A Arte do Teatro

Hoje: 26-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

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Melodrama. Diferentemente da Tragédia, o Melodrama expõe apenas o que pode acontecer, não o inevitável (O trágico expõe aquilo que está fadado a acontecer). Um homem perder a direção do carro em um dia de chuva e sofrer um acidente seria melodramático, porque poderia ser evitado . Tudo o que nós pedimos ao autor do melodrama é uma plausibilidade momentânea. Providenciado que sua trama não é impossível, não são impostos limites em sua invenção de um mero incidente.

Comédia. Uma comédia é uma peça humorística na qual os atores dominam a ação. A comédia pura é o mais raro de todos os tipos de drama. Na comédia a ação precisa não somente ser possível e plausível, mas precisa ser um resultado necessário da natureza ingênua do personagem.

Farsa. A farsa é um tipo de drama escrito com o propósito de provocar riso. É estética e literariamente inferior à comédia; é uma peça humorística na qual os personagens são rudes ou exageradamente fracos, covardes e impotentes; as situações são de exagero, improváveis, tendo por cenário consultórios de dentista, consultórios médicos, o quarto de dormir, a recepção de hotéis, etc. É comum a associação dos dois tipos, farsa e comédia, em uma única peça humorística, com o uso da comédia para a trama maior e da farsa para os seus incidentes subsidiários. A farsa é decididamente o mais irresponsável de todos os tipos de drama. A trama existe por sua própria conta, e o dramaturgo precisa preencher somente duas exigências ao criá-la: primeiro, ela precisa ser engraçada , e segundo, ele precisa persuadir sua audiência a aceitar suas situações pelo menos no momento enquanto elas estão sendo encenadas.

Pantomima. Peça de teatro ou drama em que a história é contada por meio de ação e expressão corporal, sem uso de palavras.

A moralidade. Na dramaturgia, como nas outras formas de arte, o aspecto moral diz respeito à interpretação e por isto há que separar aquilo que pode ser relativo, daquilo que for racionalmente condenável, tolerável ou louvável. É relativo o que é condenável apenas em relação aos hábitos de um grupo. Quanto ao julgamento racional, não pode haver algo que, por si, seja um assunto imoral para uma peça teatral. O que pode ser julgado, desfavorável ou favoravelmente, é o tratamento do assunto pelo dramaturgo. A questão, por exemplo, não é se prostitutas merecem aprovação ou não, mas se uma certa mulher dessa classe, colocada em uma situação particular, não seria merecedora de simpatia. Seria desonesto o dramaturgo apresentar sua versão dos fatos como única verdade, quando o assunto é de valor relativo, e seria também desonesto retratar em detalhes uma realidade que é racionalmente imoral, como a violência sem motivo, o sexo sem amor, o roubo sem uma grave justificativa, etc. É condenável a peça que estimula os maus instintos do ser humano e louvável a que faz o contrário: desperta no espectador noções de valor e emoção de esperança. Porém seria desonesto negar o desespero, a infidelidade, o crime, e apresentar ao público a imagem de um mundo sem essas mazelas que precisam ser vencidas.

A história educativa. O grande Teatro tem seus temas polarizados em aspectos particulares da natureza humana e no que aflige ou alegra os homens em geral. Não aborda temas que são momentâneos, não discute problemas sociais. Dessa sorte, a época e o lugar em que se desenvolve a trama são acidentais, porque o que se buscará mostrar serão aquelas maldades ou bondades do homem, que lhe são próprias em qualquer época. Porém não é assim com o Teatro Pedagógico. A este cabe muito bem a discussão de problemas sociais contemporâneos, para os quais, encontrada a solução, aquela peça pedagógica a eles referente perderá o sentido.

Embora no Teatro Pedagógico o Diretor de Teatro trabalhe com um objetivo educacional, esse propósito deve ficar em um aparente segundo plano, para que o interesse pela representação teatral, em suas múltiplas facetas, possa captar o interesse dos alunos e mantê-los entusiasmados com o projeto. Isto porque os jovens, e mesmo as crianças, não serão muito diferentes dos adultos nesse particular. O espectador comum não vai ao teatro para ser doutrinado. Regimes autoritários e antidemocráticos já utilizaram o teatro para esse fim, com as pessoas coagidas a comparecerem aos espetáculos. O que cada indivíduo na plateia espera é que haja algum divertimento.

