Madame de Staël

Hoje: 26-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

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II – Pensamento

Madame de Staël não apenas se engajou na luta dos pensadores iluministas de sua época contra a influência da Igreja, mas também trabalhou pela definição dos princípios do Liberalismo tanto na França como na Suíça. Tornou-se um elo entre os adeptos do liberalismo de antes e de depois da Revolução. Advogava a maior liberdade individual possível, e chamou absurda a ideia de proceder de Deus a autoridade entre os homens. Era favorável à desapropriação das terras da Igreja e à abolição de todos os privilégios dos religiosos, que tinha como inimigos da Revolução. Considerava a República uma forma política adequada apenas aos pequenos países, enquanto as grandes nações deveriam ser Monarquias Constitucionais, conforme o modelo inglês. Seu pensamento, tanto político quanto feminista, está expresso principalmente em seu livro Considérations sur les principaux événements de la Révolution française (“Considerações sobre os principais acontecimentos da Revolução francesa”) em que mostra os resultados nefastos da Revolução e o retrocesso que impôs ao seu país.

Ela havia retomado em Londres uma ideia antiga: a de escrever um livro sobre a vida política de seu pai. Porém não finalizou onde termina a carreira dele, de homem público. Prosseguiu, elaborando uma crítica do Consulado, do Império, e do início da Restauração. Assim, o que seria apenas a biografia de seu pai, tornou-se no livro Considérations sur les principaux événements de la Révolution française, com a adição da história do grupo liberal que ela indiscutivelmente liderou. Aborda nele os três primeiros anos da Rev,olução, e comenta o desencanto provocado pelas atrocidades do Terror, o fracasso do Diretório, a tirania da era napoleônica e o retorno à monarquia, que via com desconfiança. Termina o livro com uma síntese de suas propostas, inspiradas no sistema político inglês.

Política. Em seu Des circonstances actuelles qui peuvent achever la Révolution, faz um apelo ao bom senso dos franceses para acabar com o terror e restaurar a paz por meio de uma República. Educada como liberal, apesar de estimar Rousseau ela prefere seguir o pensamento de Montesquieu e as idéias constitucionalistas de seu pai, o ministro Necker. Convencida de que o Terror e suas consequências eram um desvio da história, não aceitou que se apagassem as luzes do Iluminismo. Suas idéias sobre a liberdade lhe valeram perseguições do poder e lhe custaram muito caro inclusive com respeito a sua vida íntima. Em sua opinião, a arte da política está em direcionar a opinião pública para um objetivo e depois apoiar-se nela no momento certo.

Ela pede o respeito ao que chama “três elementos dados pela natureza”, a deliberação, a execução e a conservação, necessários para garantir aos cidadãos sua liberdade, fortuna e uso tranquilo de suas faculdades, e os recompensar pelo seu trabalho.

Reconhece, embora minimize, que, devido a que os nobres apóiam o despotismo como salvaguarda de seus privilégios, esta pode ser uma razão contra uma Câmara dos Nobres (pares do reino)

Religião e Estado. A grande questão de sua época foi a separação entre o Estado e a Igreja, a extinção do poder do Segundo Estado constituído pelos clérigos (O Primeiro Estado eram os nobres, e o Terceiro Estado os homens comuns). A religião deveria ser apenas o culto íntimo, sem envolvimento de interesses políticos. E em sua opinião, o dia em que os franceses deixassem de unir o que Deus havia separado – a religião e a política –, apesar do clero perder o seu poder e os seus privilégios, a nação teria uma religiosidade mais autêntica e sincera. Ela se indigna com a doutrina do Direito Divino dos reis, expressa no famoso dogma: todo poder vem de Deus; e quem resiste ao poder resiste ao próprio Deus. Ela contra argumenta lembrando que nos evangelhos está escrito “dê a Deus o que é de Deus e dê a César o que é de César”, uma evidência de que Cristo desejava que a religião que ele anunciava fosse considerada inteiramente estranha à política. E cita mais o trecho: “meu reino não é deste mundo”. Esse falso direito, de governar sem limites de poder, resultava na opressão permanente do povo e na corrupção do caráter do cidadão que tinha que desenvolver artifícios, os mais abjetos e escusos, para se colocar a salvo da arbitrariedade do governo.

O cristianismo trouxe de fato a liberdade, a justiça aos oprimidos, o respeito pelos que sofrem, e a igualdade perante Deus, da qual a igualdade perante a Lei é apenas uma imagem imperfeita. Mas as formas de organização social não podem dizer respeito à religião senão quanto à manutenção da liberdade e da justiça para todos, e da moral de cada um; o resto pertence à ciência deste mundo.

A liberdade. Para ela, os adversários da liberdade em todos os países – salvo alguns trânsfugas de entre os intelectuais – em geral são aqueles inimigos do conhecimento e das idéias; a necessidade de um governo livre – a monarquia constitucional para os grandes países, e a república independente para os pequenos –, é tão evidente que ela não acredita que alguém possa não reconhecer esta verdade. Mas há aqueles que ficaram amedrontados com a liberdade trazida pela Revolução, e que havia resultado nos crimes perpetrados por seus líderes. Outros pensam que aceitar uma ideia filosófica, como a do amor à liberdade, implica tornar-se ateu. Há, ainda, os que consideram de mau gosto meter-se na política: dizem que o povo escolhe sempre mal.

