A Arte de Representar no Teatro Escolar

Hoje: 29-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

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Esta página é uma das oito escritas por mim como uma contribuição aos autodidatas, para o aperfeiçoamento de sua educação pessoal dentro do conceito de “Educação continuada”, e também aos Orientadores Educacionais que possam utilizar esse recurso pedagógico em seu trabalho na Escola. Por ter essa finalidade, o texto não cobre tudo o que poderia interessar ao ator do Grande Teatro.

O aluno-ator não pode comunicar ideias complexas e refinadas, como um ator profissional experiente. Por isto a peça pedagógica é sempre simples e direta nos seus diálogos e nas suas ações. Porém, por mais singela que seja, os atores precisarão de algum conhecimento e treino, e de uma orientação capaz de imprimir ao espetáculo unidade e convencimento. A própria experiência de treinamento para interpretar um personagem pode ser, ela mesma, educativa para o próprio aluno. Adiante, falo dessa possibilidade. Ele aprenderá sobre a sua própria pessoa ao se comparar com a personalidade imaginária que irá representar.

Escolhendo os atores. Para escolher os atores, o coordenador do Projeto terá presente que o aluno-ator deverá trabalhar continuamente com seu corpo, sua fala e sua mente. Ele precisa ser apto sob esses três aspectos, ter saúde e boa ressonância da voz e inteligência. Não pode ser inseguro, ter dicção pobre, comportamento corporal desleixado. Deve demonstrar também desejo de crescimento e liderança; interesse em desafios. Aqueles que, por falta dessas qualidades, não forem participar como atores, terão oportunidade para colaborar como figurinistas, músicos, cenógrafos, encarregados de levantar recursos materiais e financeiros, etc. Alguém que trabalhe com madeira poderá ajudar com o cenário, e um eletricista colaborar com a iluminação. Os que não se interessarem prontamente por qualquer dos setores técnicos, provavelmente estarão esperando uma oportunidade como atores.

Primeira Reunião Geral. O coordenador lerá o plano da peça com a indicação provisória das funções técnicas e dos personagens. Essa primeira leitura do plano da peça é para o esclarecimento do texto, o entendimento dos personagens, do estilo, da linguagem, do ritmo da narrativa e da encenação, e do seu objetivo educacional. Explicará que o Teatro pedagógico lida com problemas críticos que afetam a todos: questões de amor, lealdade e amizade, condição do adolescente sujeito a exploração e desencaminhamento, questões entre pais e filhos, etc. Deve apontar as idéias importantes que o autor deseja revelar através de sua obra. É interessante que haja algum tempo livre para discussão do tema da peça e de questões a ele relacionadas. Se a história fala de crianças abandonadas e afavelamento das cidades, o Coordenador pode conduzir uma discussão em torno das consequências do aumento descontrolado da população, tais como a não efetividade da instituição família, a falência moral, as doenças, os desastres pela ocupação de áreas de risco, etc. O debate pode fluir livremente para questões relacionadas como o papel da mulher, o aborto, educação em métodos anticoncepcionais, etc. esse debate que já terá seu próprio valor educativo, terá também uma importância técnica, uma vez que compreender o tema leva a uma melhor leitura do texto, o que por sua vez irá facilitar, futuramente, decorar as falas.

O aluno-ator poderá, no debate, ser a favor ou contra a tese principal apresentada pelo dramaturgo, independentemente de qual deva ser o partido que tomará o seu personagem. Em cena, porém, sua personalidade e suas opiniões não irão prevalecer nem devem influir. Ele pode, mesmo, ser encorajado a treinar os pontos de vista do seu antagonista, como se fosse trocar de papel. O que realmente terá que fazer em todas as circunstâncias de sua representação será imaginar e executar as coisas escritas pelo autor. Esforçando-se nesse sentido, poderá progredir muito rapidamente, partindo de uma total ignorância artística em relação ao teatro, para uma razoável sensibilidade estética em poucos meses de ensaio e estudos. Após o melhor entendimento dos personagens a serem representados, poderá ocorrer a necessidade de algumas realocações de papeis.

