Virgindade Anti-Hygienica

Hoje: 16-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

TRANSCRIÇÃO DO LIVRO (respeitadas a pontuação e a grafia originais):

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Ercília Nogueira Cobra

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VIRGINDADE ANTI-HYGIENICA

PRECONCEITOS E CONVENÇÕES HYPOCRITAS

.o.

EDIÇÃO DA AUTORA

(data manuscrita: 1924)

Divinum opus est
sedare dolorem.

PERMITA LEITOR!

Estive em Buenos Ayres e notei na imprensa de lá uma forte rajada de idealismo e de vontade de educar o povo pela propaganda de ideas tendentes a melhorar a situação da mulher. Infelizmente a nossa imprensa ainda está no periodo de infantilidade, que consiste em encher paginas e paginas de jornaes com elogios a personalidades que no momento estão com a chave do thesouro. Das nossas revistas só “Revista da Semana” e uma ou outra que deve existir, são as unicas que, como as outras, não entretém os leitores com themas como estes. “Está na berlinda a Sta. X… “Por causa dos olhos a Sta. Y… “Por causa da bocca a Sta. A.” etc.

Isto, paginas e paginas, columnas e columnas. Si se falla da mulher é para mandal-a fazer doces. Da alma, do espirito, da educação não se trata. A mulher nasceu para ser mãe.” Este é o chavão com que cabeças vasias de ideias enchem (5) papeis impressos. Não será tempo do nosso jornalismo despertar e desviar os olhos das arcas do thesouro voltando-os para o povo que anda por ai completamente imbecilisado?

Olhem a China!

AO PÚBLICO

Foi apreendido o livro “Virgindade Anti-Hygiênica”.

Para que o público saiba do que se tratta, dou um resumo do assumpto.

A these que defendo é a seguinte: noventa por cento das mulheres que estão nos prostíbulos alli não cairam por vicio, mas por necessidade.

Si os paes destas desgraçadas em vez de as obrigarem a guardar uma virgindade contrária as leis da natureza lhes tivessem dado uma profissão com a qual ellas pudessem viver honestamente, ellas alli não estariam.

A honra da mulher não póde estar no seu sexo, parte material do corpo que não pode se submeter a leis; deve estar como a do homem no seu espírito, no (<p.6) seu moral, na parte honesta do seu ser, que a consciência.

A mulher que teve intercurso com homens sem ser casada, é tão honrada como o homem nas mesmas condições, uma vez que ella tenha uma profissão e viva honestamente do seu trabalho.

O meu livro foi escripto com o unico fito de mostrar o quanto é errada a educação que se vem ministrando à mulher. As milhares de infelizes que de Norte a Sul do país vendem o corpo para comer, foram levadas a este extremo pela própria imprevidência dos paes, que jamais pensam no futuro das filhas.

O meu livro foi escripto por piedade das escravas brancas.

O meu livro foi escripto pela indignação que me suffoca quando passo por estes antros espalhados pelas cidades onde as infelizes do meu sexo servem de pasto a concupiscencia bestial do homem.

O meu livro foi escripto pelo horror (<p.7) que me causa ver as criancinhas engeitadas pelas pobres mães que não têm coragem de enfrentar a sociedade barbara que as querendo fazer santas, fal-as prostitutas.

O meu livro foi escripto pela revolta da minha alma deante do bargbaro assassinio das creancinhass esquartejadas na sombra pelas próprias mães que procuram fugir à uma deshonra que só existe nas ideias dos homens egoístas e ferózes.

Peço s criaturas intelligentess que não façam côro com idiotas que dizem que o livro é immoral.

“O indivíduo mais intelligente deixa-se dominar pelos preconceitos, sem se lembrar que elles, os preconceitos, foram invenção dos imbecis.”

O meu livro “Virgindade Anti-Hygienica” só seria immoral si não houvesse prostibulo no mundo.

Mulheres, despertae!

Tende piedade das vossas irmãs que se (<p.8) vendem para comer. Um olhar para ellas! Si não é possível impedir a desgraça das que já cahiram, educae as mulheres de amanhã.

Reclamemos nosso 13 de Maio.

É tempo!

ERCILIA NOGUEIRA COBRA

NOTA: Este artigo foi escripto ao ser aprehendido o meu livro. Era destinado aos jornaes, mas nenhum o acceitou, nem mesmo na “Sscção Livre”.

