Jean-Jacques Rousseau

Hoje: 19-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um dos mais considerados pensadores europeus no século XVIII. Sua obra inspirou reformas políticas e educacionais, e tornou-se, mais tarde, a base do chamado Romantismo. Formou, com Montesquieu e os liberais ingleses, o grupo de brilhantes pensadores pais da ciência política moderna. Em filosofia da educação, enalteceu a “educação natural” conforme um acordo livre entre o mestre e o aluno, levando assim o pensamento de Montaigne a uma reformulação que se tornou a diretriz das correntes pedagógicas nos séculos seguintes. Foi um dos filósofos da doutrina que ele mesmo chamou “materialismo dos sensatos”, ou “teísmo”, ou “religião civil”. Lançou sua filosofia não somente através de escritos filosóficos formais, mas também em romances, cartas e na sua autobiografia. Vejamos, em resumo, o que nos contam as suas Confissões e algumas outras fontes, sobre sua vida e sua obra.

 VIDA:

 Infância. Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suiça, em 28 de junho de 1712, e faleceu em Ermenonville, a nordeste de Paris, França, em 2 de julho de 1778. Foi filho de Isaac Rousseau, relojoeiro de profissão. A herança deixada pelo avô paterno de Rousseau foi de pouca valia para seu pai, porque teve que ser dividida entre 15 irmãos. O pai sempre dependeu do que ganhava com o próprio trabalho para o sustento da família. Sua mãe foi Suzanne Bernard, filha de um pastor de Genebra, faleceu poucos dias depois de seu nascimento. Rousseau tinha um irmão, François, mais velho que ele sete anos, o qual, ainda jovem, abandonou a família.

 Considera-se que o fato de sua mãe ter morrido poucos dias depois de seu nascimento, em consequência do parto, tenha marcado Rousseau desde criança. É pelo menos curioso que chamasse “mamãe” sua primeira amante e “tia” à segunda. Foi criado, na infância, por uma irmã de seu pai e por uma ama.

 Num certo sentido perdeu também o pai porque este, no ano de 1722, desentendendo-se com um cidadão de certa influência, feriu-o no rosto em um encontro de rua. Este incidente o obrigou a deixar Genebra para não ser injustamente preso. Rousseau e o irmão ficaram sob a tutela do tio Gabriel Bernard, engenheiro militar, que era irmão de sua mãe e casado com uma irmã de seu pai.

 Rousseau não teve educação regular senão por curtos períodos e não frequentou nenhuma universidade. Ainda na casa paterna, leu muito: lia para o pai, enquanto este trabalhava em casa nos misteres de relojoeiro, os livros deixados por sua mãe e pelo pastor seu avô materno.

 Seu tio logo o enviou, junto com seu próprio filho, para serem educados no campo, na residência de um pastor protestante em Bossey, lugarejo próximo a Genebra onde ambos estudam latim e outras disciplinas.

 Aos 12 anos volta com o primo a Genebra para começar a trabalhar. O primo irá se preparar para engenheiro, como o pai, e Rousseau passa algum tempo na ociosidade, até que o encaminham para um emprego no cartório, onde inicia aprendizado de questões legais com vistas a profissão de advogado. Rousseau não gostou do emprego, e decepcionou o tabelião, que terminou por despedi-lo.

 A partir de abril de 1725 trabalha em uma oficina de gravação onde a rudeza do patrão termina por desinteressá-lo do serviço. Acostumou-se aos maus tratos e a vingar-se deles por vários expedientes. É apanhado praticando pequenos furtos e cunhando medalhas com que presenteava os amigos. O que ganha então emprega em alugar livros a uma senhora que mantinha esse negócio.

 Juventude. Aos dezesseis anos, habituado a perambular com amigos pelos arredores de Genebra, por uma terceira vez perdeu o toque de recolher e passou a noite do lado de fora das portas trancadas da cidade. Não quis submeter-se aos castigos que o esperavam e fugiu. Em Contignon, na Saboia (França) a duas léguas de Genebra, solicitou ajuda ao pároco católico que o encaminha a uma jovem senhora comprometida a ajudar peregrinos com a pensão que recebia do rei.

 Tratava-se de Louise-Éléonore de la Tour du Pil, pelo casamento Madame de Warens. Protestante pietista, separada do marido por motivo de sedução, sem filhos, Louise, havia solicitado ajuda ao rei católico Victor-Amadeus II, duque de Saboia, Rei da Sardenha e Piemonte. Dele recebeu uma pensão com a condição de converter-se ao catolicismo e praticar beneficência. O rei enviou-a escoltada por um destacamento de guardas a Annecy (hoje capital da Alta-Saboia), no lago de Annecy, ao pé dos Alpes e ao sul de Genebra, onde, sob a direção do arcebispo Michel-Gabriel de Bernex ela fez a abjuração no convento da Visitação (fundado por São Francisco de Sales e Santa Joana-Francisca de Chantal) tornando-se católica.

 A vida de Rousseau com Louise, cerca de dez anos mais velha, na plenitude dos vinte, bela de corpo, alegre, dona de belos cabelos louros, para ele mãe e amante (Rousseau se refere a ela sempre como a Sra. Warens ou “mamãe”), divide-se em vários períodos. O primeiro é curto. Porque lhe pareceu que em Turim o jovem haveria de dar-se bem, ela o encaminha para lá com dinheiro para a viagem fornecido pelo Arcebispo e cartas de recomendação, uma delas para um asilo de catecúmenos (Asilo do Espírito Santo) onde Rousseau deveria estudar o catecismo e abjurar o protestantismo.

 Rousseau viaja a pé. Seu pai, que havia se estabelecido em Nyon, avisado da sua fuga foi a Annecy esperando encontrá-lo, talvez com o intuito de mantê-lo consigo, mas lá chegando e sabendo que o filho seguira para uma instituição em Turim, deu-se por satisfeito.

 Após a devida instrução, Rousseau abjurou na Igreja de São João, seguindo-se uma entrevista com o Inquisidor do Santo Ofício. Com um donativo de 20 francos, coletado na cerimônia da abjuração, Rousseau inicia a vida naquela cidade. Encontra trabalho melhor que de simples lacaio em uma casa nobre, porém vem a rever um amigo dos tempos de aprendiz em Genebra, e abandona o emprego para viajar em sua companhia e retornar a Annecy.