Script. O roteiro, texto da peça ou script, contém a fala dos atores e as indicações quanto à expressão dos sentimentos e atitudes de cada personagem, e ao cenário. É desenvolvido em torno da ideia central ou tema, e da história a ser representada, que veicula essa ideia e seus desdobramentos. A divulgação impressa do script, é uma obra literária. Uma peça que é intrigante, que de algum modo desafia o espectador a cogitar de algum significado que não estaria alcançando, leva-o a indagar o que o dramaturgo estaria tentando passar. Isto é praticamente impossível saber, por vários motivos. Primeiro, o significado que o espectador vê no que é representado é função de uma construção pessoal, e vai diferir daquele sentido, que é também pessoal, que o próprio autor em qualquer obra de Arte, no caso o dramaturgo, pretende que a sua obra tenha. Segundo, a interpretação feita pelo ator influirá na percepção de cada um na plateia: também o ator dará à sua representação um acento pessoal, que poderá não transmitir com fidelidade a ideia pretendida pelo dramaturgo. O título de uma peça atrai o espectador justamente quando mexe com sua imaginação, parecendo-lhe que está no rumo de suas ideias e emoções.

A plateia. Em tese, a reação da plateia será a soma das reações individuais dos espectadores. Mas existem certos comportamentos que são estimulados nas pessoas quando elas fazem parte de uma multidão. Pessoas refinadas que estão isoladas em meio a indivíduos mais simples e despreocupados podem perder consciência de sua posição social e qualidades intelectuais e assumirem o mesmo comportamento primitivo do grupo. O contrário infelizmente não acontece, ou seja, aqueles menos educados inseridos em um grupo de pessoas bem educadas e comedidas não se deixam intimidar, e primam por incomodar com comentários jocosos, gargalhadas exageradas, etc. Uma plateia de jovens pode mostrar esse mesmo fenômeno e acontecer que alguns precisem ser advertidos ou retirados da plateia por uma autoridade. Um tema controverso, uma história mal representada, atores que não convencem em seus papeis, podem levar a plateia à agitação e desordem, o que será uma surpresa, quando se espera que a boa intenção do autor seja recompensada com a aprovação e o respeito da assistência. Mas um acompanhamento simultâneo de música, meio escutada, meio imaginada, que conduz ao humor da peça, agora crescendo para um clímax, agora suavizando para a quietude, pode fazer muito para manter a audiência sintonizada com o significado emocional da ação.

Dispersão de foco. No grande Teatro, o Dramaturgo tem o cuidado de não inserir na peça nada que desvie a representação da lógica da narrativa e da suave sucessão dos quadros. O Diretor de cena estará atento a qualquer deslize da equipe que possa chamar a atenção dos espectadores, desviando-a da representação em curso. Novidades técnicas que sejam demasiadamente complexas, na movimentação do palco, na iluminação, no cenário, desviam o foco da atenção da plateia, suscita comentários cochichados e – além da admiração do espectador que deveria ser inteiramente para o valor do drama ser colocada na maravilha tecnológica –, também suscitam comentários e murmúrios que perturbam a atenção de todos. Porém, ao contrário, uma outra forma de possível dispersão de foco é um cenário muito pobre ou mesmo a falta de um cenário.

Um animalzinho que apareça de repente e perambule pelo palco irá provocar distração e risos na plateia. Se no papel de um ator está previsto um tiro de revolver, os espectadores devem estar conscientes de que ele porta uma arma através de menção no diálogo, ou porque tenha estado visível em alguma cena anterior. O caráter forte ou antiético de um personagem, não pode ser revelado de súbito, em cenas finais. É preciso que a plateia perceba desde sua primeira fala que determinada personagem é, por exemplo, capaz de trair. Um erro de entonação de um ator, um engasgo, um tombo no palco, tudo isto, em grau maior ou menor, prejudica o espetáculo.