NOTA DA SEGUNDA EDIÇÃO

Eis a segunda edição do meu livrinho. A primeira foi prohibida pela polícia. Não me foi possível vir pelos jornaes combater a arbitrariedade devido à situação anormal que atravessamos. O meu livro foi simplesmente acoimado de pornographico e aprehendido. Não se disse porque elle era pornographico…(<p.9)

E na cidade onde elle foi prohibido por tal, circulam jornaes imundos, verdadeiros diarios de “cocottes”, descrevendo festas de lupanares, fazendo reclame da frescura da carne das desgraçadas que são obrigadas a se venderem para a cópula, na ânsia de conseguirem um pedaço de pão!

Na mesma cidade circulam livremente livros da força de “Os Devassos”, “A Carne”, “O Arara”, “Dona Dolorosa”, “Como satisfazer os instinctos”, “O que é o fogo”, etc., etc. Não me é possível ennumerar todos. Da-me nausea atolar a minha pena neste charco onde a mulher é transformada em fêmea do mais egoísta e porco dos machos creados pela natureza.

Sou pornographica! Sou pornographica porque trato de mostrar qual é o papel representado há dois mil annos pela mulher. Mas, que culpa tenho eu dos homens terem estragado a natureza? Si eu por tratar destes factos sou porno- (10) graphica, que diremos dos livros de medicina que por ahi andam esparsos? São livros compostos nos paizes mais cultos. E quer o público que lhes conte um facto verídico, succedido comigo?

Este facto mostrará que a unica pornographia que existe é o mystério que se lança sobre o maes natural e INNOCENTE instincto da natureza humana. Senão vejamos. Era eu menina. Estava no collegio,. Collegio de freiras, tudo quanto há de maes severo a respeito de sensações carnaes. Apesar disto as educandas illudiam o captiveiro escrevendo-se mutuamente bilhetinhos amorosos e trocando pelos logares escuros beijos avidíssimos que nem sempre eram depositados nos lábios… Mas voltemos ao caso. Uma das minhas camaradas, que pela estatura reduzida estava ainda na classe das pequenas, deliciava-me a mim e a umas tres ou quatro amigas, no raconto de coisas vistas nas férias, na biblioteca do seu irmão médico. E o que maes divertia a pequena já (<p.11)taluda eram os livros de obstetrícia onde se trata do capítulo “partos”. Estes livros, abundantemente illustrados, que faziam a sua delícia a avaliar pelos pormenores com que descrevia as gravuras, quer-me parecer eram seus livros de cabeceira.

Pois bem, esta palestra quente de sensualidade, feita com requinte pela menina de quatorze annos, deixava-nos, a nós de onze e doze anos, na maior indifferença, quando eramos obrigadas por alguma “intempérie” a ouvirmos a conferencista durante todo um recreio.

Lembro-me perfeitamente a impressão que me deixavam aquellas descrições exquisitas. Era apura indifferença. E de tal grau estas indifferenças que eu, naquelle tempo catholica fervorosa, commungando todas as semanas, nem sequer me confessava ao padre daquellas reuniões clandestinas, quando é certo que uma vez, ao ter lesado por pura astúcia a uma freira que vendia imagens, dando-lhe duzentos reis por uma e surrupian(<p.12) do-lhe outra no valor de quinhentos, me ajoelhei aos pés do confessor chorei de tal modo que o pobre padre, julgando estar em frente de algum pecado pravíssimo, ou mesmo dum facto escandaloso, fez-me as perguntas mais indiscretas possíveis, vendo-se obrigado, quando ouviu a confissão do crime, a pedir a mãe superiora que lhe mandasse as confessandas por turmas onde fosse indicada a edade das mesmas, para evitar perder tempo com pueriliddes.

