Jean Bodin

Hoje: 28-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Jurista, teórico do absolutismo, inventor do princípio de separação entre Estado e governo, precursor do Mercantilismo, Jean Bodin nasceu em Angers (França) em 1529 ou 1530, em uma família burguesa, de prósperos artesãos de origem judia.

Vida religiosa. Adolescente, Bodin trabalhou para o bispo Gabriel Bouvery, um homem influente e um intelectual conhecedor de latim, grego e hebreu. Bodin fez, com apenas 15 ou 16 anos, votos na casa de Nôtre-Dame, da Ordem dos Carmelitas, em Angers, e foi de lá enviado com outros três monges para estudos na casa da mesma Ordem, em Paris.

Interessou-se então pelo “ensino novo” inaugurado no Collège des Quatre Langues, que se tornaria mais tarde o Collège de France, onde os estudos lingüísticos substituíram os estudos teológicos, e Platão substituiu Aristóteles como filósofo mestre. Esta era a linha dos intelectuais mais avançados da época, versados no aristotelismo da escola tradicional, mas que estavam mais propensos a criticar e contestar Aristóteles que a segui-lo. Essa primeira estada de Bodin em Paris terminou quando, aos 18 ou 19 anos, pediu dispensa dos votos e deixou o convento. Aplicou-se então ao estudo das Leis.

As razões da decisão de Bodin de deixar o hábito religioso é matéria de especulação. Ocorre que no mesmo ano em que abandona a Ordem, 1547, três carmelitas foram citados perante o Parlamento de Paris e julgados por desrespeito à fé. Dois deles foram condenados a morrer na fogueira. O terceiro escapou da pena e chamava-se exatamente Jean Bodin. Porém, o nome Jean Bodin era, na época, tão comum na França quanto Manuel Rodrigues em Portugal, razão de não se poder saber com certeza se o indiciado foi o filósofo ou um homônimo. É no entanto muito provável que fosse de fato o filósofo, pois Bodin era curioso a respeito das várias religiões e em seu trabalho Heptaplomeres, que nunca teve a coragem de publicar, declara que debaixo de ameaça o homem está justificado para ocultar suas convicções religiosas, o que ele pode de fato ter feito para livrar-se da pena máxima.

Deixando Paris, Bodin dirigiu-se a Toulouse, em cuja universidade estudou e ensinou Direito Romano. Seu principal biógrafo fala da presença do filósofo em Genebra em 1552. Pode ter interrompido por um ano sua estada em Toulouse para ir àquela cidade, levado por sua curiosidade pela doutrina calvinista, embora aí também possa ter lugar a dúvida de se tratar apenas de um homônimo. Em Toulouse pronunciou, em 1559, seu Oratio de instituenda in republica juventute (“Sobre a instrução pública da juventude”). Em 1561, na idade de quarenta anos, ainda um nome obscuro, abandonou o ensino de Leis para advogar em Paris

Jurista. O estudo da História foi seu primeiro interesse. É de 1566 o Methodus ad facilem historiarum cognitionem (“Método para um conhecimento fácil da história”), no qual apresenta uma teoria da história e do progresso, que mais tarde ampliaria no seu La République. A obra foi dedicada ao magistrado e respeitável erudito Jean Texier. É de 1567 o Methodus historica duodecim eiusdem argumenti scriptorum tam veterum quam recentiorum commentaris adaucta, e de 1568 o seu Réponse aux paradoxes de M. de Malestroit, touchant le fait des monnaies et l’eneherissement de toutes choses, este último um ensaio de tema econômico no qual desenvolveu sua tese sobre a necessidade do livre comércio.

Bodin interessou-se então pelo projeto de codificação e unificação das leis do Norte da França, de interesse do rei Louis XII, que estava sendo conduzido pelo chanceler Michel de L’Hôpital, do qual Bodin se aproximou.

Devido aos matizes religiosos da Lei, pelo fato dos países terem uma religião oficial, o tratamento sistemático das normas legais demandava também a união das crenças, ou pelo menos o respeito mútuo pelas distintas religiões então em conflito. Por isso a união das Igrejas foi um tópico tão importante para os filósofos da Época Moderna, tendo alguns, como Leibniz, se empenhado a fundo por essa união. Na França, a fórmula a ser alcançada precisaria unir católicos e protestantes huguenots. O projeto de união das leis no qual estava engajado Bodin, era por isso, parte importante do projeto político do chanceler, de construir uma “terceira via” entre os extremistas da Santa Liga Católica e da União Calvinista.

Bodin pensou que a História anterior a essa divisão poderia fornecer um critério isento para a pretendida unificação das Leis. O que então buscou estabelecer, seguindo o conselho de Platão, foi quais normas a experiência havia mostrado, ao longo da História dos povos, que constituíam a melhor e mais duradoura forma de Lei. Deixa de preocupar-se com o conflito entre o poder e a Igreja, para pensar no interesse da sociedade, la république.

Em 1571 Bodin entrou para o serviço do irmão do rei, o duque de Alençon, mais tarde Duque de Anjou. Com o duque viajou à Inglaterra, onde esteve na corte de Elizabete e visitou a universidade de Cambridge; em 1583 o acompanharia também em sua viagem aos Países Baixos.

