Hoje: 13-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Boris Brajnikov foi o inspirador e impulsionador da ação do governo na criação de cursos universitários de geologia no Brasil. Focada no desenvolvimento da mineração, a política de ensino para o setor tendia à abertura de novas escolas de engenharia de minas. Recorria-se aos geólogos estrangeiros para o trabalho de mapeamento geológico (e o próprio Boris veio ao Brasil para esse fim), porque os engenheiros eram poucos para as necessidades burocráticas, o ensino e a indústria da mineração. A preparação específica para o mapeamento geológico pregada por Brajnikov se fez clara como opção mais propícia a resultados práticos imediatos. Devido ao seu relacionamento com membros da futura equipe do presidente Juscelino Kubitschek em Minas Gerais, desde a preparação de suas metas de governo, o geólogo russo influiu no sentido da formação de geólogos no país. Logo após os primeiros meses de instalação do novo governo, Boris foi convocado a integrar o gabinete de Clovis Salgado, o ministro da Educação, e colaborar diretamente com ele no projeto de instalação das escolas de geologia no Brasil.
1. De Moscou a Paris.
Boris Vladimirovich Brajnikov nasceu em Moscou, a 10 de novembro de 1904, e faleceu a 11 de fevereiro de 1988, em Richfield Springs, município de Otsego, no Estado de New York. Era filho de Vladimir e de Ella Brazhjnikov.
Seu pai Vladimir Konstantinovich Brajnikov, nascido em 1870 e falecido em 1921, foi um conhecido zoólogo e professor especializado em pesca e indústria do pescado. Formou-se em biologia na Universidade de Moscou em 1894. Logo depois de formado, ingressou no Departamento de Agricultura e Pesca da Russia, em Petrogrado, e foi realizar pesquisas no Extremo Oriente. Utilizando um navio oceanográfico e de patrulha que havia pertencido à marinha americana, o Storozh (“Vigia”), realizou investigações nas proximidades de Vladivostock, com o objetivo de recuperar a produção de peixes, principalmente de salmão, que se achava em perigoso declínio no estuário do rio Amur e no mar do Japão. Depois de regressar a Petrogrado, viajou aos Estado Unidos – aparentemente em uma comitiva de participantes em Congresso sobre a indústria pesqueira –, a bordo do vapor Kaiser Wilhelm II, procedente de Bremem. Em 1912 foi nomeado chefe da pesca na Rússia. Neste cargo, ele se distinguiu como um líder, administrador e cientista talentoso. Foi o fundador do ensino da pesca a nível das universidades, assim como o filho Boris o foi para a geologia, anos mais tarde.
Com o caos instalado no governo e nas instituições de ensino, consequência da queda do governo tzarista, da derrota da Rússia na guerra contra a Alemanha e da eclosão da revolução comunista, Vladimir Brazhnikov deixou o pais, levando a mulher e os dois filhos, Boris com 12 e Tatiana com 10 anos. Demorou-se por seis meses na Suécia, e passou ainda três meses na Inglaterra. Supostamente por não encontrar condições de trabalho nesses países, teria optado pelo Japão, onde gozava de grande prestígio como autoridade em pesca industrial, e estaria próximo da Rússia, para o caso do exército branco comandado por Wrengel no sul e extremo oriental da Rússia, pudesse derrotar o exército vermelho de Lenin, e restaurar a democracia no país. No Japão, lecionou a matéria de sua especialidade em universidades e deu cursos em centros de pesca japoneses de 1918 a 1921, quando veio a falecer prematuramente.
A mãe de Boris Brajnikov, Ella Roesch Brajnikov, nascida na Rússia a 10 de Agosto de 1882 de pai e mãe alemães, permaneceu com os filhos no Japão ainda alguns meses. Certamente a família Brajnikov era ligada por amizade a Carlos Miller, também filho de alemães, representante comercial e financeiro do governo anti-revolucionário na embaixada da Rússia em Tóquio, cujo irmão, o General Eugênio Karlovich Miller, comandou a resistência anti-comunista na região norte. Karl Miller teve o respeito dos refugiados russos por auxiliar financeiramente as famílias russas mais necessitadas e os soldados do Exercito Branco em fuga, quando os Brancos foram finalmente derrotados e o governo comunista subjugou toda a Russia. As duas famílias deixam Tóquio em 1922 com destino à Alemanha, onde Ella Brajnikov tinha familiares e onde permanece com os filhos por dois anos.
Em 1924 a família muda-se para Paris.