Para mim um beijo que “uma grande” me deu uma vez num corredor escuro, bem puxado e bem chupado, encheu-me mais de temor de Deus que as mil descrições exhoticas de partos naturaes e provocados. Porque o beijo me provocava alguma sensação aos dez annos, ao passo que o parto dava-me vontade de rir. Em todo caso, tratando da pornographia e para mostrar o que pode ella influir na boa ou má conducta do indivíduo, digo que a tal mocinha irmã do me (<p.13) dico saiu do collegio para se casar. Casou-se; é hoje uma senhora gorda, mãe de seis filhos. Ninguem lê no seu rosto molle a expressão do sensualismo que a fazia em pequena ler afogueada livros prohibidos. O marido, com ceteza, recebendo-a do collegio, julgou-a a mais pura e innocente das virgens. Deus me guarde! Os homens julgam-nos tolas e comem cada uma!…

Agora vejamos, influiu a pornographia dos livros no instincto reprodutor desta moça? Não. E porquê? Porque sendo uma ,moça rica, optimamente dotada, logo achou um homem que lhe quizesse satisfazer a natureza. E poderia ella ser a mais pura donzella, si fosse pobre, innocente e ingenua, que o conquistador mais indecente poderia com promessas de casamento atiral-a à prostituição depois de satisfazer seus instinctos, sciente de que não havia dote para sustentar a próle.

Já se vê que o conhecimento da natu (<p.14) reza não influe em nada nos escandalos sociaes. Logo, o meu livro não póde ser factor de dissolução. Este factor é a indifferença com que são educadas as moças às quais são negadas profissões remuneradas e limpas.

A AUTORA

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(<p.15)

(MAIS UMA PALAVRA..

Eu poderia, si quizesse, escrever um livro pornographico. Para isto não precisava imaginação nem estudo. Bastar-me-ia um lapis, um caderno de notas e a frequencia de certos logares – não pensem que tascas, “cabarets” e outros, não! Mas os grandes hoteis, os grandes chás, os grandes transatlanticos, isto é, o logar da aristocracia do dinheiro, dos reis do café, assucar, algodão, etc., que são tambem os reis do vicio, da immoralidade, que muita gente só atribue às “cocottes”, como si as “cocottes” não fossem regiamente pagas.

Mas não escrevo. Isto é, não escrevo já. Talvez collecione fichas. Talvez escreva mais tarde.

AOS LEITORES

“Qu’est-ce que que force l’individu à penser, à agir selon le mode du troupeau? Chez le plus grand nombre, c’est le gout des aises, la paresse. Les hommes sont encore plus paresseurs que craintifs et ce qu’ils craignent le plus ce sont les embarras que leur occasioneraient la sincerité et la loyauté absolues”.

Nietzsche

Este livro não tem pretenções literarias. O seu fim único é dizer verdades.

Tendo que tratar de assumptos (<p.17) escabrosos e não encontrando em escriptor nacional nada que se relacione com o que vou dizer, sou obrigada, para justificar minha opinião, a recorrer a uma das maiores, sinão à maior gloria literaria da França moderna – Anatole France.

Escudo-me nelle e só da grandeza da causa e do valor do patrono tiro coragem paraminha empreza

Uma qualidade peço, porém, me reconheçam: sou sincera:

“En matière de morale, les prescription qui ont perdu leur raison d’être, les obligations les plus inutiles, les contraites les plus nuisibles, les plus cruelles, sont, à cause de leur antiquité profonde et du mystère de leur origine, (<p.18) les moins contestéés et les moins contestables, les moins examinées,les plus venerées, les plus respectées et celles qu’on ne peut transgresser sans encoursir les blâmes les plus sèveres. Toute la .morale relative aux relations des sexes est fondée sur ce principe que la femme une fois acquise appartient à l’homme, qu’elle est son bien comme son cheval et ses armes. Et cela ayant cessé d’être vraie il en resulte des absurdités, telles que le mariage.”

“L’obligation imposée à une fille d’apporter sa virginité à son epoux vient des temps où les filles étaient epousées dès qu’elles étaient nubiles; il est ridicule qu’une fille qui marie à vingt cinq (<p. 19) où trente ans soit soumisse à cette obligation.

Vous direz que c’est un présent dont son mari,si elle en rencontre enfin un, será flatté; mais nous voyons à chaque instant des hommes rechercher des femmes mariées et se montrer bien contents de les pendre comme ils les trouvent.”

“L’ile des Pingouins”

Anatole France (<p.20)

I

“O ideal humano é fazer a felicidade de todos, é proporcionar a cada jndividuo a maior somma de bem estar, saúde e conforto economico.”

Mario Puito Serva

Do livro “Virilisação da raça”.

