Jean Bodin

Hoje: 29-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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PENSAMENTO:

História. Em uma época em que os homens olhavam para a antigüidade por prazer estético, Bodin mostrou que daquela mesma fonte poderiam ser retiradas lições em história, política, e moral. No entanto, ao contrário da maioria dos intelectuais do seu tempo, que se confinaram à observação da antigüidade grega e romana, Bodin inspirou-se também na história moderna da Alemanha, da Inglaterra, da Espanha, e da Itália. Através do seu Methodus ad facilem historiarum cognitionem (“Método para um conhecimento fácil da história”) de 1566, lançou os fundamentos da Filosofia da Historia, e propôs sua teoria do efeito do clima na sociedade e no governo, que antecipa a de Montesquieu., e também sua teoria do progresso.

Política. Ao início da época moderna três autores se destacam no campo das ciências políticas: Maquiavel, Bodin, e Hobbes. Os três sustentaram doutrinas que justificaram, respectivamente, as ações do despotismo italiano, e do absolutismo das dinastias dos Bourbon e dos Stuart, segundo uma filosofia natural. Maquiavel estava obcecado com o problema da natureza humana; Bodin insistiu que mesmo o soberano devia obedecer a lei Divina e à lei da natureza; e Hobbes ele próprio encontrou na lei natural a motivação racional que leva o homem a buscar segurança e paz.

Quando Bodin subordinou a sociedade à lei divina e à lei natural, esta última não é o Direito Natural. Ele refere-se a elementos da sociedade natural como a relação de poder entre pais e filhos, ou a elementos físicos como temperatura e umidade, a disposição dos astros no céu o que, como era crença na época, influíam sobre o homem, de modo que o clima frio, quente ou temperado geravam comunidades mais disciplinadas ou mais tolerantes; os ciclos de movimento dos astros também geravam ciclos na história da humanidade. Seu sistema planetário era ainda medieval e astrológico, baseado na física de Aristóteles, e não na nova teoria, exposta por Copérnico no seu Novum Theatrum Naturae, na qual não acreditou.

Nos livros I e II do seu Les six livres de la République Bodin estabelece a natureza do Estado como tal, sua finalidade, seu fundamento na família, a cidadania, e as formas possíveis que o Estado pode assumir. Segue Aristóteles ao sustentar que o grupo familiar, e não o indivíduo, é a unidade a partir da qual a comunidade se constitui. Diz que todo poder vem de Deus e o cidadão é governado independentemente do seu consentimento. Neste particular, a sociedade civil deve ser modelada na sociedade natural da família, pois nenhum pai é apontado por suas crianças para governá-las.

Os “estados gerais” ou assembleias ocasionalmente convocadas pelo soberano, dão a ele a oportunidade tanto de informar-se das queixas, como de dar sua aprovação aos remédios propostos. Essa consulta é, entretanto, matéria de política e não uma obrigação. O caso dos magistrados, porém, é diferente. Eles compartilham da responsabilidade do soberano para com a lei divina e a lei natural. Bodin enfatiza que, se o soberano é absoluto em relação ao súdito, não o é em relação a Deus; perante o autor da sua autoridade ele responde por todos os seus atos. O soberano não é consequentemente a lei, ele próprio, mas o instrumento da lei divina, a cujos princípios os decretos do soberano devem conformar-se.

A mais séria oposição ao exercício arbitrário do poder absoluto é a obrigação do soberano de manter os compromissos assumidos com os seus súditos, pois isto é exigido pela lei Divina e pela lei natural. Assim, toda lei que for o resultado de um acordo entre o soberano e seus súditos através dos Estados Gerais, a exemplo de quando o soberano discute e entra em acordo sobre o montante dos impostos, deve ser respeitada, e o soberano somente pode revogar leis emanadas de sua própria decisão e vontade. No livro II diz que, se a ordem deve ser mantida, os súditos não têm nenhum direito de rebelar-se contra o soberano.

No livro III continua a analisar a estrutura essencial do governo, e diz que a sociedade deve contar com um senado ou conselho com um direito constitucional de aconselhar, uma magistratura com direito legal de julgamento, e os Estados Gerais que fazem a ligação entre o povo e o soberano. Entretanto, um conselho e os Estados não são, apesar de úteis, uma parte necessária do governo da sociedade. Partidos políticos não devem existir; somente uniões profissionais.

No livro IV, como também em parte do V, não está preocupado com a teoria, mas com a prática do governo. Discute as revoluções, quais as suas causas, como evitá-las. Fala da habilitação aos cargos e dos critérios de nomeação dos funcionários.

No livro V diz sobre as leis que governam a distribuição de propriedade, opondo-se ao confisco de patrimônio, por maior que seja a necessidade do tesouro; é contra a venda de cargos públicos. Fala também da arte da guerra.

No livro VI aborda o papel da Igreja, dizendo que ela tem um dever e um lugar dentro do Estado. Trata do critério para imposição de taxas, dizendo que os impostos devem incidir sobre os artigos de luxo, não porque assim estariam sendo taxados os ricos, e os ricos é que devem pagar, ou por algum princípio da economia, mas simplesmente porque a maneira mais eficaz de combater a auto-indulgência e os hábitos viciosos é fazê-los mais caros. Neste último volume retorna à origem divina do poder, dizendo que o microcosmo deve refletir o macrocosmo, e assim, uma vez que o universo está sujeito à única majestade de Deus, assim a sociedade está sujeita à única e soberana majestade do príncipe.

