Hoje: 13-10-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Althusius, em seu livro Politica Methodice Digesta, publicado pela primeira vez em 1603 e revisto em sua forma final em 1614, foi o primeiro filósofo a apresentar uma teoria abrangente do federalismo republicano, baseado na vontade popular. Como o leitor certamente sabe, o Federalismo moderno foi criado pelos Americanos e tem como fundamento o individualismo. No federalismo de Althusius, que data de mais de um século antes da Revolução Americana, o elemento político básico são as associações, criadas voluntariamente pelos indivíduos para defender os interesses dos associados, tal como as guildas (sindicatos), irmandades, colegiados e a própria organização familiar. Isto porque não há “política” no indivíduo, ela só existe nas associações, ainda que venha a ser única, como a nação e seus nacionais. Porém ao afirmar que os indivíduos devem se associar livremente, Althusius respeita o direito e a vontade individual do mesmo modo que ele é respeitado no federalismo americano.
Por vários séculos o pensamento de Althusius esteve esquecido. Seu nome sequer aparece nas primeiras edições da famosa e minuciosa Enciclopédia Britânica, e raramente era mencionado entre os cientistas políticos até que sua obra foi descoberta por Otto von Gierke (vide por favor) no inicio do século XX. A terceira edição de seu livro, de 1614, foi traduzida pelo professor Frederick S. Carney, da Perkins School of Theology da Southern Methodist University, e publicado pela Beacon Press, de Boston em 1964, com o título original completo: Política Methodice Digesta, atque exemplis Sacris et profanis illustrata. Eu o encontrei on-line, no endereço http://www.constitution.org/alth/alth.htm.
A prolixa retórica teológica, que era habitual e necessária em sua época, fez com que Althusius fosse considerado por muitos um autor medieval. Mas eu me coloco entre os que o aceitam como o fundador do moderno federalismo, e este o motivo que o incluo entre as minhas páginas de Filosofia Moderna.
Althusius e o pensamento de Pedro Ramus. Para esse estudo íntimo da sociedade – nunca feito antes –, Althusius foi movido pela descoberta de Petrus Ramus (vide por favor), outro filósofo do início da Época Moderna, de que a lógica não permite apenas a análise das proposições, mas pode ser empregada também na análise das organizações, e encontrar nelas uma “organização lógica”. Uma suposição inerente Ramismo é que a boa organização das matérias é importante não só para fins de ensino e aprendizagem, mas também para a descoberta e clarificação do conhecimento. Além dessa organização horizontal, Ramus dá critérios para a ordenação descer a partir da idéia mais geral para as diversas divisões dela.
Althusius organiza sua Política de acordo com a lógica ramistas, e faz um estudo lógico da sociedade humana. Seu interesse é o de encontrar critérios de legitimidade para os grupos sociais. Descobre e utiliza os critérios que o filósofo Petrus Ramus definiu para a individualização e hierarquização das disciplinas do conhecimento. O principal é a lei da justiça (justitiae lex) de Ramus, a qual indica que cada arte ou a ciência tem os seus próprios fins, que estes fins servem como um princípio para determinar o que é próprio de uma determinada arte.
Com esse instrumento (os critérios de Ramus para a distinção precisa de uma disciplina), Althusius examina a organização social de sua época. Em seu tempo misturavam-se no governo e na organização da sociedade critérios legais, religiosos e históricos, que impediam uma visão clara da sociedade e da Política. Ele propõe, assim, descartar esses critérios confusos e que a ciência deve limitar-se aos aspectos da matéria que são essenciais para seus próprios fins, e rejeitar os que não são.
Althusius distingue grupos, dá a razão porque eles se formam, explica como se relacionam lateral e verticalmente, e demonstra o modo legítimo de sua articulação e hierarquização no contexto político da Nação. O que lhe interessa é a medida em que qualquer associação preenche os fins para os quais existe. Como primeira exigência de legitimidade, eles devem atender exclusivamente aos seus próprios fins.
Pelo viés de suas considerações teológicas, Althusius inspirou-se na organização política do povo judeu. A Nação bíblica era uma federação de tribos instituídas, confirmadas e conveniadas para funcionar sob uma constituição e leis comuns a todas elas.
Definição de Política. Althusius define: “Política é a arte de associar os homens com a finalidade de estabelecer, cultivar e conservar a vida social entre eles.
Associação simbiótica. Partindo de uma análise do homem, Althusius concluiu que a construção de grupos decorria primeiro da necessidade humana de socialização, e que não seria possível aos indivíduos viverem em isolamento. Os homens entram e permanecem em associação uns com os outros porque dependem de uma prestação recíproca de serviços e um reconhecimento de direitos sem o que não podem viver bem e prazerosamente, ou mesmo não poderiam viver.
O fundamento da associação entre os homens é portanto, essa necessidade de conviver, uma convivência com dependência mútua entre os associados, que Althusius chama “associação simbiótica”. Althusius afirma que o alicerce de todas as associações, públicas ou privadas, (família, colegiados, cidade, província e nação) é a vida simbiótica. Nenhuma dessas formas de associação pode dispor de uma fonte de legitimidade própria, que seja na essência, diferente da fonte de legitimidade de qualquer das demais.
A associação simbiótica é mais do que viver juntos. Implica interesse comum que se subordina à justiça e à religiosidade. Essas duas coisas juntas estão na experiência dos homens em todos os lugares. Desse modo, tanto a revelação divina quanto a razão natural são necessárias em ciência política para o entendimento da verdadeira natureza da associação simbiótica
Relações entre Associações (horizontal e vertical). Althusius inclui todas as associações humanas em seu estudo. Estas ele as divide horizontalmente em associações simples e privadas (família e colegiado), e verticalmente, em associações mistas e públicas, nos níveis de cidade, estado e nação.
