Madame de Staël

Hoje: 19-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Dona de uma personalidade brilhante, escritora, poeta, ativista política, e feminista, Anne-Louise-Germaine, Madame Baronesa de Staël-Holstein, é geralmente reconhecida como a primeira filósofa política. Filha única de um rico banqueiro e de uma escritora suíça, recebeu dos pais sua paixão pelas letras e pela filosofia política, e um grande interesse pela coisa pública. Viveu em um período crítico da história da França, compreendendo os anos de Luís XVI, da Revolução Francesa, da era napoleônica, e da restauração da monarquia dos Bourbons com Luís XVIII. Ela teve um importante papel na corrente minoritária de livres-pensadores moderados favoráveis a uma monarquia constitucional, mas que saíram derrotados tanto pela feroz maioria radical vitoriosa na Revolução, quanto por Napoleão e pelos restauradores da monarquia.

A perseguição que sofreu de Napoleão – ele representava a negação de todas as liberdades que ela defendia – fez dela uma figura mártir e heróica, que alentou a resistência ao imperador em Paris, na Suíça e em toda a Europa. Deixou livros e artigos, e também inúmeras cartas que escreveu aos seus amantes declarando suas frustrações e seus anseios de felicidade.

I – Vida

Infância e Juventude. Seu nome de solteira foi Anne-Louise-Germaine Necker (depois baronesa de Staël-Holstein, tratada mais comumente por Germaine ou Madame de Stael). Nasceu em Paris a 22 de Abril de 1766. Seu pai, Jacques Necker, por quem teve grande admiração e afeto, foi três vezes ministro de finanças de Louis XVI, rei da França de 1774 a 1793. Nascido em 1732, era filho de um professor de Direito Público em Genebra. Chegou jovem em Paris, onde ganhou experiência como empregado no banco de um amigo da família e depois fundou, com um sócio, o seu próprio banco, com estabelecimentos em Paris e Londres. Ficaram ricos financiando negócios de trigo e emprestando dinheiro para o governo. Membro do conselho de administração da Companhia das Indias desde 1764, ele salvou a histórica instituição de ir à falência. Em 1768, foi ministro da Republica de Genebra junto ao rei de França.

Sua mãe, Madame Necker, nascida Suzanne Curchod em 1737, escritora suíça, era filha do pastor da Vila de Crassier, localidade vizinha a Genebra. Escritora, era uma mulher instruída e de bela figura. Filantropa, sua atividade filantrópica envolveu a fundação, em Paris, em 1778, do Hopital des Paroisses, atualmente Hospital Necker, na rua de Sèvres. Nesse hospital René Laennec inventou o estetoscópio e criou as regras da auscultação dos batimentos cardíacos. Madame Necker foi, também, uma voz contrária ao comércio de escravos que os franceses faziam entre a África e a América. O professor François Poirier, da Universidade de Paris (www.univ-paris13.fr, 2005), comenta que é quase desconhecida essa postura de Madame Necker, a qual fundou, em 19 de fevereiro de 1788, a Société des Amis des Noirs (Sociedade dos Amigos dos Pretos), e salienta que ela tinha por amigos os ante-escravagistas abade Guillaume Raynal, que em 1770 publicou Histoire philosophique et politique des établissemens et du commerce des Européens dans les deux Indes; Condorcet, autor do Réflexions sur l’esclavage des nègres, publicado em 1781, e Olympe de Gouges, cuja peça L’esclavage des noirs foi encenada em 1789 pela Comédie Française. Estava em Paris, como tutora do filho de Madame de Vermenoux quando conheceu o banqueiro Necker, com quem se casou em 1764.

Os encontros promovidos por Suzanne Necker em seu salão foram não apenas uma escola para a filha Germaine, futura Madame de Staël, mas também ajudaram seu marido a projetar-se e a se alçar a posições elevadas no governo. Às sextas-feiras, Madame Necker reunia em sua residência, o Hotel Leblanc, grupos de livre-pensadores moderados e da nobreza parisiense, para debates em torno de questões sociais e políticas. O “hotel” – nome dado a edifícios públicos e grandes mansões urbanas em Paris – situava-se na Chaussée d’Antin, local que então era o centro da elegância parisiense, próximo dos teatros, e das grandes avenidas, e onde aristocratas nobres, e empresários e comerciantes ricos, residiam em palácios criados pelos mais famosos arquitetos da época.

