A Arte de Representar no Teatro Escolar

Hoje: 26-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

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Monólogos. Alguns monólogos acabam sendo indispensáveis em uma peça, e porque constituem um item delicado na técnica interpretativa, têm algumas regras que lhe são próprias. O monólogo tende a induzir gestos que podem chamar a atenção do espectador mais para o movimento que para o que está sendo dito e o seu significado. O mesmo pode acontecer se o ator está de posse, ou está lidando com algum objeto. Portanto, deve-se evitar gestos e adereços. Pelo mesmo motivo, não é bom mover-se muito num monólogo; o ator deve manter-se em um espaço limitado. O tom da voz, sua altura, e se as palavras são mais ou menos sussurradas, o dramaturgo sempre estabelece. O ator deve observar suas instruções, para não comprometer o ritmo da cena, a natureza da situação ou o sentido da mensagem.

Ações e atividades. Em cada cena, o trabalho do Ator é o de executar ações e atividades. Uma ação é alguma coisa que o ator faz para um fim, como remendar um sapato para recuperá-lo, em um determinado ambiente, como um quartinho do casebre, e por uma razão que ele não precisa declarar mas que os espectadores intuem (justificação intuída), ou que explica audivelmente para si mesmo, ou em resposta à indagação de outro personagem (justificação declarada) – no caso, o personagem não pode comprar um sapato novo. Uma ação divide-se em uma série de atividades que são ações subordinadas: buscar uma agulha, procurar por um carretel de linha, costurar as duas beiradas do couro rasgado são atividades da ação de remendar o sapato. A ação tem o nome da sua finalidade, neste caso ela é a “ação de remendar um sapato”, e da finalidade salta o motivo ou justificação da ação. A atividade não pode tomar demasiado tempo da ação. Ela é rápida, o mais curta possível. Se o personagem saca um cigarro para fumar, o maço jâ deve estar aberto e descompactado para facilitar o gesto. Ele não pode perder tempo removendo invólucros e tentando puxar um cigarro que está preso ou que lhe escapa e vai ao chão. Uma carta é escrita como se estivesse dependendo apenas da conclusão, data e assinatura.

O modo como o Ator executa uma ação pode indicar o que ele pretende: bater na mesa para chamar a atenção de todos é feito de modo diferente de bater na mesa para confirmar a boa ou má qualidade da madeira. É da habilidade do ator, de representar uma e outra dessas duas ações, que dependerá a aceitação da ação pelo público, que ficará confuso se não puder distinguir, pelo modo como ele age, o que é que ele pretende. É dever do ator compreender a intenção da peça. Ela é uma “mega ação” com uma “mega finalidade” que e o dramaturgo lhe deu, por exemplo, convencer a juventude dos valores da família.

A fala. Num palco, o ator nunca se comunica de forma apática, monocórdia e sem vida, mas com clareza e energia. Não pode usar a altura normal de voz da conversação social. Ainda que em um trecho do diálogo deva falar intimamente com um parceiro, a plateia deve ouvi-lo também nesse colóquio. Sua réplica deve ser enérgica, bem articulada e pessoal. Uma ideia importante colocada pelo dramaturgo requer que seja dita com a altura e o entusiasmo dignos do seu significado. Não pode ser apresentada de forma inexpressiva. Não é necessário gritar as palavras, mas por sua altura e força, sua voz deve alcançar além da plateia. Desde o início do seu treinamento, precisa ter a consciência de que todos devem ouvi-lo. A fim de praticar, pode colocar uma distância de dois a quatro metros entre si e o interlocutor. Isto irá habituá-lo a projetar sua voz de modo a ser ouvido durante os ensaios e, posteriormente, na execução da peça.