 Volta à casa de Louise na primavera de 1729, ajuda nos trabalhos da sua farmácia natural, lê muito e estuda música. É enviado por ela a um seminário católico para continuar seus estudos, mas passa os fins de semana em sua casa. Depois de um ano como seu auxiliar – e ocultamente apaixonado por ela – acompanha, a pedido seu, o maestro da Catedral, velho e epiléptico, que viajava para Paris. Louise pediu-lhe que o acompanhasse pelo menos até Lyon. Neste trecho de suas Confissões Rousseau lamenta ter abandonado o maestro numa rua da cidade, enquanto aquele sofria um ataque de sua doença e era socorrido por populares. Deu ali por cumprida sua missão e volta a Annecy. Porém não encontra Louise em casa. Ela havia viajado a Paris, para tratar de uma pensão que substituísse a que lhe concedera Victor Amadeus II, que naquele ano de 1730 abdicou do trono.

 Sem vínculo com ninguém, Rousseau perambula até Paris, ganhando a vida como professor de música. Nada resulta dessa viagem. Retornou a pé e vai, em 1732, para Chambéri, um pouco mais ao sul de Annecy, para onde Louise havia se mudado. É seu terceiro período com Louise. Ela lhe fala dos amantes que teve, revela que tem como amante o botanista seu empregado, e ao mesmo tempo o inicia na vida sexual. Vivem juntos como amantes até 1740, ela o emprega no escritório fiscal de Chambéri e depois na pequena fazenda próxima chamada Les Charmettes. Nesse período Rousseau lê muito e começa a escrever. Porém acha a situação financeira e emocionalmente desconfortável. Adoece e passa por uma crise da qual sua descrição sugere o mal hoje conhecido como “síndrome do pânico”, cujo desfecho característico ele confessa: “Posso dizer perfeitamente que só comecei a viver quando me considerei um homem morto”.

 Acreditando sofrer de um “pólipo no coração”, decidiu ir a Montpelier onde soube que poderia ser curado de sua taquicardia. Não precisou chegar lá. Um romance havido com uma companheira de itinerário, à altura de Valence, deixou-o curado. Retornando para casa, Rousseau encontra um rival com quem teria que dividir os amores de Louise. Decepcionado, pensa sair de Chambéri. Em maio de 1740 ele foi para Lyon para tutorar, pelo período de um ano, as crianças de Jean-Bonnet de Mably, irmão mais velho de Étiene Bannot de Condillac e do Abade de Mably, este último um conhecido escritor político. Retorna ainda uma vez a Louise e então decide-se a abandona-la definitivamente. Em 1741 Rousseau seguiu novamente para Paris com um novo esquema de anotação musical que inventou e os rascunhos de uma comédia (Narcisse), desta vez para lá ficar.

 Deteve-se uns dias em Lyon para ver os amigos que ali tinha, para arranjar algumas recomendações para Paris e para vender os livros de geometria que havia trazido consigo. Monsieur e Madame de Mably mostraram-se alegres em revê-lo e várias vezes o convidaram-no para jantar. Em casa deles travou relações com o abade Mably, como já fizera com o abade de Condillac, pois ambos tinham vindo visitar o irmão. O abade de Mably deu-lhe cartas de apresentação para Paris.

 Chegou em Paris no outono europeu de 1741. Valendo-se das cartas de apresentação, encontra alunos de música, e consegue rendimentos para sobreviver.

 De relacionamento em relacionamento, consegue chegar à Academia, onde expõe seu sistema de notações musicais. Os membros da Academia ouviram com grande atenção e cortesia sua Dissertation sur la musique moderne, mas não aprovaram o sistema. Apresentou o sistema também a Jean-Philippe Rameau (1683-1764), autor de óperas (entre elas “Pigmalião“, 1748), então o maior músico-dramático da França. Rameau considera o seu sistema de anotação musical de leitura mais difícil que o comum, porém Rousseau estava convencido da sua vantagem principalmente em facilitar o aprendizado da música.

 Ele também conheceu e tornou-se amigo de Denis Diderot, então ainda um jovem filósofo, e que haveria de ter sobre sua vida profunda influencia. Seu sistema de notação musical atraiu a atenção de Diderot. Obstinado com seu método, Rousseau melhorou e Diderot publicou o trabalho apresentado na Academia.

 Valendo-se de recomendações porém sempre contrafeito por não conhecer ainda a etiqueta dos altos círculos de Paris, aproxima-se da nobreza, conquistando amizades através da música, declamação de poesias, etc. Em 1743, por indicação de um sacerdote amigo, procura duas senhoras da nobreza; a segunda delas, a que melhor o acolhe, a esposa de Claude Dupin, conselheiro do rei. Rousseau passa a frequentar sua casa assiduamente, se apaixona e busca seduzi-la, sem êxito. Começa então a escrever uma ópera Les Muses Galantes. Por essa ocasião, outra senhora do seu crescente círculo de amizades o indicou ao recém nomeado embaixador em Veneza, para o cargo de secretário da embaixada francesa naquela república.

 Lutou por manter o cargo por dezoito meses, entre 1744 a 1745. Empenhou-se em exercer bem suas funções, com esperanças de fazer carreira diplomática. Mas o embaixador não reconheceu seus esforços, além de o camareiro sabotá-lo, criando-lhe dificuldades. Afinal, após uma violenta discussão com o Embaixador, Rousseau deixou Veneza e voltou a Paris, onde pretendeu obter um julgamento justo do caso, e o pagamento de seus salários, o que conseguiu com dificuldade por não ser ele mesmo francês.

 Após esse episódio, voltou-se para sua música; concluiu sua ópera e conseguiu que fosse cantada para Rameau que a condenou em parte, enquanto outros entendidos a aplaudiram.

Os enciclopedistas. Em 1746, com a morte do pai, Rousseau recebe uma pequena herança e pode sobreviver mais folgadamente. Cultiva sua amizade com Diderot e liga-se a vários outros intelectuais. Um desses foi o conhecido filósofo e psicólogo, o abade Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780), natural de Grenoble, adepto de John Locke (1632-1704). Foi ordenado padre católico em 1740. Rousseau o conhecera em Lyon, em casa de seu irmão mais velho Jean-Bonet de Mably, uma ocasião em que Condillac fora visitar esse irmão. Nada era então do celebre metafísico em que se tornaria alguns anos depois. Condillac o visitava e quando o abade quiz publicar seu primeiro livro, Rousseau o apresentou a Diderot e este conseguiu-lhe um editor.

Na ocasião conhece também Jean Le Rond d’Alembert, apresentado por Diderot, quando estes dois preparavam o “Dicionário enciclopédico”. Diderot propôs a Rousseau escrever os verbetes de música, o que Rousseau teve apenas três meses de prazo para fazer., trabalho pelo qual nada recebeu. Seu círculo incluía, além de Condillac, Diderot e d’Alembert, e também Friedrich Melchior (1723-1807), um importante crítico literário franco-germânico que ele conheceu por volta de 1748 e foi feito barão de Grimm, do Sacro Império Romano, em 1775. Incluía ainda o barão de Holbach, então o mais importante do grupo.