Germaine, desde menina, habituou-se ao debate dos temas políticos. Tanto seu pai quanto sua mãe eram protestantes calvinistas convictos, de grande moral, espírito aberto e tolerante, e seus amigos eram todos de tendêcia liberal. Em sua casa, conheceu incontáveis figuras importantes como: Victor Riqueti, Marquês de Mirabeau, monarquista constitucionalista, um dos redatores da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, documento básico da Revolução Francesa em 1789, autor de Explication du Tableau économique (“Explicação do Quadro econômico”) de 1759, Théorie de l’impôt (“Teoria do imposto”), de 1760; e Philosophie rurale (“Filosofia rural”), de 1763; Denis Diderot, o editor da Enciclopédia; Georges Louis Leclerc, conde de Buffon, o grande naturalista; François Arnauld, Gabriel de Mably, conhecido também por Abbé de Mably, historiador, precursor do socialismo comunitário; Jacques Henri Bernardin de Saint-Pierre, escritor, discípulo de Rousseau e precursor do romantismo, célebre por seu romance Paul et Virginie; Caroline-Stéphanie-Félicité du Crest de Saint-Aubin, condessa de Genlis, autora de várias obras sobre Educação; e Jean le Rond d’Alembert, entre outros. A esses encontros compareciam também alguns não famosos, que pertenciam ao círculo de velhos amigos suíços da família.

Uma criança precoce, Germaine interferia ela própria nos debates com apreciável sagacidade. Por influência de seu pai, um admirador de Montesquieu, tornou-se adepta da monarquia parlamentar segundo o modelo inglês. Recebeu da mãe uma educação muito esmerada e completa: aprende inglês, latim, dicção, música e dança; vai ao teatro e, ainda muito jovem, ela lê e escreve intensamente.

Em 1770, Jacques Necker adquiriu uma propriedade em Saint-Ouen. Sua mãe começou a corresponder-se com Voltaire, de quem seu pai era um admirador a ponto de encomendar uma estátua do filósofo. Lisonjeado, Voltaire enviou versos a Madame Necker e manteve com ela o contacto epistolar em seus últimos anos. Porém o artesão moldou o filósofo nu, e a estátua, considerada imoral pelo casal, não saiu do seu atelier.

Em 1772 seu pai afastou-se dos negócios, aos trinta e oito anos, com uma fortuna de sete a oito milhões de libras. Dedicou-se a escrever. Em 1773, ele ganhou o prêmio da Academia Francesa pela seu enaltecimento do economista e ministro Jean-Baptiste Colbert.

Em 10 de maio de 1774, falece Louis XV, e começa o reinado de Louis XVI.

Em 1775 Necker publicou seu Essai sur la législation et le commerce des grains, no qual criticava a política de livre comércio do ministro Turgot.

Em 1776, o rei Luís XVI demite Turgot e Necker, apesar de não ser nem católico nem francês, o substitui como Diretor do Tesouro Real. O novo ministro tem que enfrentar o problema das grandes despesas com a ajuda militar francesa aos colonos da América para sustentar sua independência, proclamada a 4 julho daquele ano, contra a Inglaterra. Germaine tinha dez anos e vê agora a casa frequentada não mais apenas por intelectuais e amigos, mas também por políticos, ministros e diplomatas. Neste ano, de abril a junho, acompanha os pais em uma viagem à Inglaterra.

Em julho de 1777 seu pai, com as reformas que fez, passa a designar-se Ministro (Diretor Geral) das Finanças. Em maio de 1781 ele publicou seu famoso Compte rendu au roi, um balanço financeiro da França que foi um sucesso de leitura. Foram vendidos 30 mil exemplares em apenas duas semanas. Este trabalho corajoso que revelou as despesas suntuárias da corte, lhe valeu o desagrado da família real e, nesse mesmo ano, por influência da própria rainha Maria Antonieta, foi forçado a demitir-se, e substituído por Charles Alexandre de Calonn.

Germaine, uma grande admiradora de seu pai, lhe havia escrito uma carta de elogios sobre o Compte Rendu antes de completar 15 anos. O excesso de estudos e de excitamento intelectual, os amores impossíveis em sua adolescência, e as fortes emoções que vivia envolvida em todos os acontecimentos que atingiam sua família, conduzem-na a um esgotamento mental que exige repouso; levam-na para a bela residência da família em Saint-Ouen, então apenas uma pequena vila na margem direita do Sena, entre Saint Denis e Paris (não era o castelo de Ouen, o qual pertenceu ao duque de Gesvres, e cuja família o cedeu, em 1782, ao duque de Nivernais).