João Maria Guyau, philosopho francez (1854-1888), verberando sobretudo o catholicismo, cujos dogmas e praticas ha tanto tempo constituem um regimen terrorista com o fim de impôr-se á imaginação e á vontade, diz que o dogma (<p. 21) religioso; tendendo sempre a enfraquecer, desapparecerá no futuro inteiramente. A religião estará para a moral futura, como a alchimia para a chimica, e a astrologia para a astronomia.

Ora, como a escravidão em que jaz a mulher tira toda sua razão de ser dos dogmas e preconceitos religiosos, temos que futuramente a mulher será um ente liberto. Sendo assim, este livro quasi não teria razão de ser, não fosse o desejo meu de contribuir com um grãozinho de areia para que esta liberdade chegue o mais depressa possivel. (<p.22)

II

A VIRTUDE DE AFFIRMAR

“Tende a nobre coragem de desfraldar uma bandeira, de pelejar por ella, de vencer ou de morrer com ella…

Certo, para tanto não haveria mister, nem os lances de valentia, nem os prodigios de tenacidade que fizeram a fama e teceram a epopéa grandiosa dos desbravadores de nossos sertões. Não; outras epopeas – outros idéaes; outras gentes, outros processos. (<p. 23)

Affirmar sem bravatas. mas affirmar com sincendade.

Affirmar pela palavra, mas principalmente affirmar pela acção

Altino Arantes.

Dum artigo da revista “Novissima”.

Em geral, o que se vè por ahi em relação aos direitos humanos é o seguinte: para as mulheres, os deveres, os trabalhos mais irritantes, mais humilhantes. Para os homens, os prazeres, a figuração e os trabalhos mais delicados: empregos publicos, directorias de escolas e de bancos, etc..

Ás mulheres, quando conseguem casar e constituir familia, incumbe zelar pela cozinha, pela lavanderia, pela rouparia, todos os serviços, em (<p. 24) fim pequenos, mas mais exasperantes, de uma casa.

Serviços que uma bôa governante faz por modico preço. Serviços domesticos muito bons para quem não possue outros prestimos.

No meio operario é horrivel o que se vê. A mulher, além de ir à fabrica, tem que cuidar da casa e dos filhos.

O marido, ao chegar em casa acha a comida feita; come e vae sentar-se á fresca para fumar. Descança, e a mulher não.

Mas na fabrica o ordenado da mulher é inferior ao do homem…

Nas fazendas o que se observa é de arrepiar.

O serviço sendo muito mais pesado, causa pasmo a contemplação (<p. 25) de entes humanos cumprindo obrigações de bestas de carga.

Quem primeiro se levanta de madrugada, e quem se deita por ultimo á noite é a mulher. Mesmo gravida trabalha até á vespera de ter o filho. (<p.26)

III

O que mais horrivel torna a dependencia da mulher ao homem é a sua impossibilidade de trabalhar em industrias lucrativas por falta de educação technica.

E esta falta de preparo especial é uma das causas que mais contribuem para a inferioridade em que se encontra, em relação ao homem, em qualquer especie de luta para a conquista do pão.

É tambem uma das grandes causas da prostituição.

Quem entra num bordel e captiva a confiança das mulheres conse- (<p. 27) gue ouvir pequenas confidencias que muito esclarecem o caso. Muita gente pensa que todas as mulheres que se encontram nesses logares de infamia são deprevadas. É um puro engano. Ha alli optimas mães. Ma muitas que envidam todos os esforços para bem educar os filhos, quando os têm, ou que estabelecem pensão para o sustento de irmãos menores. Muitas vezes consegui que algumas dellas me contassem suas miserias e em conversa Lhes perguntei porque não trocavam aquelle ambiente de desmoralização pelo trabalho honesto. A resposta era sempre a mesma: “Não tenho officio. Si sahir daqui só poderei ser creada de servir. E talvez nem isto poderei ser com socego. Sou muito moça e o deboche entre (<p. 28) os creados é enorme, quasi o mesmo que aqui. A unica differença é que é gratis”.

Não têm officio, eis a grande questão. Parece incrivel, mas, é verdade. Essas moças são em grande parte filhas de pequenos lavradores, modestos commerciantes, cuja morte subita ou fallencia reduz a familia á pobreza.