Leituras de mesa. Vencida a primeira etapa, o Coordenador pode reunir-se com o elenco para a primeira leitura de mesa, ou seja, a leitura em comum do texto, cada um com a sua fala, lida como leitura “plana”, no tom normal de uma conversa. A leitura expressiva, com as entonações próprias de cada cena, deve esperar pelo primeiro ensaio no palco, para ficar bem calibrada em relação ao espaço em que o ator vai trabalhar. Para desarmar possíveis conflitos por ressentimentos e abusos de crítica entre os alunos, o Coordenador poderá, antes de iniciar a sessão de leitura, preveni-los de que haverá gaguejos, erros de pronúncia, e outras imperfeições que poderão ser motivo de riso, mas que isto é normal na primeira abordagem do texto e não deve ofender ninguém.

O medo do palco. A maior diferença entre o palco e o palanque de um comício é que, neste último, o político preocupa-se primeiro com o que está falando, enquanto no palco os atores estão mentalmente concentrados nas ações e nas circunstâncias e situações da peça, e não primeiramente nas palavras. Se, no palco, o Ator prestar atenção às circunstâncias do drama e deixar de lado a realidade, não tomará conhecimento da plateia e não se preocupará com as pessoas que o assistem. A ação elimina a tensão. O ator não precisará temer o esquecimento do texto: ao concentrar-se na ação, as palavras que a acompanham fluirão naturalmente. As palavras são pedidas pela ação, e por isso esta o ajudará a reter na memória a sua fala.

Portanto, a primeira regra contra o medo é concentrar-se nas circunstâncias da representação. Diz Stella Adler em Técnica da representação teatral, Civilização Brasileira, Rio, 2005, p. 30) que os atores têm, muitas vezes, pavor do palco, porque em cena, sentem-se abandonados num lugar que lhes é estranho. “A tensão é em grande parte o resultado de recorrer às palavras do texto e depender delas, esquecendo-se de que o lugar e a ação, mais que as palavras, constituem o fulcro da peça.” Levando em conta esse ensinamento de uma das mais famosas discípulas de Stanilavski, o aluno ator deve treinar desde o início a por sua atenção no que faz no palco, para não ser surpreendido por um medo paralisante no momento da apresentação. Deve conscientizar-se da presença e da função dos objetos, da mobília e das características do cenário. Antes de partir para o texto, nos primeiros ensaios, é imperativo que ele se locomova fisicamente nas novas circunstâncias e use-as – por exemplo, sentando-se no sofá; abrindo uma porta, olhando por uma janela. Andar no palco para localizar o cenário imaginário o fará sentir-se em casa retirando a tensão da representação.

Aprendendo a representar. Este é o capítulo mais extenso do que se pode chamar Técnica da Representação. Aqui é necessário abrir alguns subtítulos.

Identificação representativa. O pedagogo pode levar o aluno a iniciar o seu aprendizado de modo comparativo, e aproveitar essa ação para estimular o seu amadurecimento como pessoa. O aluno ator primeiro examina sua própria personalidade quanto ao objeto da representação, para depois indagar: quanto a isto eu sou assim; e como é o meu personagem quanto a este mesmo particular? Qual o meu modo de caminhar? E como deve caminhar o meu personagem? Qual o meu conhecimento da língua? E qual conhecimento da língua deve mostrar ter o meu personagem? Ele é preguiçoso, descuidado ou disciplinado? É disponível, gentil e respeitoso? Como eu próprio sou quanto a essas qualidades? – O aluno-ator fará essa crítica comparativa, para chegar a uma identificação perfeita do tipo que irá representar e assim, na medida que sua imaginação absorve a vida do personagem, ele estará também reconhecendo em sua própria personalidade vários aspectos físicos e espirituais de que nunca havia tido antes uma completa consciência.

Nível social. Além das características de personalidade que o aluno-ator pesquisará, ele deverá estudar seu personagem também com respeito aos hábitos próprios da sua situação social. Quais as prováveis interações sociais e políticas dele com os membros da sua classe (Classe alta; Classe média; Classe baixa) no que diz respeito à educação, à vida familiar, à vida sexual, à crença religiosa, e à sua profissão. Precisará imaginar como o seu personagem chegou ao que é – como no caso de um gerente de banco que começou como offfice-boy esperto e capaz – isto ajudará a fixar o tipo.