No verão de1783, Germaine acompanha os pais à Suíça. Ela recusa o projeto deles de casá-la com William Pitt, jovem e ambicioso político Inglês que em dezembro daquele ano, na idade de apenas 24 anos, seria nomeado por George III o mais novo primeiro ministro da história da Inglaterra. Não sendo William Pitt um homem rico, a escolha provavelmente tinha muito a ver com o ideal constitucionalista de Jacques Necker. Pitt era por reformas que aprimorassem o regime parlamentarista, evitando suborno eleitoral, permitindo a destituição de parlamentares corruptos, e aumentando a representação do povo no Parlamento. Entre os nobres franceses havia poucos protestantes e seus pais não queriam que ela se casasse com um católico.

Em 1784 seu pai escreveu, em Saint-Ouen, seu livro “De l’administration des finances de la France”, no qual explicava e defendia sua política financeira. Em maio levou a família para seu castelo de Beaulieu, em Lousanne, e adquiriu o castelo de Coppet, 14 km a leste de Genebra, situado à margem do Lago Leman, com a pequena Vila de Coppet a separá-lo da beira do lago, e que seria, no futuro, a principal morada da família fora de Paris.

Em fins de setembro de 1785 a jovem Germaine aceita o segundo projeto: seu casamento com o representante da Suécia em Paris (ganharia depois status de embaixador), Barão Eric de Staël-Holstein, dezessete anos mais velho que ela. No dia 6 de janeiro de 1786 o contrato de casamento foi referendado em Versailles pela família real. A cerimônia foi celebrada na capela da Embaixada da Suécia, na rua de Bac, no dia 14 do mesmo mês . No dia 31 a nova baronesa foi apresentada aos nobres, os quais nunca viam com bons olhos – e ela percebeu isso – alguém de origem plebéia, ainda que muito rico, intrometer-se na corte.

O Salão em Paris. Uma vez casada, Anne-Louise-Germaine, agora Madame Baronesa de Staël, abre seu próprio salão em sua residência na rua de Bac. A formação política liberal recebida do pai faz que ela se cerque de uma geração nova. Muitos que comparecem aos encontros em sua casa haviam lutado na América pelas idéias liberais, como La Fayette, Noailles, Clermont-Tonnerre, ou eram escritores como Condorcet, Louis de Narbonne (1755-1813) – sua primeira grande paixão –; Mathieu de Montmorency (1767-1826) e o bispo Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (um dos signatários da Constituição Francesa de 1791).

No ano do seu casamento ela inicia sua carreira literária com Sophie ou Les Sentiments secrets (Sofia, ou os sentimentos secretos) e começa, entre outros projetos, a escrever uma crítica ao pensamento de Jean-Jacques Rousseau.

Em abril de 1787, seu pai Jacques Necker, devido às suas críticas à política real e às medidas liberais que adotou para transparência do orçamento, foi visto pela nobreza conservadora como defensor das causas da Revolução. Foi demitido e banido de Paris por carta régia, a um raio de 40 léguas da corte. Madame de Staël o acompanhou em várias moradas no perímetro desse círculo de Paris. Mas o rei suspendeu o castigo dois meses depois. No mesmo ano, em julho, nasceu a primeira filha de Germaine de Staël, batizada Gustavine em homenagem ao padrinho Gustavo III, rei da Suécia.. Também neste ano ela compôs sua tragédia Jane Gray.

A publicação da Constituição Americana de 17 setembro de 1787 causa grande sensação entre os constitucionalistas e republicanos parisienses.

Em 1788, Necker foi novamente nomeado Diretor Geral das Finanças, mas também ministro de estado e primeiro ministro de fato. Para solucionar a crise financeira, é convence o rei a convocar os Estados Gerais, um conselho constituído de nobres e de representantes do clero e do povo. A 3 de maio desse ano, o Parlamento publica «déclaration des droits de la Nation» e aprova a convocação dos Estados Gerais na esperança de que seus membros fizessem o rei manter os privilégios fiscais das classes altas. Em 7 de junho ocorre a revolta do povo contra o parlamento, em Grenoble.

Por pressão da opinião pública influenciada por políticos e intelectuais de suas relações, em 26 de agosto, seu pai é chamado de volta para substituir Loménie de Brienne no Ministério das Finanças. E ela, mal satisfeita com o casamento, começa, no outono, um caso de amor com o jovem conde de Narbonne, frequentador do seu salão. No fim desse ano publicou, em poucos exemplares, sua crítica a Rousseau: Lettres sur le caractère et les ouvrages de J.-J. Rousseau (Cartas sobre o caráter e a obra de Rousseau). No livro ela aprova muitos dos pontos sustentados pelo filósofo, mas condena suas idéias sobre a mulher quanto ao seu papel social e à sua educação. Esta obra, que lhe trouxe fama como feminista, foi muitas vezes reeditada.

