal do conhecimento é a certeza. A certeza no domínio das ciências experimentais, dependeria do critério de verificação da adequação entre as ideias que estão na mente humana e a realidade exterior a ela. No entanto, cuidadoso raciocínio, com a aplicação de raciocínio matemático onde possível, irá aumentar a probabilidade de atingir conhecimento verdadeiro nesse campo.

Vontade. Um outro aspecto da mente humana com a qual lida Locke é o da Vontade. Locke reconhece a existência da vontade humana afirmando que os homens estão basicamente estruturados para experimentar as sensações de dor e prazer, e que toda ação é o resultado de um movimento no sentido de um ou movimento de afastamento do outro. Ele escreve: “A dor tem a mesma eficácia e costumeiramente nos predispõe ao trabalho, que o prazer tem, estando nós tão prontos a empregar nossas faculdades para evitar aquela, como a perseguir a este”. Porém mais adiante, no entanto, expressa o pensamento de que o homem é capaz de escolher por si mesmo o que é agradável ou penoso, apesar de possuir instalado pelo criador o mecanismo que o dirige para o prazer e para fugir da dor.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 24-05-1998.

Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – John Locke. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1998.