O clima da cena. O clima, ou atmosfera, de uma cena é indicado pelo dramaturgo. Todas as circunstâncias têm sua atmosfera, transcorrem sob um certo clima solene, ou alegre, ou triste; respeitoso, de terror, de esperança, etc. Cada local tem como uma de suas características, seus personagens e o clima que lhe são próprios. Uma igreja tem sua atmosfera, sua hierarquia de bispos, monsenhores e padres. Um bar tem sua atmosfera, tem a garçonete, tem o barman que atende no balcão. Um passeio no parque tem sua atmosfera, tem a presença discreta do fiscal do meio ambiente, tem os casais de namorados, bancos em que alguém lê um jornal; um hospital tem um clima de urgência, o médico que é solicitado pelo alto-falante, enfermeiras no corredor caminhando com presteza, e um centro de enfermagem. Um parque de diversões tem sua atmosfera, com pais e suas crianças vagando entre os cercados dos diversos brinquedos, vendedores ambulantes, etc. Um cemitério tem sua atmosfera, com os coveiros abrindo sepulturas, um ou outro enlutado à beira de um túmulo com um buquê de flores, um cortejo que se dirige a um ponto qualquer. Uma biblioteca tem uma atmosfera também especial, com seus leitores silenciosos e a bibliotecária, a pessoa mais importante – com a qual alguém fala, quase sussurrando, assuntos técnicos, e não de modo íntimo e próximo, a menos que o enredo diga que o leitor está buscando insinuar-se para conquistá-la. O clima em cada situação pode ser leve ou carregado, dependendo do gênero da peça: se é uma comédia, será leve; se é uma tragédia, será carregada.

Os acessórios ou “adereços”. Aprender sobre “adereços” – objetos ligados à representação de um papel – é conhecer seus diferentes tipos, saber como cada um é manuseado e distinguir os modos como são manipulados por diferentes classes de pessoas. Um ator deve aprender a técnica da esgrima em um duelo ou como usar uma pistola nessa mesma situação, ou em um crime passional ou suicídio, ou defendendo-se por trás de de uma mureta. Segurar uma caneta é parecido com o modo como se segura um garfo, mas o modo como se levanta o chapéu para uma saudação ligeira é diferente do modo de retirá-lo inteiramente. Assim também dependerá do fim para que for usado, o manejo de uma tesoura, o enfiar de uma agulha para bordar sobre um bastidor ou remendar uma rede, etc. É bom que o aluno-ator aprenda a observar isto, independentemente de qual a modalidade aplicável ao seu personagem.

O segundo aspecto é como esses gestos são feitos por uma pessoa educada que observa as normas de Boas Maneiras, e uma pessoa rude; por um jovem cheio de energia ou por um ancião, etc. Por exemplo: uma pessoa comum toma a caneta do mesmo modo que um médico, mas este último geralmente a manuseia com mais rapidez. O manuseio de objetos é utilizado também para sublinhar alguma coisa que se diz, ou para mostrar alheamento em relação ao que é ouvido, ou para enfatizar. Uma bengala é um utensílio que pode ser manipulado de modo diferente por um dandy, por um ancião, por um aleijado, e pode ser brandida para mostrar irritação, balançada num gesto descontraído, esticada para apontar numa direção, e utilizada para tatear o caminho. O modo de se tomar uma xícara de café não é o mesmo de tomar uma xícara de chá. O Ator deve saber a diferença entre uma xícara de café e uma chávena de chá, e como tomar uma ou outra dessas duas bebidas quentes. O chá é bebido com calma, enquanto se saboreia biscoitos, e é incompatível com cenas muito movimentadas. Deve saber colocar o açúcar no líquido, imaginando e treinando os diferentes modos educados e deseducados de fazer isso. Cenas alegres pedem bebidas em copos grandes que possam ser erguidos em brindes.