A Revolução. O ano de 1789 foi trágico para a baronesa. Em abril, faleceu a pequena Gustavine de Staël. Os acontecimentos políticos também são de um mau prenúncio.

Em maio ela assiste à procissão solene dos deputados, para a missa de abertura da Assembléia dos Estados Gerais. Em 9 de julho os Estados Gerais se proclamam uma Assembléia Nacional Constituinte, para redigir uma constituição calcada no modelo norte americano. Nesse mês seu pai é afastado do ministério mas o povo, vendo em sua demissão um sinal de endurecimento do governo contra as causas liberais, se amotina em Paris e exige a sua volta à direção das Finanças. O motim cresceu e agravou-se com a tomada da Bastilha, fato histórico que marcoui o 14 de julho, e ao qual ficou ligado o nome do ministro Necker, que chegou a ser considerado o salvador da França. A 30 de julho, acompanhado da filha, ele retornou a Paris, aclamado pelo povo em cada lugar por onde passava, culminando o entusiasmo popular com uma apoteose na Place de Grève, ou Place de l’Hotel de Ville (Praça do Palácio da Municipalidade). Mas nada podia fazer sem aumentar os impostos, medida impopular que terminou por desacreditá-lo. O rei, amedrontado, evita dissolver a Assembléia. O irmão do rei, o Conde d’Artois, futuro rei Carlos X, percebe as dimensões dos acontecimentos e deixa a França, seguido de vários nobres entre eles o príncipe de Condé e Mme de Polignac.

Um comitê de revoltosos nomeia Bailly prefeito de Paris, e La Fayette comandante da guarda nacional, uma usurpação do que era antes administração direta do monarca. A revolta contra os altos impostos levam os camponeses a invadir os castelos e destruir os papeis que davam privilégios aos seus senhores; alguns foram atacados e mesmo massacrados. Na noite de 4 de agosto a Assembleia votou a abolição dos direitos senhoriais, para acalmar os camponeses. No dia 26 de agosto os deputados, inspirados nas ideias dos filósofos como Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau, votam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com dezessete artigos, o artigo primeiro declarando que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em seus direitos. A 5 de outubro uma multidão de parisienses vai a Versailles revoltada com a oposição do rei à abolição dos direitos senhoriais. La Fayette convence o rei a se mudar para o Palácio das Tuileries, no centro de Paris, a fim de ficar mais perto do povo e dissipar sua desconfiança. O rei se muda no dia seguinte, 6 de outubro. A Assembléia Constituinte também se aloja em Paris, ao lado do palácio.

Apesar de todos os incidentes que a envolveram naquele ano, Madame de Staël publica Courte réplique à l’auteur d’une longue résponse. Tratava-se da sua resposta à crítica preconceituosa que recebeu de Louis-René Quentin, marquês de Richebourg-Champcenetz, com respeito às suas Lettres sobre Rousseau. O marquês comenta que a figura de Rousseau fora degradada, duvida da legitimidade de uma mulher pretender ser escritora, e pede uma “revirilização” do meio literário.

O ano de 1790 foi de grande efervescência política em toda a França. Em Paris multiplicam-se os jornais, os salões nobres tornam-se concorridos e formam-se clubes populares para debates políticos. O advogado Maximilien de Robespierre, deputado da Assembléia, torna-se presidente do clube dos Jacobinos em março. A Assembléia constituinte reforma em profundidade as instituições do país: divide a França em Departamentos, unifica pesos e medidas criando o sistema métrico, introduz o casamento e o divórcio civil, e suprime vários privilégios do clero e da nobreza que oneravam os cofres públicos, e confisca os bens da Igreja Católica. O estado manterá os estabelecimentos religiosos de interesse social, conforme uma Constituição Civil do Clero.

Madame Necker, publica Des inhumations précipitées. A 31 de agosto, nasce em Paris o filho de Germaine, Auguste, o qual, após a morte dela, haveria de editar sua obra completa. A 30 de setembro seu pai demitiu-se do cargo de ministro e foi cuidar de seus negócios na Suíça. Ela o visita periodicamente. Em outubro ela publicou, em pouquíssimos exemplares, Sophie ou les Sentiments secrets, e também Jane Gray, uma tragédia de fundo político. De 10 de outubro ao fim de novembro mora com os pais na Suíça. Passa o início de inverno, de 6 de dezembro 1790 a janeiro 1791 em Lousanne.

Em dezembro de 1791 seu amante Narbone é nomeado ministro da Guerra, em parte graças ao seu trabalho e influência.