Ora, como o criterjo seguido para a educação da mulher é o das poucas letras e nenhuma profissão, estas coitadas, encontrando-se da noite para o dia sem amparo, caem nos braços do primeiro libertino que encontram ou da primeira cafetina que se apresenta. (<p. 29)

IV

A educação que se vem dando á mulher desde a idade Media deve-se attribuir o estado precarjo da sua saúde e a consequente degenerescência da raça humana, sobretudo no Brasil.

E’ logico.

Ninguem se lembra de cuidar da arvore que dá o fructo humano.

Educa-se a musculatura masculina, fundam-se centenas de clubs esportivos para os homens, mas, Si a mulher sae a campo para tomar parte em qualquer jogo, lá vêm os moralistas de chinó, sensualistas (<p. 30) …..elhos, que não podem ver uma perna de mulher sem ficarem excitados, lá vèm elles, os tartufos a berrar em nome da moral.

Em nome da moral praticam-se infinitas immoralidades!…

Cuida-se de tudo quanto diz respeito à elevação moral do homem e ao seu preparo para a luta pela existencia; á mulher, quando se lhe escolhe um collegio, é um convento.

Ó curta mentalidade dos pais! Mandar para um collegio de reclusas creanças que deverão mais tarde viver no torvellinho humano! Enviar para a casa mystica, onde se sonha, creanças que deverão viver em plena vida, onde se luta e soffre! Confiar a irmãs religiosas completamente desinteressadas do mundo, creanças que deverão pal (<p. 31) milhar os asperos caminhos da terra!

E extranham o nervosismo das mulheres…

E boquiabrem-se admirados deante da falta de tino pratico das filhas de Eva…

Plantam flôres de estufa e querem colher fructos vulgares de alimentação!

Querem que uma menina anemica, resultado de uma reclusão de annos e annos em collegios completamente leigos em coisas praticas, entre para o mundo e seja capaz de comprehender a engrenagem terra-a-terra e complicadissima da vida.

E admiram-se da futilidade da mulher!

E riem-se da infantilidade com que ella se lambuza de pinturas.(<p.32)

Obrigam a mulher permanecer menor durante toda a vida por falta de uma instrucção. que a faça conhecer o mundo, Fazem com que ella seja obrigada a se submetter a uma tutela aviltante por parte de homens que muitas vezes lhe são inferiores intellectualmente.

Mas, si já está mais que provado que o cerebro não tem sexo e que o individuo humano é um producto do meio e da educação, como exigir mentalidade consciente. de um ser cujo cerebro é imbecilizado paulatinamente, mercê de uma educação que obedece aos mais estupidos preconceitos?

Allegam a inferioridade da mulher.

Esta inferioridade só poderia ser provada si a mulher fosse educada (<p. 33) em condições de egualdade com o homem.

Inferioridade na materia dos tecidos que formam o corpo humano, não ha nenhuma.

A anatomia da mulher é perfeitamente egual á do homem. Nas escolas estuda-se anatomia humana e não anatomia feminina ou masculina, sepradamente. A differença única está no sexo.

Mas ninguem pensa com o sexo!

Pensa-se com o cerebro e este, está demonstrado á saciedade, é da mesma massa na mulher e no homem.

Voltando a fallar na differença existente nas partes sexuaes, podemos argumentar contra os homens com as mesmas palavras de que elles se servem para argumentar (<p. 34) contra a mulher. Assim, erigindo esta em padrão de superioridade da obra da natureza, diremos: o homem é sexualmente differente da mulher, lógo elle lhe é inferior. Como vêem, é uma lamina de dous gumes.

Dando como exemplo os mamiferos domesticos, faceis de serem observados, vê-se que, em virtude de sua creação livre de preconceitos, feita nos campos em perfeita egualdade de condições, são elles perfeitamente eguaes em tamanho e intelligencia, só se distinguindo pelo sexo. Exemplo: o touro e a vaca, o cavallo e a égua.

Só podemos distinguir-lhes os sexos examinando as respectivas partes sexuaes.

Em tudo mais são perfeitamente (<p. 35) eguaes, nos ossos, nos musculos, nos nervos, na massa encephalica, etc.

E o homem das cavernas não devia ser mais differente da mulher coeva que hoje o macaco da macaca.

Ainda agora as pernas cabelludas de algumas mulheres e o bigode quasi impossivel de disfarçar, assim como um principio de barba rebelde á pinça, são os melhores testemunhos e os unicos insuspeitos, porque materiaes.