O Contrato Social. A existência de cada associação, não importa quanto necessária seja, depende da vontade e do consentimento contínuo dos sócios ou “simbiontes”. Althusius diz que essa aderência pressupõe um convênio, ou contrato social, que estabelece o acordo comum quanto aos objetivos necessários e úteis que serão prestado pela associação, e quais os meios adequados para atingir esses objetivos. Não havendo um pacto declarado, então se assume que há um acordo consentido e contínuo dos que vivem juntos a associação simbiótica. Existem, portanto, uma necessidade social e uma vontade social no contrato social explícito ou implícito.
Grupos fundamentais. Althusius identificou dois grupos como fundamentais na sociedade: a família e o Colegiado. Ambos são associação de pessoas com um interesse comum que se ajudam mutuamente para satisfazerem esse interesse.
Família. A família, como a associação natural privado, é considerado como uma união permanente dos membros com os mesmos limites que a própria vida. A família, no entanto naturais, é baseada em um acordo tácito ou expresso entre os seus membros quanto à forma da sua comunicação de coisas, de serviços e direito. A própria existência da família tende a confirmar este acordo.
Althusius divide a família em dois tipos – conjugais e de parentesco – e discute a natureza da comunicação e imperium em cada um. Embora o marido é claramente o governante da família conjugal, e o paterfamilias, o governante da família de parentesco.
Althusius tem o cuidado de estabelecer as obrigações conjugais que o marido deve à mulher, assim como aqueles em que a mulher deve a seu marido, e as obrigações de parentesco que ambos, marido e mulher, como pai de família e materfamilias devem aos filhos e empregados domésticos.
Colegiado, definição. O colegiado, como associação civil privada, é uma sociedade mais voluntários “, que não precisa durar tanto quanto a vida do homem”, embora “uma certa necessidade pode-se dizer que o trouxe à existência”. Mesmo dentro de cada uma destas duas associações que há um certo equilíbrio entre a necessidade e a vontade.
Os Colegiados são a Guilda, o Sindicato, a Empresa, etc. O colegiado é uma associação na qual “três ou mais homens do mesmo ofício, formação ou profissão estão unidos com o propósito de exploração em comum coisas como elas professam conjuntamente como direito, modo de vida, ou artesanato” . É na maioria das vezes uma associação organizada em torno de interesses profissionais. Se ele é composto por magistrados e juízes, ou das pessoas envolvidas nas atividades agrícolas, industriais ou comerciais, é chamado um colegiado secular. Se ele é composto de clérigos, filósofos, ou professores, ele é chamado um colegiado eclesiástico. Estes dois tipos de colegiado são paralelas às duas formas de administração – secular e eclesiástica – que podem ser encontrados na província e na nação.
A forma de governo no colegiado segue os princípios gerais que Althusius foi estabelecido para toda a autoridade social, exceto que a participação no colegiado por colegas individuais, ou membros, pode ser direta ou não, como em associações públicas indireta.
Colegiado, líder. Há um líder eleito pelos colegas para administrar os assuntos do colegiado. “Ele exerce o poder coercitivo sobre os colegas de forma individual, mas não sobre o próprio grupo.” Porque ele é obrigado aos fins para os quais o colegiado existe, e pelas leis definidas através de seus processos corporativos.
A Legitimidade. Por outro lado, o colegiado não é apenas voluntário. Ela surge de uma necessidade natural e, presumivelmente, não é para ser dissolvida a menos que meios alternativos estão disponíveis para atender a essa necessidade. Essa relação integral entre a necessidade e a vontade que o primeiro encontra expressão em associações privadas transportam para as associações públicas, e se torna uma das características distintivas de toda a teoria associativa de Althusius. A legitimidade de cada nível da estrutura política esta em este nível existir para satisfazer a necessidade e a vontade dos grupos do nível inferior.
Legitimidade das Associações. A vida simbiótica dos indivíduos nas associações privadas estende-se ao nível superior, quando é a cidade que se faz necessária para acomodação das associações particulares dentro de seu território. A legitimidade do poder da cidade (ou município) como associação pública repousa no mesmo princípio da legitimidade da união da família e do colegiado particular, ou seja, que a cidade exista para cumprir uma finalidade de interesse e da vontade dos associados. Estes não são mais os indivíduos, mas as famílias e colegiados, mediante um acordo comum quanto aos objetivos necessários e úteis que serão prestado pela associação pública a essas associações particulares, e quais os meios adequados para atingir esses objetivos.
Associação pública. As associações públicas são a cidade, a província e a nação.
Distinção entre Associação Pública e Privada. A associação pública tem jurisdição sobre um território determinado, que a associação de direito privado, não tem.
A associação pública é derivada da associação de direito privado, e não associação de indivíduos como as famílias e colegiados. Porém, estas duas categorias de associação (famílias e colegiados), e não pessoas singulares, são diretamente partes constitutivas da cidade (poderíamos dizer Município) e, indiretamente ou diretamente, da província e da nação ou federação. Sem a associação privada as associações públicas não se constituiriam.
Paridade. A cidade, não dá possibilidade de participação direta dos indivíduos nos processos de governo. As associações menores encontram expressão em um Câmara. Ao mesmo tempo, há um governante que exerce autoridade sobre os indivíduos e as associações em particular, mas não sobre a própria comunidade organizada.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 09-01-2011.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Althusius. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2011.