Paul Henri Dietrich (1723-1789), barão de Holbach, um ateu alemão muito rico que se estabeleceu em Paris para fazer guerra contra a crença em Deus. Ele gastou recursos para publicar dezenas de livros, além daqueles que escreveu, com o único critério de que fossem úteis à causa ateísta. Holbach tinha à sua mesa sempre Rousseau e outros enciclopedistas. Circulavam rumores sobre os jantares e festas que promovia, e de que o povo comum sentia receios de passar em sua rua. Contribuiu para a “Enciclopédia” com 376 verbetes (traduções de textos alemães) sobre química e ciências correlatas. Publicou seu principal livro “Sistema da Natureza” com o pseudônimo de Mirabeau; nele ataca a religião e coloca seus pontos de vista materialistas (ateísta, determinista). A seus olhos a religião era a principal fonte de degradação. No entanto, ofereceu hospedagem a muitos jesuítas ilustres quando sua ordem foi extinta. Freqüentando sua casa por necessidade de encontrar os companheiros, Rousseau diz nas Confissões que nunca simpatizou com o Barão.

No início de 1745 Rousseau assumiu vida conjugal com Thérèse le Vasseur, a criada de quarto do hotel onde ele estava morando. Teve com ela, sucessivamente 5 filhos os quais foram todos enviados para um orfanato. Somente em 1768 ele casou-se com ela numa cerimônia civil.

Outra vez admitido no serviço da família Dupin, é empregado como secretário em 1745. Ele fez pesquisas para a Sra. Dupin, que estava preparando um livro sobre a mulher, e ajudou o próprio Dupin em um projeto para refutar De l’esprit des lois (1748) de Montesquieu. Na ocasião é também solicitado, por um amigo comum, a refazer uma opera rascunhada por Voltaire e Rameau, Fêtes de Ramire o que foi apenas perda de tempo e trabalho, pois sequer seu nome apareceu no libreto.

Diderot foi preso devido a sua obra Lettre sur les aveugles, que ofendera um nobre influente. Um dia em 1749, enquanto caminhava para visitar Diderot na prisão, em Vincennes, Rousseau leu o anúncio de um concurso da Academia de Dijon e sentiu grande emoção ante a perspectiva de concorrer com êxito. A questão era se a restauração das ciências e das artes tinha tendido a purificar a moral. Estimulado pelo amigo, enviou um trabalho. Seu ensaio, conhecido sob o título abreviado de Discours sur les sciences et les arts ganhou o primeiro prêmio; sua publicação ao final do ano seguinte o tornou famoso.

No “Discurso sobre as ciências e as artes” (1750), Rousseau articulou o tema fundamental que corre através da sua filosofia social: o conflito entre as sociedades modernas e a natureza humana e ressalta o paradoxo da superioridade do estado selvagem, proclamando a “volta à natureza”. Ao mesmo tempo denuncia as artes e as ciências como corruptoras do homem.

Nessa ocasião caiu doente e desenganado pelos médicos pensa reformular sua vida e adaptá-la à doença afastando-se da agitação da vida social. Deixou a posição de caixa do Banco de Dupin, e desde então ganhou sua vida copiando música; ele chamou essa mudança de sua “grande reforma”. Porém, famoso, visitado, bajulado, tem dificuldade em levar a vida recolhida que planejara.

Refugiava-se próximo a Paris, em casa de um amigo compatriota e meio parente, o joalheiro M. Mussard, que depois de aposentado dos negócios vivia a cultivar seu jardim. Nessa atividade o amigo havia encontrado nos canteiros várias conchas fosseis, e passou a estudá-las com vistas a criar um sistema. Em um período na de Mussard, em 1752, Rousseau compôs a peça Le Devin du Village que foi primeiro representada para família real, em Fontainebleau. A apresentação foi um grande sucesso; Rousseau deveria ser apresentado a Luís XV no dia seguinte para receber uma pensão. Mas ele se recusou a ir. Premido pelo mal de que sofria e que o obrigava a urinar freqüentemente, temeu passar por essa dificuldade diante do rei, e pensando também em quanto ficaria em débito e comprometido com o benefício da pensão, decidiu não comparecer à apresentação e retornou a Paris. Sua partida causou escândalo. Diderot censurou-o veementemente.

Le Devin du village acabou de pô-lo em moda e em breve não havia homem mais requisitado em Paris. A reação favorável a este trabalho contribuiu para a crescente popularidade da música italiano, que Rousseau descrevia como mais natural e mais apaixonada que a música Francesa, o que lhe valeu a oposição de Rameau e dos partidários da música francesa. Defendendo-se contra a acusação de que sua música e seus escritos estavam em contradição com a mensagem do seu “Discurso”, Rousseau escreveu no prefácio do Narcisse (1752) que porque ele não era capaz de suprimir o veneno das artes e da literatura, ele estava servindo um antídoto ao veneno, direcionando armas da corrupção de volta contra a própria corrupção. Como resultado de sua crítica à música francesa, Rousseau foi colocado sob vigilância policial a partir de 1753.

Após o sucesso de sua opereta Le Devin du village, Rousseau ressentiu-se do afastamento dos seus amigos, todos literatos mas não músicos, e que portanto não podiam disputar com ele no campo teatral. Sentiu isso mais fortemente da parte do Barão de Holbach, que chegou a desacatá-lo, o que fez Rousseau afastar-se dele por largo período, e ir aos poucos rompendo com todos que ele designava “partido holbáquico”.

Da mesma época, porem com menos sucesso, é a peça Narcisse. Rousseau resolveu transforma-la em literatura impressa, e as mesmas idéias aproveitou a seguir, em novo trabalho para a Academia de Dijon. O tema proposto pela Academia era sobre a origem da desigualdade entre os homens. Para escrevê-lo, passeando nos bosques em Saint Germain, procura recriar na mente a imagem do homem natural. Desenvolveu o tema de que da própria civilização vinham os males que afligiam o homem civilizado. Considera os homens iguais no estado natural, quando viviam isoladamente como selvagens, e que a civilização se encarrega de introduzir a desigualdade. O Discourse sur l’inégalité parmi les hommes (“Discurso sobre a desigualdade entre os Homens”, 1753 ), embora sem o prêmio, é seu segundo escrito sensacional. Sua fama então estava assegurada.