Hoje, a differença que ha entre uma mulher é um homem, devida á educação, já é notavel nos paizes quentes, sobretudo no Brasil. O musculo da mulher latina tende a desapparecer. Quem pega num braço de mulher gorda tem a sensação de estar pegando uma posta de car (<p. 36) ne. Não sente resistencia nenhuma.

A natureza faz tudo muito bem. O homem estragou tudo com o seu egoismo.

Sinão, vejamos:

A natureza fez o macho muito mais bello que a femea. O fim que ella tinha em vista era conservar a belleza da raça. Assim, vemos o leão, o pavão, o peru e outros, .muito mais attrahentes que as femeas respectivas.

As femeas dos animaes têm horror aos machos que não apresentem garbo especial.. Um gallo de pennas já um tanto duvidosas é tratado com o maximo desprezo pelas galinhas.

Tanto assim que a selecção é rigorosa por parte dos criadores. Como a major parte dos animaes ma (<p. ) chos vae para o açougue, o que é escolhido para dar a raça é o mais forte, o mais sadio possivel.

Em caso contrario as femeas negam-se a se lhes submetter.

Mas o homem achou que o bello devia ser apanagio da femea e qualificou as mulheres de bello sexo, sexo fragil.

Interessantes, os homens! Gritam por ahi em todos os tons que a mulher é o sexo fragil e não póde submetter-se ás duras lutas da vida. Depois, fallando da propriedade gestadora da mulher, propriedade que a faz, quasj só; arcar com o mister de povoar o solo, desdizem-se de tudo e affirmam que sendo o parto o suprasummo das dôres supportaveis pela humanidade, a mulher é uma heroina, uma santa e (<p. 38) um ente fórte. E’ o caso de se lhes perguntar, em vista do conhecimento com que fallam da causa, Si algum dia já pariram.

Por fallar de força e de luta pela vida é bom observar que entre os animaes a femea~ se desencarrega perfeitamente bem da missão de sustentar seus rebentos. As carnivoras vão á caça. A leôa é tão feroz como o leão e a tigre como o tigre.

A gata ensina seus pimpolhos a caçar. Mas não lhes ergue o rabo para ver a que sexo pertencem e fazer com que a femea fique em casa. A gallinha cria seus pintos sózinha. Só entre os homens é que se estabeleceu graças a mil convenções estupidas, a supremacia do macho.

Estou citando os animaes como (<p.39) exemplo, para chamar a attenção de certos beocios que gostam de fallar das cousas mais materiaes, de naris para o ar, fitando as estrellas e inventando os maiores disparates. Mas aqui deixo escripto e bem alto o proclamo, que si de facto a mulher fosse physicamente inferior ao homem, e tivesse egual a elle apenas o cerebro, eu não esmoreceria, e prégaria a sua independencia do mesmo modo, com o mesmo enthusiasmo, com o mesmo ardor.

Nao é a força que governa o mundo; É a intelligencia. E neste ponto ninguem poderâ erguer a voz contra a mulher. Apezar, dos constrangimentos e da inferioridade da educação que durante seculos ella vem recebendo, não faltam nomes de mulheres illustres no campo das ar (<p.40) tes, campo unico onde ellas têm podido competir com os homens, e assim mesmo só em tempos relativamente modernos, pois que em outras éras nem educação artistica llhes era dada.

Si fosse a força que governasse o mundo, o poder estaria no casco das bestas.

David matando Golias é um symbolo.

As martyres christãs, frageis como lirios, iam para o supplicio com a mesma coragem com que os legionarios, cobertos de armas, marchavam para a guerra.

Por fallar em guerra, a desculpa com que os homens fogem da discussão, ao negar â mulher direitos eguaes, é a da divida de sangue.

Mas algum dia alguem chamou (<p. 41) as mulheres ás armas? Houve em alguma parte do Brasil a lel do sorteio militar para as mulheres? E quem diz que si vier esta lei a brasileira fugirá de cumpril-a, como têm feito os homens, segundo attestam os jornaes?