A felicidade. No De l’influence des passions obra na qual havia trabalhado desde 1792 e publicou em 1796, revela-se pessimista, descrente de que seja um meio seguro de buscar a felicidade permitir que ela dependa dos outros, como na amizade, ou mesmo quando é buscada nobremente no triunfo e na glória. O sábio deve contentar-se com aquilo que não dependa senão dele mesmo, e encontra a felicidade na serenidade da reflexão, do estudo, e do progresso intelectual.

Educação. Em 1800, Madame de Staël publica sua primeira grande obra : De la littérature considérée dans ses rapports avec les institutions, um trabalho complexo, cuja teoria fundamental era que uma obra literária deve refletir a moral e a realidade histórica do país em que é escrita. Este foi considerado o primeiro livro importante do novo século. Nele ela aborda a evolução da literatura e do pensamento filosófico através de diferentes tipos de sociedades, de governos, e de religiões. Na última parte do livro, como já fizera em Des circonstances actuelles, faz um vaticínio sobre a literatura do futuro e insiste na importância do teatro para a educação do povo, e no valor da eloquência política no regime republicano.

Feminismo. O pensamento de Madame de Staël com respeito à mulher encontra-se principalmente nos livros Corine, Delphine, no Réflexions, e em um dos capítulos finais do Consideration.

No Delphine, de 1802, o enfoque é o de uma mulher que, conhecendo o mundo e suas misérias, faz uma análise do sofrimento humano – das mulheres em particular –, com muita argúcia e colorido. Constata que a Revolução Francesa causou um retrocesso na condição da mulher sob os aspectos jurídico, social e político; e denuncia o sofrimento a que estão condenadas devido à condição subordinada na família e na sociedade, mesmo nos países de civilização mais avançada e nos níveis mais altos da sociedade. Mas o livro é também rico em pensamentos sobre questões políticas e sociais tais como a imigração, o liberalismo político, a influência inglesa, a superioridade do protestantismo sobre o catolicismo, e o divórcio.

No Corinne, ou l’ltalie, ela mostra o choque entre as mentalidades nórdica e mediterrânea. Inteligente e culta, a personagem Corina, meio italiana, meio inglesa, retrata a mulher que invade um campo naquela época essencialmente masculino: o da cultura. Seu companheiro na viagem pela Itália – um nobre escocês – conhece, pela sua mão, os esplendores do Renascimento italiano. Ele é obrigado a admitir sua superioridade intelectual, a anular sua vontade diante dela, não por superar seu preconceito contra a mulher inteligente, mas obrigado a fazê-lo porque a amava, o que o torna aparentemente fraco e irresoluto. De modo amplo, o livro ocupa-se de questões ousadas tanto da filosofia, como da religião, da história e da política, e também da poesia e das artes.

No Réflexions sur le procès de la Reine (Reflexões sobre o processo da Rainha) de 1793, em sua defesa da raínha, clama contra a humilhação a que Maria Antonieta é submetida, não por crimes que tivesse cometido, mas por ser vítima do preconceito que sempre foi causa dos maus tratos e da infelicidade da mulher, em todos os níveis da sociedade.

No Considérations sur les principaux événements de la Révolution française, publicado pelo filho Auguste depois da sua morte, ela aborda um aspecto especial da posição da mulher, o quanto e porque ela está sujeita a se corromper nos países sob o governo autoritário, onde tudo depende de amizades e favores. A mulher lança mão de todos os seus meios de sedução para influir sobre o poder, em todos os níveis. Não por conta de qualquer ideal, mas para obter posições para si e para seus amigos. Outra de suas armas é a intriga, feita para deslocar adversários e chantagear ministros. “Alguém acredita que, à época de Louis XIV, madame De Montespan, e de Louis XV, Madame Dubarry, tenham recebido alguma recusa dos ministros?” – pergunta.

Para Madame de Staël, papel social da mulher é específico, e nisto ela difere das feministas radicais que vão além da igualdade de direitos para proclamar uma igualdade total entre o homem e a mulher. Para ela, a vida doméstica inspira às mulheres todas as virtudes. Segundo ela, os costumes que são gerados em um governo arbitrário separam a mulher do seu “destino natural” e as transformam em um triste produto da ordem social depravada. E exemplifica: “uma mulher do povo, na Inglaterra, se espelha na rainha que cuida de seu marido e educa suas crianças como a religião e a moral determinam a todas as esposas e a todas as mães.” E conclui : “o verdadeiro caráter de uma mulher e o verdadeiro caráter de um homem somente podem ser conhecidos e admirados nos países livres” (Staël, P.VI, T. II, p. 432-434).

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 18-12-2005.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Madame de Staël. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2005.