2. Na França antes da Segunda Grande Guerra.
Milhares de imigrantes que russos se refugiaram em Paris após a revolução comunista de outubro de 1917 em seu país. Grande parte era de ex-combatentes russos que lutaram na frente francesa e na frente da Macedônia na guerra de 1914, ou que foram combatentes anti-revolucionários do “exército branco” do general Anton Ivanovitch Dénikine e de seu sucessor Barão Piotr Nikolayevich Wrangel. Muitos estavam em péssimo estado de saúde, devido à fome, a doenças ou a ferimentos de guerra. Porém, no total, descontada a soldadesca em parte rude e ignorante, havia uma grande massa de civis russos bem educados, os chamados, por extensão, “russos brancos”, que possuíam formação secundária e diplomas universitários. Eram membros da nobreza e do clero ortodoxo, altos funcionários do governo czarista deposto pela revolução comunista, ou eram profissionais liberais e cidadãos que haviam perdido suas propriedades e indústrias. Mas também estes passavam necessidades, porque os empregos eram escassos.
Boris tinha vinte anos, quando a família deixa a Alemanha para residir em Paris.
A braços com a invasão de refugiados russos, o governo francês pôs em prática uma política destinada a tirá-los da rua, dos cortiços e dos abrigos públicos. Foi formada uma comissão para fornecer documentos franceses e ajudá-los a aprender a língua, estimulando também a que recuperassem as tradições de sua pátria. Surgiram escolas russas, igrejas e corais, dança cossaca, e jornais em russo, e formaram-se círculos literários. O Governo garantia-lhes fazer seus estudos de bacharelado na Sorbonne, e designou a Universidade de Nancy para que fizessem, logo após, um curso de especialização de dois anos em ciências aplicadas. Em pagamento por este apoio, os beneficiados deveriam servir nas Colônias Francesas da África, onde era grande a falta de professores e técnicos em praticamente todas as áreas do conhecimento. Foi criado o chamado passaporte NANSEN para os imigrantes que haviam perdido a nacionalidade russa, um documento proposto por Fridtjof Wedel-Jarlsberg Nansen (1861-1930) enquanto delegado norueguês na Liga das Nações, a fim de permitir a identidade dos refugiados e para que pudessem viajar.
A irmã de Boris, Tatiana Vladimirovna Brajnikov, conhece um americano descendente de alemães, Alfred Bernard Hecker, que residia com os pais na Inglaterra, em Vanburg Park, Blackheath, próximo a Londres. Alfred Bernard nascera em julho de 1906, em Alton, no Missouri, onde seu pai, Alfred Herman Hecker, fora gerente da filial de uma indústria de vidros de Illinois. Sua mãe era americana. A família mudou-se para a Inglaterra onde o filho, após formado em Havard, tornou-se um competente auditor. Ele se empregou na firma de auditoria inglesa Price-Waterhouse, e foi designado chefe do escritório na Bélgica em 1932. Conforme noticiou o Alton Evening Telegraph de 26 de setembro de 1932, seu casamento com Tatiana ocorreria no início do verão de 1933, e o casal residiria em Bruxelas, Alfred era bisneto de Frederik Carl Franz Hecker, revolucionário republicano na Alemanha em 1848, que se asilou na Suíça e depois nos Estados Unidos quando o levante liderado por ele contra a monarquia alemã fracassou.
O casamento de Boris realizou-se três anos mais tarde em 1936. Casou com Eugênia Frisch Miller, então com 29 anos, refugiada russa como ele, nascida em Petrogrado, em 22 de outubro de 1907, filha de Karl Karlovich Miller e Elizabeth Frisch, amigos da família Brajnikov em Tóquio, onde haviam chegado e depois retornado à Europa nos mesmos anos.
Karl Karlovich Miller, pai de Eugênia, nasceu em 1874 e foi diplomata, financista, e era uma conhecida e respeitada figura pública entre os refugiados russos na Europa e na América. Foi um Agente do Ministério do Comércio e Industria, Conselheiro de Estado attaché na Embaixada Imperial da Rússia em Tóquio de 1910 a 1924, que se refugiou com a família em Paris onde faleceu em 1943. Ao tempo de Kolchak, o derradeiro chefe de governo anti-comunista da Rússia, o lastro em ouro do país foi transferido para contas pessoais de agentes financeiros privados de confiança, para que o dinheiro público não caísse nas mãos dos rebeldes. Karl Karlovich Miller um homem com um sentido muito elevado de responsabilidade, foi um desses agentes. Em 1922, quando ele chegou com a família em Paris, ele utilizou o dinheiro que estava em sua posse pessoal para socorrer os emigrantes em suas diversas necessidades, a critério de um Conselho de Embaixadores no exílio, do Comitê Central para a educação russa superior, além de outras organizações russas criadas para pagar pensões a viúvas de guerra, e dar apoio dos refugiados O cargo de Miller é referido em documentos da coleção Register of the Russia. Voennyi Agent (Japan) Records, Hoover Institution Archives, da Univ. de Stanford, e do Arquivo da Universidade de Columbia.