Ha alguem que se atreva a acoimar a mulher de covarde, depois das milhares de provas – dadas nos campos de batalha da Europa, conduzindo caminhôes cheios de feridos e mantendo-se firme no posto de enfermeira, apezar do estourar das bombas? E note-se que tudo isto ella fez por pura dedicação, pois, nada mais facil lhe seria do que cruzar os braços e dizer que, não sendo eleitora, isto é, cidadão com direitos de intervir na politica do paiz, (<p. 42) nada tinha com a guerra, producto da diplomacia masculina…

Quando em 1920 estive em França, vi mulheres dando o braço a verdadeiros monstros, figuras horrendas creadas pela expiosão das granadas. Mas, ao lado delles, como se estivessem em contacto com Adonis, ellas caminhavam cheias de ternura.

Tanto deu na vista a generosidade destas mulheres; é que hoje quasi geral na Europa a acceitação da mulher eleitora. Cuida-se da sua elevação moral. Trata-se de preparal-as para a vida e de dar-lhes uma profissão, com a qual possam sustentar-se e aos filhos, caso os tenham. Ha ainda um grande movimento para dar ao filho o nome da mãe.

A significaçao injuriosa da phra- (<p. 43) se “filho da mãe” tem que desapparecer. É injusta. É cruel. É anti-humana. É perversa. É tudo quanto é perverso, anti-humano, cruel, injusto, cahirá.

Pouco a pouco a humanidade desperta e começa a vêr claro. Não está longe o dia em que outro criterjo será seguido para educar a mulher Causa espanto observar que sua educação é, com pouca differença, a mesma de muitos seculos atraz. Ella tem, a pear-lhe o surto progressista, as mais duras amarras, compostas das convenções mais odiosas.

Quem aceitará hoje, no conforto moderno da sua casa, uma illuminação feita com a antiga lampada de azeite ou com o detestavel candieiro de kerozene? (<p. 44)

Estamos na epoca da sciencia, na epoca da hygiene, na epoca do asseio, tanto physico como moral. O livre exame campeia universalmente.

Abaixo, pois, a hypocrisia. beata da Idade-Media! Abaixo as cabelleiras caspentas e mal cheirosas! Para traz com a tréva. O homem ja se libertou. Chegue a vez da mulher. Queremos o nosso 89! Queremos o nosso 13 de maio!

Basta de resignação! Basta de humilhações! Queremos ser gente! Queremos occupar nosso logar na terra!

A mulher precisa aprender a trabalhar em coisas rendosas. Precisa comprehender que a collocação de um individuo no mundo é cousa muito seria. Não se trata só de sa- (<p.45) tisfazer um prazer. Essa pequena massa de carne, que ao nascer apenas se move será o cidadão de amanhã, será, si não tiver protecção na infanaia, o galé, o deportado, o ladrão, a prostituta, que irão encher as cadeias, os prostibulos e os hospitaes. A mulher precisa saber que o acto de abandonar o filho é o mais perverso que possa ser praticado por uma creatura humana O engeitado é o expoente vivo da major iniquidade que se póde praticar na terra.

Nada justifica o abandono de uma creança.

A mulher que não tem meios de vida não deve ter filhos. Si o homem a solicita e si ella quer corresponder ao seu affecto, ou si ella é uma sensual e deseja descarregar (<p. 46) certos effluvios malsãos que a incommodam, sirva-se do homem com cautela. Ha milhares de meios de evitar a concepção. Hoje em dia só concebe quem quer. Ora, a creança, não tendo pedido para vir ao mundo, é uma perversidade obrigal-a a tomar parte na vida como um pária. Pôr um ente no mundo, só para soffrer, é um crime. A creança não deve nada á mãe. Quem affirma o contrario tem uma idéa erronea da justiça.

Nas fazendas onde as próles são de espantar, chegando muitas mulheres a terem um filho por anno, a idéa predominante é a dos tempos romanos. Os paes têm todos os direitos sobre os filhos. O pae chega em casa bebado e espanca a mulher. Esta, não tendo no que descar (<p. 47) regar a raiva, por sua vez, bate nas creanças.

Conheci um colono, viuvo com duas filhas, que pegava uma dellas anarrava-lhe os pulsos e a pendurava da trave do tecto, afim de castigal-a por infantilidades minimas. Essa moça encontrei-a depois de muitos annos num prostibulo; Fugira aos máos tratos do progenitor.

Observando os habitos que em geral reinam nas camadas inferiores, entre as mulheres do povo, lembro-me das vaccas.

Já viram como fazem as vaccas com os bezerros? Quando os bezerros nascem as vaccas lhes dão todo o carinho: lambidas, cheiradelas e o mais.