Em 1754 um amigo que estava para viajar a Genebra convida-o a acompanhá-lo e Rousseau aproveita a oportunidade para visitar a terra natal, levando consigo Thérèse. Detém-se em Chambéri, onde encontra Louise e lhe presta algum auxílio. Em Genebra é recebido como uma celebridade e pensando em ali voltar a residir permanentemente, submete-se a uma cerimônia de conversão ao protestantismo, a fim de reintegrar-se nos direitos de cidadão da republica. Depois de quatro meses em Genebra, retorna a Paris para ultimar negócios com a intenção de se repatriar definitivamente na primavera seguinte. Mas, sendo impresso na Holanda o seu Discours sur l’inégalité e sendo a obra mal recebida em Genebra, esfriou-se o seu entusiasmo de voltar.

Outros motivos contribuíram, porém, mais que este, para deixar-se ficar na França.

Um foi a insistência de Mme. Louise-Florence-Petronille Tardieu d’Esclavelles d’Épinay, uma amiga dos enciclopedistas, para que permanecesse em Paris. O convite tornou-se irresistível porque Madame d’Épinay colocou à sua disposição uma casinha nas proximidades do seu castelo próximo a Montmorency, um local que Rousseau havia admirado e que ela, secretamente, mandara reformar para ele. O local, conhecido por l’Ermitage, ficava a apenas quatro léguas da capital. O terceiro motivo foi o fato de Voltaire ter se estabelecido perto de Genebra. Rousseau compreendeu que aquele homem iria fazer uma revolução ali; que ele iria encontrar na sua pátria o tom, os ares, os costumes que o afastavam de Paris. Desde então considerou Genebra perdida para si.

Ele mudou para Montmorency em 1756 para devotar-se a trabalhos mais profundos, especialmente um tratado que planejou chamar Institutions politiques e um outro a ser intitulado Materialisme du sage, no qual esperava inserir um objetivo espiritual nos métodos materialistas de educação. Ainda naquele ano de 1756 Rousseau escreve uma carta a Voltaire dando-lhe conselhos contra sua visão negativa do mundo, a qual endereçou ao médico do célebre escritor. Rousseau diz, nas “Confissões”, que o livro Candide, de Voltaire, foi uma resposta sarcástica a seus pontos de vista otimistas, expressos naquela carta. Efetivamente, o anabatista Jacques dos primeiros capítulos talvez corresponda a Rousseau, porém o livro é muito mais uma sátira à filosofia de Leibniz e a seus pontos de vista otimistas, citados ao fim do capítulo XXVIII.

Na floresta de Montmorency Rousseau sonhava com o amor e concebeu um delineamento para uma novela baseado na correspondência entre dois jovens amantes. Em 1757, começa a escrever o Julie, um ardente romance em que reúne no personagem principal seus principais amores. Então, acidentalmente ele conheceu a Condessa d’Houdetot, cunhada de Madame d’Épinay, sua hospedeira. Apaixona-se pela Condessa em quem vê a personagem do seu romance Julie. O relacionamento não foi além de sua declaração de amor, mas sua paixão deu uma reviravolta inesperada nos planos da sua novela que veio a ser Julie: Ou La Nouvelle Héloïse e teve um contexto moral, filosófico, religioso e até econômico mais amplo do que ele havia concebido inicialmente. Essa paixão valeu-lhe nova onda de chacota dos amigos e fez crescer um desentendimento com Madame d’Épinay, irmã do marido de sua amada, que terminou por levar Rousseau a rapidamente romper com ela e seu amante, o Barão de Grimm, seu antigo amigo, e um importante crítico literário franco-germânico.

Rompeu com Madame d’Épinay por esta interferir em seu caso com Madame d’Houdetot. Pelo mesmo motivo irritou-se com Diderot que havia traído suas confidências sobre o caso. Em Dezembro de 1757 ele deixou l’Ermitage, onde viveu por vinte meses. Alojou-se em Montlouis, uma outra casa perto de Montmorency, que pertencia ao Duque de Luxemburgo, um de seus mais poderosos e devotados amigos. Desvencilhou-se da sogra que participara das intrigas com Madame d’Épinay, para viver em Montmorency apenas com Thérèse e seu cachorro Duque. Em Montlouis ele completou La Nouvelle Héloïse que foi publicada em 1761.

Em 1758, outro incidente conduziu ao rompimento definitivo com Diderot e os enciclopedistas. D’Alembert, por instigação de Voltaire, no artigo Geneve da “Enciclopédia” fazia certas afirmações sobre o clero protestante daquela república, de que eram “socinianos” (referindo-se aos anti- trinitários seguidores de dois italianos do século XVI, Laelius e seu sobrinho Faustus Socinus). Além disso, propunha que um teatro fosse instalado em Genebra para servir como um centro de propaganda para as idéias filosóficas. Rousseau secretamente preparou uma réplica a este artigo, Lettre a d’Alembert sur les spectacles, que foi publicada em 1758. Nela Rousseau, fiel ao seu primeiro “Discurso”, mostrou que o teatro clássico francês, de Molière a Voltaire, tinha sido o prisioneiro da concepção aristocrática de vida social e cultural. Ele não havia expurgado paixões maléficas e não tinha purificado a moral. Ao contrário, levou à ociosidade e corrupção e o povo de Genebra deveria desconfiar dele se quisesse defender sua liberdade. Já no Prefácio à “Carta”, Rousseau avisava que a vida social e mundana era a fonte da maldade. Diderot considerou a carta uma deserção, uma traição na ocasião em que Rousseau devia estar defendendo a “Enciclopédia”.

Por essa época recrudesceram em Rousseau os males de saúde, cujo diagnóstico primeiro foi de uma pedra na bexiga, corrigido, depois de incômodas sondagens da uretra, para crescimento desproporcional da próstata, com o vaticínio, feito pelo médico, de que “sofreria muito e viveria muito”. O diagnóstico de certo modo alivia os temores de Rousseau que então fez um estoque de velas-sonda para cuidar de si mesmo. Mas, em 1759 já havia publicado Lettre a d’Alembert e La Nouvelle Héloïse. Estava trabalhando no Émile, no Instituitions Politiques, no “Contrato social” e no Dictionnaire de Musique. O Materialisme du sage tornou-se um longo devaneio sobre a educação e ganhou o título de Émile: Ou de l’education. A muitos pareceu que nessa obra Rousseau estava tentando redimir-se de ter abandonado seus filhos, ajudando outros pais a criar suas crianças adequadamente. Ele aconselhava-os a se desvencilharem de seus preconceitos sociais e “seguir a natureza”.

