Hoje: 13-10-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Chegando ao Rio, Boudenlos apresentou-se ao Consulado para falar de suas viagens ao nordeste, e solicitou permissão para fazer ligações relativas a um novo caso que havia despertado suspeitas ao nosso grupo americano em Recife.
– Temos que vigiar de perto esses ideólogos socialistas, que não sabem que estão brincando com fogo, ao se fazerem comunistas, falou o Consul.
Depois de limpar sua mesa e distribuir seus objetos sobre ela, inclusive um belo lustre com desenhos chineses, sua máquina fotográfica e sua pasta de documentos reservados, relativos ao seu trabalho. Boudenlos, esticou a mão para o telefone, verificou se tinha linha e ligou para o chefe da polícia do DOPS em Belo Horizonte. Perguntou-lhe se tinha algum registro de atividades antinacionais envolvendo o professor João da Silva.
A resposta foi que havia umas anotações feitas por um policial seu, sobre aquela pessoa. Tratava-se de uma abordagem em uma blitz na estrada Rio x Brasília em que João da Silva portando uma pasta, seguia com outros comunistas para um grande encontro na universidade de Brasília. Sua identidade foi anotada, mas posteriormente seu nome não apareceu em nenhum evento socialista, nem na quebradeira que ocorreu na universidade quando a polícia invadiu para acabar com a reunião proibida.
Boudenlos perguntou – Em algum momento ele se apresentou com uma companheira?
– No mesmo ônibus havia uma garota americana fichada por atividades na Bolívia e na Colômbia, mas não sei dizer se era ligada ao professor, respondeu o delegado.
– Qual o nome dela?
– Ela assume vários nomes. Não acredito que isso ajude muito. Não são verdadeiros.
Boudenlos não achou essas respostas satisfatórias, fechou o dossiê e ficou a refletir sobre o caso.
No dia seguinte pela manhã, ligou para o Ministério das Minas de Energia para falar com o diretor. Perguntou se por um acaso o professor João da Silva era um geólogo conhecido. O diretor respondeu que ele havia sido indicado pelo serviço americano, para assistente de um dos professores no Recife e que antes ele havia trabalhado com o próprio Serviço Geológico Americano em Minas Gerais.
Boudenlos considerou essa informação muito boa, que poderia resolver a questão.
Estava lá no Consulado o americano de passagem, o professor do qual João da Silva, o “Jack”, seria assistente. Esse professor americano ocupava uma sala próxima a sua e pôde falar com ele imediatamente. Era já de idade, muito popular entre seus alunos, já conhecido de Boudenlos.
Ele ficou surpreso que caísse sobre seu assistente a suspeita de ser comunista, mas de qualquer maneira ele estava de volta a Recife no dia seguinte, onde o professor João da Silva o substituía nas suas ausências e indagaria dele o que havia de verdade sobre esta informação. Mas de antemão a acusação lhe parecia falsa, porque o seu assistente nada tinha em suas atitudes que levantassem a suspeita de ser um comunista infiltrado na universidade. Estava muito satisfeito com o trabalho do seu assistente e nunca notara de sua parte, desrespeito pelo regime político brasileiro, demonstrando admiração e simpatia pelo comunismo.
Disse mais, que se a polícia desconfiava do fato dele ter ido a reuniões comunistas, a razão é que foi convidado por uma namorada para assistir a um debate numa casa que servia a estes grupos. Isto se repetiu na recepção a um comunista brasileiro que retornara da Rússia e a cuja festinha de boas-vindas, a namorada o convidou.
Terminando esse relato, entraram nos assuntos das diversões de que o Recife é fértil. O professor americano queria que ele estivesse lá para sua festa de aniversário e acenou-lhe com muita diversão na boate Mandacaru. Disse que já contava com vários americanos que esperavam ansiosos pelo evento.
Boudenlos fechou a pasta, encerrou o caso, e teve a lembrança de telefonar para o delegado do DOPS em Minas e explicar-lhe o mal-entendido.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 06-10-2021.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Boudenlos. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2021.