Em Paris Karl Miller aplicou-se ao negócio de seguros, e como historiador, foi autor de “Emigração Russa na época de Catarina II» (Paris, 1931) e de um manuscrito que não chegou a ser publicado, sobre a emigração russa para a França. Faleceu na França.a 15 de outubro de 1943, alguns anos após o casamento da filha com Boris Brajnikov. Eugênia destinou à caridade o dinheiro que herdou com o falecimento do pai (auferido em seus negócios financeiros), e em 1945, entregou o dinheiro herdado ao educandário russo Zemstvo Union City e à Sociedade da Cruz Vermelha Russa.
Seu tio paterno, Evgeny Karlovich Miller, nascido em 25 de setembro de 1867, e falecido em 1939, foi um general, adido militar russo na Bélgica, na Holanda, e na Itália, e considerado um estrategista excelente, na guerra da Rússia e seus aliados contra o império austro-húngaro, na primeira guerra mundial. Um dos líderes do exército branco na luta contra os vermelhos. comandou a resistência no norte da Rússia, não por causa da ambição pessoal, segundo declarou, mas por chamamento ao dever para com o seu país. Derrotado, foi condenado à morte pelos comunistas, mas conseguiu fugir escondendo-se na Embaixada da Itália em Petrogrado. Em 1918 ele se refugiou em Paris. Lá, foi sequestrado e levado de volta para Rússia, onde foi torturado e morto em Moscou, em maio de 1939.
Sua mãe, Elizabeth Frisch Miller, nascida a 23 de julho de 1870, faleceu em Vichy em 1939. Era filha de Edward Vasilievich Frisch, da nobreza da Província de São Petersburgo (Petrogrado), advogado e político russo que foi membro do Tribunal Permanente de Arbitragem Internacional da Rússia. Integrou o primeiro Duma (Senado) criado pelo Imperador Nicolau II em 27 de abril de 1906, e foi Presidente do Conselho de Estado do Império russo.
A tia de Eugênia, Maria Sofia, nascida a 12 de maio de 1865 e falecida em Maio de 1933, foi casada com o príncipe Vladimir Anselmovich Lyschinskim Secretário de Estado do Conselho de Estado do Império de 1907 a 1917;
Eugenia Miller teve, apesar da conturbação dos anos de sua infância e juventude, uma educação esmerada. Após a família se refugiar em Paris, em 1922, ela estudou no atelier-escola do renomado pintor e artista gráfico russo Vasily Ivanovich Shuhaev. Nessa ocasião, tornou-se amiga da artista Olga Bernatsky (Olga (Bernatskaya-Savic) Biernacki), filha de Mikhail Vladimirovich Bernatsky, amigo de seu pai Karl Miller, e que fora ministro das finanças nos governos de Denikin e de Wrangel. A amizade entre as duas artistas durou toda a vida. Ambas foram à Itália, em 1926-1927, Eugenia com 19 anos e Olga, nascida em 1899, com 27. Em Florença, estudaram pintura do Renascimento e trabalharam sob a orientação de artistas-restauradores italianos.
Eugênia fez parte de um grupo de tradutores para o francês de obras do escritor Mikhail Afanasevich Bulgakov.
Junto com a amiga expôs no salão da “Société du Salon d’Automne 1930), na “Galerie Bernheim-Jeune” em 1929 e no 1 º Salão de mulheres artistas, de 1929, na Galeria de Nice, e também no Salão dos Independentes (Société des Artistes Indépendants). Juntamente com obras de Olga, expôs seus quadros na mostra de arte russa realizada em Paris, na Galerie La Renaissance, em 1932, e levou seus trabalhos à mesma mostra, em Praga, em 1935. Realizou exposições individuais na Galerie Barreiro, em Paris, em 1934 e em 1938, após seu casamento; quando um livro sobre sua pintura foi publicado pela própria Galeria. Após a libertação de Paris ela fez, na Escola do Louvre, nos anos 1944-1945, um curso sobre Arte Oriental, disse em sua auto-apresentação, datada de 1960, em uma página temporária de leilão de objetos de arte http://cgi.ebay.co.uk.
O último endereço da família em Paris foi à Villa Coeur de Vey Nº 10, entre a Av. do General Leclerc e a Avenida de Maine, por trás da Igreja de Saint-Pierre-de-Montrouge, em Montparnasse.