Em 1761 dá os últimos retoques no “Contrato social” e sai publicado com grande sucesso o Julie. Aparece também o La Paix Perpètuelle, assunto ao qual Voltaire era certamente avesso e que o motiva a mais uma vez criticar ferinamente a Rousseau, em uma carta cheia de zombarias, que Rousseau ignorou. O livro, concernente a uma federação que traria a paz entre os países europeus era na verdade um resumo e uma crítica ao plano idealizado pelo Abade de Saint-Pierre (1658- 1743). Em 1754 Madame Dupin, uma admiradora do falecido Abade, havia sugerido a Rousseau que ele revivesse as boas idéias que havia nos escritos de Saint-Pierre.

Em 1762 ele publicou seus mais conhecidos e influentes trabalhos, Émile, um tratado sobre educação, e o “Contrato social”, um importante trabalho de filosofia política. O “Contrato social” acabou saindo ainda um pouco antes do Émile, cuja edição atrasou-se. Émile e Du contrat social seriam condenados pelo Parlamento de Paris em Junho do mesmo ano como contrários ao governo e à religião.

Perseguição política. Quando foi avisado de que o parlamento em Paris pretendia mandar prendê- lo, Rousseau não se impressionou muito. Madame de Luxemburgo lhe envia um ultimo aviso por um mensageiro, na madrugada do dia em que seria preso. Pensou fugir para Genebra, mas lembrou-se de quanto sua obra Discours sur l’inégalité havia sido mal recebida lá. Enquanto os amigos cuidavam de meios de fuga, ocultou-se no sótão do castelo, para onde trouxeram seus papeis a fim de que separasse o que devia ser queimado, e o que ficaria sob custódia do duque. Na fuga, cruzou com os meirinhos que vinham prendê-lo e, parece, fingiram não conhecê-lo.

1761. De suas reflexões durante a fuga para a Suiça nasceram as idéias para o Le Lévite d’Éphraïm.

Não se enganara sobre Genebra. Seu livro foi queimado naquela cidade e no dia 13 de junho expedida ordem de prisão caso ele lá aparecesse, nove dias depois de ter sido expedida em Paris. Quando entrou no território de Berna, desceu do carro e beijou o chão inundado de felicidade. Refugiou-se em Yverdum, em casa de M. Roguin..

Estimulado pelo acolhimento que tinha em Yverdum, decidiu ali permanecer. Arranjaram-lhe uma casa para onde pretendia chamar Thérèse, mas advertido de que o Senado, em Berna, estava a ponto de também mandar prende-lo, decidiu fugir e aceitar um convite de Madame Boy de la Tour para refugiar-se em Motiers, condado de Neuchâtel, sob proteção do rei Frederico da Prússia. La conhece o marechal George Keith, um refugiado escocês. Neste refúgio entrega-se à revisão do Dictionnaire de musique e recebendo seu arquivo, as Memórias.

Ressentido com seus compatriotas, escreveu ao conselho de Genebra, em 1763, renunciando à cidadania. A posição do Conselho aparece em um artigo Lettres de la Champagne, ao qual Rousseau responde parodiando o título, com o seu Lettres de la Montagne. Em 1763 também o Arcebispo de Paris expede um mandato contra ele. No entanto, muitas pessoas, de todas as categorias, viajavam léguas para irem inquiri-lo sobre suas idéias.

No último dia de 1764 ele recebeu um panfleto anônimo, Le Sentiment des citoyens (O sentimento dos cidadãos), acusando-o de hipócrita, pai desnaturado e amigo ingrato. Foi escrito por Voltaire, e seu efeito sobre Rousseau foi terrível. Quando se recobrou do choque ele decidiu-se a escrever sua autobiografia, as “Confissões”.

Recebe ataques também dos camponeses, orientados por seus pastores. Era vaiado na rua e ganhou pedradas. Escreve ainda um livreto de poucas páginas contra os que o achacavam “Vision de Pierre de la Montagne, dit le Voyant”

Incidente com Hume. Madame de Verdelin, sua amiga de Paris, em viagem à Suiça foi visitá-lo por três dias em Motiers. Ela estava plenamente convencida de que uma estadia na Inglaterra lhe seria mais conveniente do que em qualquer outro lugar; falou-lhe muito de David Hume, que estava, naquela ocasião, em Paris, do desejo que ele tinha de lhe ser útil em seu país. Hume adquirira grande reputação na França, principalmente entre os enciclopedistas devido a seus tratados de comércio e política, e mais recentemente por sua história da casa de Stuart, traduzido para o francês. Rousseau recebeu dele uma carta extremamente elogiosa na qual, aos grandes louvores ao seu gênio, juntava convite insistente para ir para a Inglaterra e o oferecimento de todos os seus préstimos e de todos os seus amigos para que tal estadia lhe me fosse agradável. O amigo Marechal, compatriota e também amigo de Hume, encoraja-o a aceitar o convite.

Depois de dois anos e meio em Val-de-Travers, em Motiers, Rousseau não suportou mais os perigos em que se achava com Thérèse. Sua casa, em setembro de 1765, foi duramente apedrejada durante uma noite. Vai para a ilha de Saint-Pierre, em Neuchâtel, em meio ao lago de Bienne. Porém a Ilha era patrimônio do hospital de Berna. Não demorou que recebesse uma intimação para deixá-la em 24 horas.

Em meio à neve, caminhos impraticaveis, Rousseau não sabia como atender à ordem de sair em vinte e quatro horas. Estivera trabalhando no projeto de uma Constituição para a Córsega, e então pensa refugiar-se lá. Decidiu viajar para Berlim. Porém, com a ajuda do príncipe de Conti, François- Louis de Bourbon, obteve um passaporte especial permitindo que fosse para a Inglaterra, onde chegou em janeiro de 1766.

Hume obteve para ele uma residência agradável no campo, no interior de Derby, pertencente a Mr. Davenport, chamada Wooton. Tão logo Rousseau chegou a Wooton, ficou encantado com a situação do lugar, tanto quanto com o campo adjacente, e escreveu a Hume nos termos mais polidos e agradecidos, dizendo o quanto ele apreciava sua amizade e patrocínio. Em pouco tempo, porém, o relacionamento entre eles alterou-se em consequência de uma brincadeira ridícula.

Mr. Horace Walpole que, parece, não era nenhum grande amigo de Rousseau, escreveu uma carta que atribuiu falsamente a Frederico, Rei da Prússia, em que este o convidava para residir na sua corte em Berlim.