Um cenário excessivamente rico, excessivamente detalhado, ou que tenha mistura de estilo e cores que não combinam, levam o espectador a analisar e comentar as discrepâncias, e prestar menos atenção ao drama. No grande Teatro, um diretor de cena que vai usar algo de novo e ousado, abre a cortina em a presença dos atores e faz que esses entrem e iniciem a representação apenas depois de certo tempo dado aos espectadores para absorver a novidade.

Guardadas as proporções, essas preocupações valem também para o Diretor de Teatro na Escola. Porém, a simplicidade do cenário esperada no teatro pedagógico coloca entre os principais cuidados serem tomados aqueles necessários para evitar imprevistos.

A ênfase no drama. A força de uma narrativa dramática está na sonoridade do texto expressa nas falas, nos diálogos, na locução, etc. É necessário aplicar o princípio positivo da ênfase de modo a forçar a plateia a focar sua atenção naquele certo detalhe mais importante da matéria em questão.

A ênfase por repetição pertence ao diálogo e pode ser com habilidade introduzida no script. Porém há também momentos que emprestam ênfase natural à representação e que o dramaturgo deve aproveitar, como os últimos momentos em qualquer ato (que são os mais propícios a criar o suspense), ou o início de uma ação nos primeiros momentos em um ato. Porém os primeiros momentos do primeiro ato perdem essa faculdade devido à falta de concentração dos espectadores que acabam de tomar seus lugares, ou são perturbados por retardatários que passam pela frente das pessoas já sentadas (Veja, por favor, em Como escrever uma peça).

Cenário, iluminação e música. Em seu conjunto a construção do cenário, compreendendo tanto os painéis desenhados onde figuram janelas, quadros pendurados na parede, etc., quanto os móveis e outros objetos componentes do ambiente da cena, precisam obedecer normas estéticas que conduzam a uma visão harmoniosa, descansada e ao mesmo tempo crível para o espectador.

A iluminação é um recurso polivalente para o cenógrafo. Pode dar ênfase a certos aspectos do cenário, pode estabelecer relações entre o ator e os objetos, pode enfatizar as expressões do ator, pode limitar a um círculo de luz o espaço da representação, além de muitos outros efeitos sutis.

A música tem função semelhante: enfatiza cenas, empresta-lhes maior ou menor conteúdo dramático, sublinha os sentimentos expressos pelos atores.

Os atores. A representação está, fundamentalmente, na voz e nos gestos dos atores. Cada personagem deve falar com voz distinta e clara, e suas vozes não podem ser confundidas na representação: o espectador deve distinguir inclusive pela voz cada personagem. As mínimas ações e expressões dos atores podem transmitir ao espectador significados muito intensos, desde aqueles que ele perceberá com clareza até outros que se poderá dizer que são subliminares, porque o espectador não poderia dizer ao certo o que está afetando seus sentimentos (Veja, por favor, em Uma teoria da Arte).

A razão principal porque o maneirismo no caminhar, ou nos gestos, ou na entonação vocal são reprováveis em um ator é que eles distraem a atenção da plateia, desviando-a do que ele está representando, e atraindo-a para o seu método de representar – de um efeito que é buscado para o modo como busca criar esse efeito. Um ator sem maneirismos é capaz de produzir um convencimento mais imediato.

As vestes são importante complemento representativo do personagem. Elas estarão desenhadas, obviamente, de acordo com a descrição que a história a ser dramatizada faz dos personagens. Estarão em harmonia com o sexo, a idade, a classe social, a profissão do personagem representado, e refletirão ainda outras particularidades como seu nível social, país e época histórica em que vive, clima regional e, se requerido pelo drama, também sua religião, profissão, etc.

Um ator que está acostumado ao centro do palco muitas vezes encontra dificuldade para manter-se ao fundo nos momentos em que a cena deveria ser dominada por outros, que algumas vezes podem ser atores menores.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 04-09-2006.

Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Noções de teoria do teatro. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2006.