O duque de Alençon era o líder oficial da facção política que reunia os chamados politiques, os quais sustentavam que o Estado está comprometido primeiramente com a manutenção da ordem e não com o estabelecimento de uma religião verdadeira, opondo-se tanto aos católicos que recusavam admitir que o trono pudesse ser ocupado por um protestante, como ao revanchismo hungenote. Uma proclamação pública e oficial destes princípios tinha sido feita pelo chanceler Michel de l’Hôpital, em seu discurso perante os Estados (Câmara de representantes) reunidos em Orleans em 1560, à época em que Bodin chegara em Paris.

Em seu estudo comparativo para unificação das Leis, Bodin reuniu toda informação que lhe foi possível coletar, desde os países orientais até o Novo Mundo, do extremo norte da Europa a países africanos como a Etiópia. Valeu-se habilmente de sua posição junto à Casa de Alençon para colher dados que colecionava e comparava. Inspecionou a correspondência diplomática, conversou com embaixadores estrangeiros, com os franceses que retornavam do exterior, e com os historiadores, em todas as oportunidades. Utilizou fontes históricas com respeito às leis Gregas e Romanas, e o que encontrou nos arquivos da França a respeito das leis medievais do país, da Inglaterra e dos Estados Pontifícios. Seu estudo comparativo das várias constituições européias permitiram-lhe identificar pontos comuns, e permutações e combinações de seus elementos jurídicos.

O fruto de tantos estudos e pesquisas foram Les six livres de la République (“Os seis livros da República”), sua obra mais importante, na qual defende o princípio da autoridade, descreve a comunidade ideal, e define conceitos como “Estado” e “poder”, este advindo pela lei natural que reflete no pátrio poder e na soberania do monarca o poder divino. O livro, publicado em francês em 1577 e em Latim em 1586, teve grande repercussão, embora não fosse de leitura muito amena, e teve várias edições nos cinquenta anos seguintes.

Les politiques. Porém, quase imediatamente depois da publicação do livro a carreira de Bodin sofreu retrocesso, em consequência de sua conduta como deputado do Terceiro Estado (tiers état), eleito por Vermandois, para os Estados Gerais reunidos em Blois, em dezembro 1576. Nessa assembléia Bodin opôs-se ao reinício da guerra contra os Huguenots, e advertiu que uma solução do problema religioso somente poderia ser conseguida pela negociação. Membro da facção dos politiques, alinhado com o Duque e com o Chanceler, Bodin pediu por negociações com os protestantes, em lugar do reinício da guerra religiosa, e se opôs à venda de terras da monarquia para levantamento de fundos para o custeio dessa guerra.

O seu pronunciamento desagradou ao Rei e aos nobres e clérigos conservadores. Estes haviam fundado a Santa Liga Católica para se organizarem contra os protestantes. Foi a primeira e única participação de Bodin na vida pública, e o que aconteceu nas reuniões e a sua própria posição ele divulgou posteriormente, no folheto Recueil de tout ce qu’il s’est négocié en la compagnie du Tiers Etat de Franceen la VIIIe de Blois, do ano de 1577.

A guerra começou e os politiques, entre eles Bodin, caíram no desfavor real. Bodin foi acusado de ateísmo, devido a sua posição em favor do que dizia ser um espiritualismo racional, uma busca para os princípios da religião universal, objeto de seu Colloquium Heptaplomeres de abditis rerum sublimium arcanis (algo como “Colóquio dos sete a respeito de Segredos sobre o Sublime”), obra publicada somente após sua morte.

Bodin decidiu fugir de perseguições, retirando-se, em 1583, para uma promotoria de justiça em Lâon, antiga vila de residência dos reis carolíngeos, hoje capital do Departamento de Aisne cerca de 50 km a noroeste da cidade de Reims. Mais que isso, quando, em 1588, devido ao assassinato de seu líder o Duque de Guise, as tropas católicas capturaram Lâon, após sitiá-la por três meses, e a Santa Liga implantou um reino de terror na cidade, assim como em muitos outros lugares da França, Bodin aderiu à Santa Liga. Este foi, porém, um ato infeliz, devido aos acontecimentos que se seguiram, porque, em 1594, com a subida ao trono do protestante Henrique IV, o partido dos politiques foi restaurado e Bodin, que havia se passado aos adversários, não foi mais aceito entre eles.

Últimos anos. São de 1580 o Commentarius de ius omnibus quae in Tertii Ordinis conventu acta sunt, e o De la démonomanie des sorciers, este último um estudo sobre a influência de espíritos bons e maus no mundo, uma espécie de vademecum para os juízes, com o fito de orientá-los no julgamento das bruxas.

O De la démonomanie foi escrito fundado no conhecimento de Bodin do julgamento que condenou Jeanne Harvilliers, uma mulher da Bohêmia queimada publicamente na praça do mercado em Ribemont, na França, em 1558, acusada de lançar as sortes e de fazer feitiçaria.

Apesar de seus infortúnios políticos, Bodin era já um homem famoso na altura de sua morte. Dez edições do Les six livres de la République apareceram na versão francesa durante sua vida. Outros tradutores transcreveram o livro para o italiano, o espanhol, o alemão e o inglês. Em 1586 publicou uma versão latina ligeiramente expandida, que teve três edições antes de sua morte. No Novum theatrum naturae universelle, de 1594, ocupou-se em descrever o sistema universal da natureza. Jean Bodin faleceu vitima da peste em Lâon, em 1596.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 25-03-1999.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Jean Bodin. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1999.