Economia. Jean Bodin teve uma influência profunda na literatura econômica de sua época. Nos séculos dezesseis e dezessete ocorreu uma grande revolução nas atividades industriais. As grandes descobertas geográficas, a descoberta de uma fórmula segura para a pólvora, a invenção da imprensa, a decadência do feudalismo e a ascensão dos estados modernos, o aumento no suprimento dos metais preciosos, e crescimento do uso do crédito — tudo isto se juntou para fornecer problemas para intermináveis discussões. Estadistas, sentindo a necessidade do dinheiro para sustentar a guerra, adotaram várias medidas restritivas para obtê-lo. Os escritores de economia que defenderam estas limitações são geralmente classificados em conjunto como a escola mercantil. A tentativa foi feita às vezes de manter o dinheiro no país proibindo sua exportação ou diminuindo o cunhagem das moedas. Uma outra maneira era incentivar o exportação de produtos acabados e a importação da matéria prima a fim de assegurar um equilíbrio comercial. O mercantilismo alcançou sua perfeição mais elevada sob Jean-Baptiste Colbert, Marquês de Louvois, ministro das finanças sob Luís XIV, e é referido às vezes como colbertismo. Seguidores de Colbert foram menos bem sucedidos, e o mercantilismo degenerou frequentemente em um sistema de privilégios e de isenções especiais, sem nenhuma vantagem adequada à nação.

Jean Bodin é o primeiro a expor, junto com o dominicano e jurisconsulto Martín de Azpilicueta (1493-1586), também chamado Doutor Navarrus, – professor na Universidade de Salamanca e que se encontrava na Universidade de Toulouse à época em que também lá esteva Bodin -, a teoria quantitativa do dinheiro, segundo a qual o nível dos preços está diretamente relacionado com o volume monetário em circulação.

Religião. Apesar de ser um magistrado civil e haver se tornado ao final da vida um partidário da Santa Liga Católica, e de nunca ter abandonado a religião católica e ter sido enterrado na igreja franciscana em Lâon, Bodin parece ter professado um simples teísmo, apenas a crença em Deus. Numa época de lutas religiosas, foi um dos primeiros advogados da teoria da tolerância religiosa. Exprime na République um ponto de vista tolerante com respeito às diversas crenças, observado que “é melhor ter uma religião, qualquer que seja, que não ter nenhuma”. Mantendo-se com os juristas franceses da corrente conhecida como galicismo, ele defendia a supremacia absoluta do Estado, embora baseando-a na vontade divina e na lei natural. Deixou em manuscrito, o Colloquium Heptaplomeres, que propõe um certo espiritualismo racionalista. Os teólogos católicos anotaram e refutaram determinados erros e sutilezas anti-Christãs do République, e todos os trabalhos de Bodin foram colocados no Index em 1628; na edição de 1900 continua a proibição do seu Universae naturae theatrum.

Feminismo. Bodin confere à mulher um lugar inferior na sociedade. O aspecto central de seu pensamento político é a sociedade patriarcal. O princípio de sustentação do domínio do homem é, para Bodin, um princípio de superioridade moral, por considerar a mulher identificada com o físico, com a paixão, em suas próprias palavras, com a “cupidez bestial”, e o homem identificado com a razão e a espiritualidade. Portanto, o poder paterno vem diretamente da natureza. A base do Estado é a família, que tem no seu chefe, o pai, a expressão do poder de Deus. A esposa é obediente ao marido e ambos estão, ao mesmo tempo, igualmente sujeitos ao príncipe cujo poder é absoluto. O governo, quando exercido pela mulher (ginocracia) significa a inversão da ordem natural. A natureza deu ao homem a força, a prudência, as armas, e essas ações viris eram contrárias ao sexo feminino e ao pudor e pudicícia exigidos da mulher. Ao excluir a mulher da esfera pública e privada como faz, Bodin se coloca contra o pensamento de outros intelectuais de seu tempo, de inspiração racionalista e humanista que respeitam o direito da mulher de ser instruída e ter um papel expressivo na sociedade. Um deles é Cornélio Agrippa, do qual Bodin é inimigo e a quem acusa no Démonomanie, de ser um bruxo. Outro é Thomas More que educava suas filhas ministrando-lhes a mesma formação humanista que dava aos filhos. Bodin vê-se ainda forçado a explicar porque algumas rainhas e imperatrizes, ao longo da história, governaram com energia e sucesso, como a rainha Isabel I, de sua própria época.

Bruxas. Em 1580 Bodin escreveu um trabalho, La Démonomanie des Sorciers, para demonstrar a existência de bruxos e bruxas, e a legalidade de sua condenação com base na “experiência” e no respeito pela res judicatae ou confiabilidade das cortes (jurisprudência). No De la démonomanie des Sorciers Jean Bodin, fala “das punições merecidas pelas bruxas”: “Há dois meios por que os Estados são mantidos em sua prosperidade e grandeza: a recompensa e o castigo, aquela para os bons, o outro para os maus. E, se a distribuição destes dois for defeituosa, não se deve esperar mais do que a ruína inevitável do Estado…. Agora, não está no poder dos príncipes perdoar um crime que a Lei de Deus pune com a pena de morte – tal como são os crimes das bruxas. Além disso, os príncipes insultam gravemente a Deus perdoando crimes tão horríveis cometidos diretamente contra a seu majestade, vendo que o menor dos príncipes vinga-se com a morte os insultos contra ele próprio… Consequentemente aquele acusado de ser bruxo não deve nunca ser totalmente inocentado e deixado em liberdade, a menos que a calunia do acusador for mais clara que o sol, visto que a prova de tal crime é tão obscura e tão difícil que sequer um em um milhão seria acusado ou punido se os procedimentos seguissem as leis ordinárias…”

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 25-03-1999.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Jean Bodin. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1999.