Depois que copias circularam por toda a Europa, a carta foi publicada no St James’s Chronicle. Foi neste jornal que Rousseau primeiro viu o escrito. Hume não tinha conhecimento desse caso. Mas Rousseau, que então sofria forte paranóia, imaginou que Hume tinha escrito e feito circular aquela carta com a intenção de o confundir e fazer troça dele. Imediatamente escreveu aos Editores do St James’s Chronicle queixando-se amargamente da impostura, e insinuando que a carta forjada havia sido composta por Hume.

Quando Hume soube que ele era suspeito por Rousseau de ser o autor e divulgador da carta, publicou “Um conciso e genuíno relato da disputa entre o Sr. Hume e o Sr. Rousseau”. A querela entre os dois provocou risos em toda a Europa. Em maio de 1767 Rousseau partiu precipitadamente para a França.

Últimos anos. Na França Rousseau tomou o nome de Renou, escondendo-se no Castelo de Trye, próximo a Gisors, refúgio que lhe foi cedido pelo Príncipe de Conti. Enquanto ele estava em Trye seu Dictionnaire de musique, no qual vinha trabalhando a anos, foi finalmente publicado. Ele deixou Trye em Junho de 1768, outra vez precipitadamente, indo para Bourgoin, perto de Lyon, – onde casou para regularizar sua situação com Thérèse le Vasseur -, e depois para Monquin. É neste período que escreve suas “Confissões”.

Em 1770 ele mudou para Paris disposto a defender-se. Reassumiu seu nome verdadeiro mas não foi molestado. Adquiriu o hábito de ler trechos das Confissões nos salões parisienses o que causou certo escândalo. Por exigência de Mme. d’Épinay, ele foi proibido de continuar tais leituras pelo chefe de polícia de Paris. No ano seguinte ocupou-se então de um estudo que lhe foi solicitado pelos nacionalistas poloneses sobre como os poloneses deveriam reformar suas instituições, e ele escreveu Considerations sur le gouvernement de Pologne.

Ainda obcecado pela idéia de justificar-se perante a sociedade, ele escreveu em 1775 Rousseau juge de Jean-Jacques: Dialogues. Em Dezembro desse ano ele quis colocar esse trabalho sobre a proteção de Deus. sobre o altar da Catedral de Notre-Dame, porém não pode fazê-lo devido à grade de ferro que lhe impediu a passagem. Então lhe pareceu, desesperado, que Deus havia se juntado aos seus perseguidores. Durante os últimos dois anos de sua vida seu estado mental foi menos pesado para ele: levou uma vida reclusa com Thérèse, aceitou receber alguns jovens visitantes e escreveu o mais sereno e delicado de seus trabalhos, Les Reveries du promeneur solitaire (“Devaneios de um caminhante solitário”), dedicado ao tema predileto da natureza e dos sentimentos do homem pela natureza.

Em maio de 1778 ele mudou-se para Ermenonville, para um pavilhão na propriedade do marquês René de Girardin, onde morreu pouco mais de um mes depois, em 2 de julho. Foi enterrado na Ilha des Peupliers no lago de Ermenonville, mas seus restos mortais foram removidos para o Panteon em Paris, durante a Revolução.

PENSAMENTO:

Linhas mestras. Rousseau é o filósofo iluminista precursor do romantismo do século XIX.

Foi característico do Iluminismo, o pensamento de que a sociedade havia pervertido o homem natural, o “selvagem nobre” que havia vivido harmoniosamente com a natureza, livre de egoísmo, cobiça, possessividade e ciúme. Este pensamento já está em Montaigne.

Em seu Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes (1755), ele dá uma descrição hipotética do estado natural do homem, propondo que, apesar de desigualmente dotado pela natureza, os homens em uma dada época eram de fato iguais: eles viviam isolados uns dos outros e não estavam subordinados a ninguém; eles evitavam uns aos outros como fazem os animais selvagens. De acordo com Rousseau, cataclismas geológicos reuniram os homens para a “idade de ouro” descrita em vários mitos, uma idade de vida comunal primitiva na qual o homem aprendia o bem junto com o mal nos prazeres do amor, amizade, canções, e danças e no sofrimento da inveja, ódio e guerra. A descoberta do ferro e do trigo iniciou o terceiro estágio da evolução humana por criar a necessidade da propriedade privada.

Rousseau recebe críticas principalmente de Voltaire, que diz: “ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos converter em animais” e que ler Rousseau faz nascer “desejos de caminhar em quatro patas” mas o propósito de Rousseau é de combater os abusos e não de repudiar os mais altos valores humanos. Sua teoria política é sob vários aspectos uma síntese de Hobbes e Locke. Foi o ferro e o trigo que civilizaram os homens e arruinaram a raça humana….Do cultivo da terra, sua divisão seguiu-se necessariamente….Quando as heranças cresceram em número e extensão ao ponto de cobrir toda a terra e de confrontarem umas com as outras, algumas delas tinham que crescer às custas de outras… A sociedade nascente deu lugar ao mais horrível estado de guerra. Posteriormente Rousseau propôs que esse estado de guerra forçou os proprietários de terra ricos a recorrer a um sistema de leis que eles impuseram para proteger sua propriedade.

Rousseau não pretendia que o homem retornasse à primitiva igualdade, ao estado natural, mas, em um artigo encomendado por Diderot para a “Enciclopédia” e publicado separadamente em 1755 como Le Citoyen: Ou Discours sur l’economie politique, ele busca meios de minimizar as injustiças que resultam da desigualdade social. Ele recomendou três caminhos: primeiro, igualdade de direitos e deveres políticos, ou o respeito por uma “vontade geral” de acordo com o qual a vontade particular dos ricos não desrespeita a liberdade ou a vida de ninguém; segundo, educação pública para todas as crianças baseada na devoção pela pátria e em austeridade moral de acordo com o modelo da antiga Sparta; terceiro, um sistema econômico e financeiro combinando os recursos da propriedade pública com taxas sobre as heranças e o fausto.

Estão no pensamento de Rousseau aquelas linhas que serão logo a seguir características do movimento romântico que floresceu na primeira metade do século XIX: A valorização dos sentimentos em detrimento da razão intelectual, e da natureza mais autêntica do homem, em contraposição ao artificialismo da vida civilizada. Sua influencia no movimento romântico foi enorme.

Pedagogia.

Pressupostos básicos: Os pressupostos básicos de Rousseau com respeito à educação eram a crença na bondade natural do homem, e a atribuição à civilização da responsabilidade pela origem do mal. Se o desenvolvimento adequado é estimulado, a bondade natural do indivíduo pode ser protegida da influência corruptora da sociedade.