Grande leitora de Rousseau, marcada pelas ideias do Iluminismo, Madame de Satël abraçou com entusiasmo o movimento revolucionário. Declarada a Revolução, ela orienta sua obra ainda mais para a política liberal. De janeiro a maio de 1791 seu salão em Paris é local de encontro dos políticos moderados. Em 16 de abril Madame de Staël publica, apócrifo, no periódico Les Indépendants, o seu primeiro artigo conhecido. Nele ela propugna por uma monarquia constitucional como a da Inglaterra, e advoga a educação do povo, que deve ter seus direitos políticos inteiramente respeitados. Os radicais monarquistas e republicanos a atacam.

Neste ano, Louis XVI usa o poder de veto para paralisar os trabalhos da Assembléia, em respeito à reprovação do papa às medidas adotadas. Em 21 de junho o rei tenta fugir do país com sua família e é preso em Varennes. Em 1º de outubro entra em vigor a primeira Constituição francesa, inaugurando uma monarquia constitucional semelhante à da Inglaterra.

Em março de 1792 Narbone foi demitido; um dos últimos ministros de Louis XVI, pouco depois iria refugiar-se na Inglaterra. Em 20 de abril, a Assembléia Legislativa e o rei Louis XVI declaram guerra à Alemanha e à Áustria. No verão a França é invadida pelos exércitos alemão e austríaco. Em 14 de julho ela assistiu, no Campo de Marte, a Festa da Federação e do terceiro aniversário da queda da Bastilha. Grande multidão de gente vinda de toda a França estava lá reunida; o Rei fez novo juramento de respeitar a Constituição; foi a última aparição pública da família real antes da decapitação do rei e da rainha. Ainda em julho Madame de Staël, Narbonne e Malouet ofereceram ao rei um plano de fuga, que a rainha recusou. Sua casa, a Embaixada da Suécia na rua de Bac, era território relativamente seguro, apesar do embaixador seu marido encontrar-se fora de Paris na ocasião. Lá ela escondeu e salvou no mês de agosto vários amigos que estavam condenados à execução.

Porém, a partir de então, sua própria situação torna-se insuportável. Em 2 de setembro do mesmo ano, milhares de prisioneiros são assassinados nas prisões, por instigação de Marat. Ela conta, conforme citação de Constance Hill em Juniper Hall (1894 – on-line em http://digital.library.upenn.edu) que, naquela data (estaria grávida do filho Albert), ao tentar sair de Paris, na condição de esposa do embaixador da Suécia, foi detida por uma multidão de revoltosos atraídos pelo luxo de sua carruagem puxada a seis cavalos e acompanhada de vários criados. Escapando em vários momentos de ser massacrada pela multidão enfurecida na Place de Grève, local de incontáveis decapitações durante a Revolução, e onde a 25 de abril daquele ano fora utilizada a Guilhotina em Paris pela primeira vez, ela foi levada pela polícia à presença do Conselho Comunal no Hotel de Ville. Salvou-a seu amigo, o escritor revolucionário Louis Pierre Manuel, procurador da Comuna de Paris e que, no momento em que ela era ouvida pelo Conselho presidido por Robespierre, declarou que se responsabilizaria por ela. Trancou-a em sua sala por seis horas, esperando que escurecesse para levá-la em casa.

Da janela da sala em que estava confinada, Germaine viu um gendarme da Guarda Nacional proteger sua carruagem prestes a ser saqueada. Mais tarde o soldado entrou na sala com Manuel, e ela soube que ele era Antoine Joseph Santerre, cervejeiro, e fora uma das pessoas encarregadas de distribuir aos pobres, em época de fome, o trigo conseguido por Necker, seu pai, quando no poder. Ela deduziu que ele defendera seu carro e seus pertences na praça, em reconhecimento à bondade de seu pai.

Não encontrei quais argumentos Manuel apresentou a Robespierre, mas é possível que, por estar ela grávida – pois seu filho Albert nasceria pouco depois – não quisessem assassinar um inocente no ventre da mãe. Após as peripécias para obter, com a orientação de Manuel, um novo passaporte, ela consegue no dia seguinte, 3 de setembro, fugir para a Suíça. Manuel morreria na guilhotina em novembro do ano seguinte.

Uma nova Assembléia, chamada “Convenção” é eleita e se reúne pela primeira vez em 20 de setembro de 1792. Nesse dia, em Valmy, no Argonne, os prussianos foram derrotados pelos franceses e recuaram para a fronteira, e os austríacos batidos em Jemappes, na Bélgica, uma possessão austríaca. No dia seguinte, os deputados da Convenção proclamam a abolição da monarquia. Em 10 de outubro uma multidão invade o palácio das Tuileries e prende o rei e sua família na prisão de Temple.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 18-12-2005.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Madame de Staël. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2005.