Além de agradecer o apoio de amigos e colaboradores como Jean Michel, R. Charbonnière e C. Francis-Baeuf, Boris, em sua tese de doutorado sobre os sedimentos geológicos da bacia de Paris, estende seus agradecimentos à sua irmã “Mme Tatiana Hecker, cujo carinho e ajuda deram-me as possibilidades de realizar este trabalho, e à minha mulher, da qual apenas o admirável empenho e a colaboração permitiram leva-lo a bom fim.”
3. Trabalhos na França e nas colônias.
Parece muito claro que Boris Brajnikov submeteu-se ao esquema acima referido, organizado pelo governo Francês para os refugiados russos. Com efeito, Fernando de Azevedo (As Ciências no Brasil (Vol. I, Ed. da UFRJ, 1994), informa que ele concluiu em 1926 o curso na Universidade de Paris (Sorbonne) e se diplomou Engenheiro-geólogo pelo Instituto de Geologia Aplicada da Universidade de Nancy em 1928, e foi trabalhar na África. Inicialmente fez pesquisas para a Société Mokta-el-Hadid, na Costa do Marfim e no Congo francês. Ainda segundo Azevedo, trabalhou para a “Société d’Études et Participations Miníères”, na Iugoslávia, porém não localizei qualquer outra referência a um trabalho de Boris Brajnikov naquele país. No entanto, ele é o autor do estudo “Sur la géologie de Verila Planina, Bulgarie”, publicado em 1939 (vide Obras).
Juntamente com Raymond Furon e Victor Pérébaskine, é autor da Carte géologique de reconnaissane du Gabon occidental, na escala 1:1.000.000, realizada em Missão da “Société Anonyme de recherche et d’exploitations minières en Afrique Française Equatoriale”, publicada em 1931 (Vide Obras), bem como de vários outros trabalhos, alguns publicados posteriormente ao seu regresso à Europa.
Brajnikov adquiriu malária no continente africano, e com frequência sofria a recorrência dessa doença.
Diz ainda Azevedo que, de regresso à França, Brajnikov “foi assistente do Instituto de Climatologia e na Escola Superior de Minas, dedicando-se a estudos de Petrografía de sedimentos e Pedologia”. O Instituto – que estava integrado ao Centro Nacional de Pesquisa Científicas e à Escola Superior de Minas, pertencia à Sorbonne (Universidade de Paris).
Parte das informações de Azevedo sobre Brajnikov é ratificada em um rodapé no Anuário Fluviométrico de 1945, do Ministério da Agricultura do Brasil (Belo Horizonte, 1 (6): 93-107, 1945), no qual é dito mais que, “depois de ter trabalhado dois anos em prospecção de minas nas colônias francesas da África, ele especializou-se em petrologia de rochas sedimentarias e tectônica, dois assuntos que constituíram sua tese de .doutorado pela Sorbonne em 1938”.
Boris Brajnikov desenvolveu vários trabalhos, sozinho ou em parceria, tanto no Instituto de Climatologia como na Escola Superior de Minas. Ele é frequentemente citado como o precursor inconteste da identificação dos minerais dos flints (argiles à silex) e dos silts, a partir de seus estudos da Bacia de Paris, o principal deles Recherches sur la formation appelée “argile à silex” dans le Bassin de Paris. [2 partes], de 1937, que constituiu sua tese apresentada à Faculté des Sciences de Paris (Sorbonne), para obter o título de doutor pela Universidade, em 1938 (vide Obras).
Após seu doutoramento em 1938, Brajnikov passou a integrar a equipe do Laboratoire de Géographie Phisique e Géologie Dinamique que, juntamente com outros laboratórios da Sorbonne, foi integrado ao Centro Nacional de Pesquisas Científicas com sede no mesmo edifício, em fins de 1939. O Centro Nacional contratava pesquisadores e lhes oferecia condições melhores de trabalho e mais liberdade, sem a burocracia do Ministério da Educação Nacional.
No prefácio do livro “Techniques d’études des sédiments et des eaux qui leur sont associées”, do qual Brajnikov é um dos autores (Actualités scientifiques et Industrielles, n. 952 – Paris, Hermann & Cie.- 110 p.), o criador e chefe do Laboratório de Geografia Física e Geologia Dinâmica, o famoso naturalista Jacques-Paul Bourcart diz: “MM. Boris Brajnikov, Claude Francis-Boeuf et Vsevolod Romanovsky são meus colaboradores mais próximos e por muitos anos; eles estão aqui, dividindo o trabalho. Mas a homogeneidade não é menor, porque eles formam uma verdadeira equipe”.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 31-10-2009.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Boris Brajnikov - com notas sobre Eugênia Miller Brajnikov. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.