Conseqüentemente, os objetivos da educação, para Rousseau, comportam dois aspectos: o desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais. O mestre deve educar o aluno baseado nas suas motivações naturais. “Logo que nos tornamos conscientes de nossas sensações, estamos inclinados a procurar ou evitar os objetos que as produzem”, diz ele.

Método: Essencialmente o mestre deve educar o aluno para ser um homem, usando a estrutura provida pelo desenvolvimento natural do aluno, enquanto ao mesmo tempo mantendo em mente o contexto social no qual o aluno eventualmente será um membro. Isto somente pode ser conseguido em um ambiente muito bem controlado.

As mães deveriam amamentar e fortificar o corpo de suas crianças por meio de testes severos de força física e resistência.

Seu método de educação era o de retardar o crescimento intelectual: ele demandava a criança demonstrar seus próprio interesse em um assunto e fazer suas próprias perguntas; no estágio da puberdade, no entanto, a sensibilidade do jovem deveria ser educada. O adolescente aceitaria com confiança um contrato livre e recíproco de amizade com seu mestre, que poderia então ajuda-lo a descobrir as alegrias da religião e as dificuldade de lidar com a sociedade.

O ambiente em que o aluno vive deve ser tal que não haja nenhuma restrição física que não venha do próprio aluno, e depois que desenvolve cognitivamente, até os 15 anos não deveria haver qualquer restrição moral em seu ambiente. O objetivo é que o aluno desenvolva plenamente seu Eu natural. Obviamente, uma tal educação só seria possível se o aluno fosse totalmente isolado da sociedade e não tivesse contacto social, senão com seu mestre.

O aluno somente entraria na sociedade quando a tendência para a socialização surgisse como uma de suas necessidades naturais. Isto aconteceria na adolescência, após o desenvolvimento da razão. Diz Rousseau “Ele antes tinha apenas sensações, agora ele julga.” Então o aluno experimenta um desejo de companhia e lhe será permitido desenvolver relacionamento pessoal. Então ele vai estudar história e religião.

Finalmente ele vai entrar “na sociedade educada de uma grande cidade”. Ele agora poderá entender o que significa ser um cidadão.

O Émile: No Émile ele apresenta o cidadão ideal e os meios de treinar a criança para o Estado de acordo com a natureza, inclusive para um sentido de Deus.

A criança Émile deve, portanto, ser criada em um meio rural em vez de em ambiente urbano, de modo que ela possa desenvolver em continuidade com a natureza mais que em oposição a ela. Os primeiros impulsos da criança são permitidos a desenvolver mas são canalizados para um respeito genuíno para com as pessoas, um respeito nascendo do amor próprio e não do orgulho.

Émile, que laboriosamente adquiriu um senso de propriedade (bem à John Locke) enquanto cultivando seu jardim, descobre a vida difícil de um trabalhador quando se torna aprendiz de um carpinteiro.

Trazido a comunidade por uma tendência natural, ou simpatia para com aqueles ao seu redor, Émile desenvolve um senso moral, e uma necessidade no sentido da perfeição e do crescimento interior permite-lhe elevar-se acima das paixões e alcançar a virtude. Então, através de Sofia, Émile descobre a natureza do amor. Ele tem que deixa-la, no entanto, para completar sua educação política, a qual requeria procurar através do mundo pelo país que melhor serviria a sua futura família.

Curiosamente, o único livro que se permite a Émile na sua educação é o Robison Crusoe de Daniel Defoe, o qual nele mesmo demonstra o caminho no qual o caráter amadurece em harmonia com a natureza se a engenhosidade natural é permitida trabalhar desimpedida da corrupção da sociedade.

O método de Rousseau foi a inspiração, começando com Pestalozzi, de métodos universais pedagógicos.

Teoria política. No Du contrat social Rousseau desenvolveu os princípios políticos que estão sumarizados na conclusão do Émile.

Começando com a desigualdade como um fato irreversível, Rousseau tenta responder a questão do que compele um homem a obedecer a outro homem ou por que direito um homem exerce autoridade sobre outro. Ele concluiu que somente um contrato tácito e livremente aceito por todos permite cada um “ligar-se a todos enquanto retendo sua vontade livre”. A liberdade está inerente na lei livremente aceita. “Seguir o impulso de alguém é escravidão, mas obedecer uma lei auto-imposta é liberdade”.

Há uma diferença entre o pensamento de Rousseau e o de Locke, que também afirmou a liberdade do homem como base de sua teoria política. Locke admite a perda da liberdade quando afirma que “o homem, por ser livre por natureza,…não pode ser privado dessa condição e submetido ao poder de outro sem o próprio consentimento”… enquanto para Rousseau o homem não pode renunciar à sua liberdade. Esta é uma exigência ética fundamental.

Rousseau considera a liberdade um direito e um dever ao mesmo tempo. “…todos nascem homens e livres”; a liberdade lhes pertence e renunciar a ela é renunciar à própria qualidade de homem.

O princípio da liberdade é direito inalienável e exigência essencial da própria natureza espiritual do homem”.

O contrato social para Rousseau é “Uma livre associação de seres humanos inteligentes, que deli beradamente resolvem formar um certo tipo de sociedade, à qual passam a prestar obediência mediante o respeito à vontade geral. O “Contrato social”, ao considerar que todos os homens nascem livres e iguais, encara o Estado como objeto de um contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, mas ao contrário entram em acordo para a proteção desses direitos, que o Estado é criado para preservar.

O Estado é a unidade e como tal expressa a “vontade geral”, porém esta vontade é posta em contraste e se distingue da “vontade de todos”, a qual é meramente o agregado de vontades, o desejo acidentalmente mútuo da maioria.

John Locke e outros tinham assumido que aquilo que a maioria quer deve ser correto. Rousseau questionou essa postura, argumentando que os indivíduos que fizeram a maioria podem, na verdade, desejar alguma coisa que está contrária aos objetivos e necessidades do Estado para com o bem comum. A vontade geral é para assegurar a liberdade, a igualdade, e a justiça dentro do Estado, não importa a vontade da maioria, e no contrato social (para Rousseau uma construção teórica mais que um evento histórico como os pensadores do Iluminismo tinham freqüentemente assumido) a soberania individual é cedida para o Estado em ordem que esses objetivos possam ser atingidos.

Por isso a vontade geral dota o Estado de força para que ele atue em favor das teses fundamentais mesmo quando isto significa ir contra a vontade da maioria em alguma questão particular.

Rousseau reforça o contrato social através de sanções rigorosas que acreditava serem necessárias para a manutenção da estabilidade política do Estado por ele preconizado. Propõe a introdução de uma espécie de religião civil, ou profissão de fé cívica, a ser obedecida pelos cidadãos que depois de aceitarem-na, deveriam segui-la sob pena de morte.