Ao procurar pelo relógio de bolso, o ator não pode ficar atrapalhado para sacá-lo da algibeira, nem puxá-lo pelo meio da corrente, mas, sem olhar, deve apanhá-lo com a presteza natural puxando-o pela sua própria argola. Ao acender um abajur deve levar a mão ao interruptor sem olhar onde ele está, como um gesto automático e costumeiro, para mostrar sua familiaridade com aquele objeto naquele lugar, se a cena é em sua casa ou escritório, mas deve fingir não saber onde ele está e procurá-lo por um segundo sob as abas do abajur, se quer passar a impressão de que é a primeira vez que entra no cômodo (apesar dos inúmeros ensaios que tenha feito).

Personalização do desempenho. Finalmente, depois de entender a ação e as atividades nelas envolvidas, o ator chega à interpretação, que é o seu modo de realizá-las, modo pessoal e que o identifica, e será a base para ser considerado um bom ou mau ator. O Autor da peça descreve muito superficialmente as cenas e os personagens a serem representados. Cada ator deve inventar a maneira sutil de personalizar sua atividade em uma cena, de modo a fazê-la real e crível. Por exemplo, ao entrar em cena, ele retira os óculos escuros, dobra-os e guarda-os no bolso da camisa. Esse pequeno detalhe indicará seu modos pessoal de representar uma ação cuja rubrica objetiva indica apenas que o personagem entra na sala. Seu gesto tem o efeito sub-liminar de tornar a ação convincente, porque os espectadores não chegam a tomar consciência dele, mas sentirão “simpatia” pela sua atuação.

Os óculos são um objeto de grande poder cênico. Tirá-los, examiná-los contra a luz, remover um cisco imaginário; dar um toque na armação por sobre o nariz colocando-a no seu lugar, por ou remover os óculos indicando maior atenção na leitura ou para olhar desimpedidamente alguém com quem se fala, são gestos que, feitos com naturalidade, emprestam maior veracidade ao desempenho do ator.

O ator encontrará na caracterização do seu personagem a descrição das roupas que usará na interpretação, mas o modo de usá-las será criação sua. Sua personalização no uso do vestuário poderá ser muito imaginativa e talentosa, se contribuir para a caracterização perfeita do seu personagem. Ele pode vestir uma blusa de lã, ou amarrá-la ao pescoço deixando que lhe caia pelas costas, ou amarrá-la na cintura, ou trazê-la na mão. Poderá ter todos os botões da camisa abotoados ou deixá-la aberta ao peito.

Abrir um pacote de presente pode ser feito com calma, enquanto se faz algum comentário, e pode ser mais rápido e nervoso, para mostrar grande curiosidade ou expectativa.

Pode usar um boné com aba para frente ou para trás, conforme se aplique melhor ao seu personagem ou à situação. Um breve olhar para o copo de uísque antes de leva-lo à boca é outro exemplo. Ao afastar dos lábios uma chávena de chá ele poderá, com um gesto mais lento ou mais rápido, indicar que o chá está demasiadamente quente, ou que está agradável e saboroso. Tudo isto o ator deve criar com propriedade, ele mesmo, porque o script dirá apenas que ele está sentado à mesa tomando um café ou chá.

Mas há limites ao realismo. O efeito será contrário, se ele desenvolver maneirismos, e será uma indisciplina, se ultrapassar notoriamente as indicações que recebe do dramaturgo. Por outro lado, nem tudo que é parte da realidade dá certo no palco. Se a cena é em uma biblioteca, curvar-se para procurar um livro em uma estante baixa pode ser grotesco e então, embora este seja um procedimento comum a um leitor, o ator não deve levar o seu realismo a esse extremo.

O aluno-ator deve estar consciente dos efeitos que tem sobre sua imagem cada uma dessas personalizações e treiná-las discretamente. Com esses exercícios, sentirá maior segurança para desempenhar seu papel. Ele também se sentirá enriquecido pela descoberta e compreensão de muitos detalhes da vida e do relacionamento social de que antes não tinha percepção e o valor da sua participação na peça crescerá.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 15-02-2006.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – A arte de representar no teatro escolar. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2006.