Sotaque. É comum em um país como o nosso, dividido em regiões e que também recebeu a contribuição de várias raças e culturas estrangeiras, ter uma variedade grande de sotaques. Há que primeiro distinguir entre sotaque estrangeiro e sotaque regional. O sotaque estrangeiro tem a mais o emprego errado do masculino e feminino e dos tempos do verbo. O sotaque regional tem a mais o emprego de expressões idiomáticas, provérbios, nomes de objetos que distinguem a fala regional e sobretudo uma entonação acentuadamente diferente de outras regiões. É necessário praticar também a acentuação das frases ou entonação fonética do país ou região. Os franceses são um bom exemplo: acentuam em geral a última palavra da frase, assim como tendem a transformar cada palavra estrangeira em oxítonas, transferindo o acento para sua última sílaba.

Profissões e seus equipamentos. Ao estudar um personagem, uma das primeiras perguntas a serem feitas é: qual é a sua profissão? Se o papel é de um médico consciencioso e competente, o Coordenador estimulará o aluno-ator a observar como um facultativo consciencioso porta e usa o seu estetoscópio, pendura-o ao pescoço ou ajeita com as duas mãos as auriculares ao seu ouvido, e toma com atenção o pulso do paciente enquanto observa atentamente o mostrador do anemômetro. Se é um mecânico, como esse profissional lida com a limpeza das mãos removendo a graxa com um bocado de estopa. Um cabeleireiro, quais são as ações que ele executa? Qual é o seu vestuário? Quais são os adereços que condizem com sua função? As diversas profissões têm sua indumentária própria. Ao se preparar para o papel que irá interpretar, o aluno-ator deve saber como e porque usará um avental, ou um jaleco curto, um macacão, um terno com gravata, uma farda, etc. O figurinista desenhará as vestes ou definirá a combinação das peças do vestuário de acordo com a descrição do tipo feita pelo dramaturgo. Mas o ator que se interessa profundamente pelo seu personagem e seu papel, e que já o estudou e sabe como quer apresentá-lo, pode contribuir com ideias para as roupas, e escolherá calçados e meias de acordo.

Contracenar. Cada ator deve estabelecer uma boa relação de trabalho com os colegas com os quais irá contracenar, e conhecer os papeis dos seus parceiros tão bem quanto o seu. No diálogo, aquilo que o antagonista disser servirá como uma deixa para sua própria fala, por suscitai uma resposta que deverá ser lógica. Isto fará que o diálogo se desenvolva quase automaticamente, se ele aprender a reagir à atuação dos demais. É fundamental ter presente que em tais ações e reações os eventuais antagonistas não desenvolvem atitudes que sejam suas, mas sim dos personagem em confronto, dentro da percepção que esses personagens imaginários teriam da situação.

Ensaio de palco. Depois de várias leituras do texto – em parte já decorado –, com os atores já conhecedores do seu personagem e com a ideia de como vão interpretá-lo, se faz o primeiro ensaio no palco. Embora ainda levem o texto escrito nas mãos, os atores já introduzem as ações. Movimentam-se no palco conforme a orientação do script, ensaiam as entonações da fala, e dão início à interpretação dos respectivos papeis, progredindo pela sequência de cenas. É um bom momento para o Coordenador Educacional passar a direção do espetáculo para o aluno que lhe parecer mais apto para a função. Embora continue presente a todos os ensaios, fará muito do seu trabalho de orientar os atores e as equipes através do Diretor Geral nomeado. Este será escolhido também pelo critério de disponibilidade de tempo, uma vez que estará em constantes reuniões com os alunos e com o Coordenador Educacional. Ele será o maestro do espetáculo, atento a todos os detalhes quanto ao cenário, à iluminação, ao movimento dos atores no palco, coordenando suas entradas e saídas, a marcação das cenas, a moderação de seus movimentos e entonações. Comandará a duração e escala dos ensaios, eventuais substituições, solicitará material para as equipes técnicas, etc. Sem a sua ajuda, dificilmente o Coordenador Educacional poderia dar conta do número crescente de solicitações da sua atenção.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 15-02-2006.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – A arte de representar no teatro escolar. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2006.