Foi grande a influência política que tiveram as idéias de Rousseau na França. Os princípios de liberdade e igualdade política, formulados por ele, constituíram as coordenadas teóricas dos setores mais radicais da Revolução Francesa e inspiraram sua segunda fase, quando foram destruídos os restos da monarquia e foi instalado o regime republicano, colocando-se de lado os ideias do liberalismo de Voltaire e Montesquieu (1689-1755). O mais notável nessa república projetada era o disposto para banir estranhos à religião do Estado e punir os dissidentes com a morte.

Religião. Rousseau conclui seu “Contrato social” com um capítulo sobre religião. Para começar, Rousseau é claramente não hostil à religião como tal, mas tem sérias restrições contra pelo menos três tipos de religião. Rousseau distingue a “religião do homem” que pode ser hierarquizada ou individual, e a “religião do cidadão”.

A religião do homem hierarquizada, é organizada e multinacional. Não é incentivadora do patriotismo, mas compete com o Estado pela lealdade dos cidadãos. Este é o caso do Catolicismo, para Rousseau. “Tudo que destrói a unidade social não tem valor” diz ele. Os indivíduos podem pensar que a consciência exige desobediência ao Estado, e eles teriam uma hierarquia organizada para apoia-los e organizar resistência.

O exemplo de religião do homem não hierarquizada é o cristianismo do evangelho. É informal e não hierarquizada, centrada na moral e na adoração a Deus. Esta é, com certeza, para Rousseau, a religião em que ele nasceu e foi batizado, o calvinismo.

De início Rousseau nos diz que esta forma de religião é não somente santa e sublime, mas também verdadeira. Mas a considera ruim para o Estado.

Cristandade não é deste mundo e por isso tira do cidadão o amor pela vida na terra. “O Cristianismo é uma religião totalmente espiritual, preocupada somente com as coisas do céu; a pátria do cristão não é deste mundo”. Como consequência os cristãos estão muito desligados do mundo real para lutar contra a tirania doméstica. Além disso, os cristãos fazem maus soldados, novamente porque eles não são deste mundo. Eles não irão lutar com a paixão e patriotismo que um exército mortífero requer.

Do ponto de vista do Estado, e este é o aspecto que mais interessa a Rousseau, a religião nacional ou religião civil é a preferível. Ele diz que “ela reúne adoração divina a um amor da Lei, e que, em fazendo a pátria o objeto da adoração do cidadão, ela ensina que o serviço do Estado é o serviço do Deus tutelar.”

A religião do cidadão é o que na sua época chamava-se também “religião civil”. É a religião de um país, uma religião nacional. Esta ensina o amor ao país, obediência ao Estado, e virtudes marciais. A religião do império romano é seu exemplo.

No entanto, pelo fato mesmo de que serve ao Estado, a religião civil será manipulada segundo certos interesses, e por isso, diz Rousseau, “ela está baseada no erro e mentiras, engana os homens, e os faz crédulos e supersticiosos”. E diz mais: a religião nacional, ou civil, faz o povo “sedento de sangue e intolerante”.

Rousseau apresenta então sua proposta. Deveria ser concedida tolerância a todas as religiões, e cada uma delas conceder tolerância às demais.

Mas ele quer a pena de banimento para todos que aceitarem doutrinas religiosas “não expressamente como dogmas religiosos, mas como expressão de consciência social”.

O Estado não deveria estabelecer uma religião, mas deveria usar a lei para banir qualquer religião que seja socialmente prejudicial. Para que fosse legal, uma religião teria que limitar-se a ensinar “A existência de uma divindade onipotente, inteligente, benevolente que prevê e provê; uma vida após a morte; a felicidade do justo; a punição dos pecadores; a sacralidade do contrato social e da lei”.

O fato de que o Estado possa banir a religião considerada antisocial deriva do princípio de supremacia da vontade geral (que existe antes da fundação do Estado) à vontade da maioria (que se manifesta depois de constituído o Estado), ou seja, se todos querem o bem estar social, e se uma maioria deseja uma religião que vai contra essa primeira vontade, essa maioria terá que ser reprimida pelo governo.

Refugiado em Neuchatel, ele escreveu Lettres ecrites de la Montagne (Amsterdam, 1762), no qual, com referência à constituição de Genebra, ele advogava a liberdade de religião contra a Igreja e a polícia. A parte mais admirável nisto é o credo do vigário da Saboia, Profession de foi du vicaire savoyard, no qual, em uma frase feliz, Rousseau mostra uma natural e verdadeira susceptibilidade para a religião e para Deus, cuja omnipotência e grandeza são, para ele, publicamente renovadas cada dia.

Opinião sobre as ciências e as artes. No “Discurso sobre as ciências e as artes” com que concorreu ao prêmio da Academia de Dijon, Rousseau argumenta que a restauração das artes e ciências não contribuíram para a purificação do gênero humano mas para sua corrupção. Ao ser a obra publicada, a censura cortou vários trechos do original: muitas passagens contra a tirania dos reis e a hipocrisia do clero foram eliminadas. O subtítulo “Liberdade” foi retirado. Porém, ele ataca as ciências e especialmente as artes e literatura como escravisadoras e corruptoras e como instrumento de propaganda e fonte de mais riqueza nas mãos dos ricos.

A civilização é vista por ele como responsável pela degeneração das exigências morais mais profundas da natureza humana e sua substituição pela cultura intelectual. A uniformidade artificial de comportamento, imposta pela sociedade às pessoas, leva-as a ignorar os deveres humanos e as necessidades naturais. Assim como a polidez e as demais regras da etiqueta podem esconder o mais vil e impiedoso egoísmo, as ciências e as artes, com todo seu brilho exterior, freqüentemente seriam somente máscaras da vaidade e do orgulho.

Rousseau empresta um significado político ao patrocínio das artes. Ele escreveu: Príncipes sempre viram com prazer a difusão entre seus súditos do gosto pelas artes e por supérfluos que não resultem em dispêndio de dinheiro. Portanto, além de facilitar essa insignificância espiritual tão apropriada a escravidão, eles sabem bem que as necessidades que o povo cria para ele mesmo são como cadeias que o une… As ciências, as letras, e as artes…atam flores ao redor das cadeias de ferro que o liga (o povo), sufoca nele o sentimento daquela liberdade original para a qual ele parece ter nascido, faz ele amar sua escravidão, e o transforma no que é chamado “povo civilizado”.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 06-10-1997.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Jean-Jacques Rousseau. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 1997.