Passam-se uns mezes e um bello dia as carinhosas mães começam a (<p.48) negar lhes tudo e a da-lhes de chifre si elles insistem em seguil-as e vão fazer outro bezerro. É por isto que os açougues têm carne.

Dizem que a missão da mulher é santa.

Antes de nos pormos de accordo com esta opinião deviamos fazer a estatistica de quantos prostibulos, de quantas cadeias, de quantos engeitados ha no Brasil.

Não! e não!

A missão da mulher só será santa no dia em que ella, collocando um novo ente no mundo, possa ser como o seu anjo da guarda. No dia que ella tiver a certeza de que se por acaso faltar á sociedade, esta cuidará do orphão; no dia em que ella, cansada de esperar uma protecçao que o homem sempre lhe ne- (<p.49) gou, puder levantar a cabeça e tomar sobre si o encargo de crear os filhos. Enquanto houver um prostibulo no Brasil, a missão da mulher não será santa. É impossivel á mãe advinhar se aquella menina linda que com suas mãosinhas a acaricia, não será mais tarde uma desgraçada na vida…

Toda creança do sexo feminino que nasce é uma escrava futura. Escrava do pae, do marido ou do irmão. Poucas mulheres de espirito forte resistem aos preconceitos. Quasi todas curvam-se medrosamente deante delles.

E as poucas que resistem vivem em guerra aberta com a sociedade.(<p.50)

V

Até hoje, que tem sido a mulher?

–Um dote, um engodo para os homens alcançarem altas posições quando são ricas; carne para os homens cevarem seus appetites bestiaes, quando pobres e bellas; solteironas votadas a todos os ridiculos, á ironia dos caricaturistas e dos humoristas faltos de assumpto, quando pobres e feias.

Mas a mulher é um ente humano! Tem direitos naturaes, soffre e não póde continuar a servir de tapete para os pés dos homens.

Os preconceitos bolorentos têm (<p. 51) que cair É forçoso que cáiam. O mundo não vae sem piedade para com a mulher, a secular escrava branca. O adiantamento da civilização não permitte que se continue a. seguir uma moral podre em seus fundamentos.

A lei que rege os destinos humanos baseia-se na evolução, na mudança, no progresso. O que era moral ha seculos, é hoje puro attentado aos principios liberaes da epoca em que vivemos.

Quem admittirá hoje um escravo em sua casa? –

Quem consentirá hoje que se queime uma creatura humana na praça publica? Quem admittirá hoje uma instituição inquisitorial? Ninguem! Ninguem!

Mas a moral que rege os destinos (<p. 52) da mulher é a mesma desses tempo (sic) barbaros. A mesmissima.

Materializemos com um exemplo as nossas affirmações. Fallemos da honra da mulher.

Todo o mundo sabe onde está collocada a honra da mulher.

Não é segredo para ninguem que a honra da mulher, o seu caracter, o seu idealismo, a sua consciencia, todos os sentimentos, emfim, que a distinguem da vacca ou da cadella, foram collocados, por convenção do homem, justamente na parte do corpo que mais a approxima desses animaes.

Sim, senhores! Os homens, no afan de conseguirem um meio pratico de dominar a mulher, collocam-lhe a honra entre as pernas, perto do anus, num logar que, (<p. 53) quando bem lavado, não digo que não seja limpo e até delicioso para certos misteres, mas que nunca jámais poderá ser séde de uma consciencia.

Nunca!!!

Não se controlam sensações physicas.

Não se póde collocar a honra, uma coisa abstracta e ideal, no logar menos nobre do animal racional.

Seria absurdo! Seria ridiculo, si não fôsse perverso.

A mulher não pensa com a vagina nem com o utero.

Com estes orgãos ella sente sensações agradabilissimas, é verdade. Com estes orgãos, quando os faz. funccionar, ella goza os prazeres unicos que dão forças ao individuo (<p. 54) para supportar as tristezas da vida. Por meio destes orgãos ella desfalece de prazer, mas justamente porque são séde de sensações physicas, sobre elles não póde pesar lei nenhuma alheia á lei da natureza. (<p. 55)

VI

O ente humano póde conseguir pela educação chegar a não matar, não roubar, não metter o dedo no nariz; nunca poderá, porém, deixar de comer, de beber ou de satisfazer seus desejos sexuaes sem grave risco para a saude.

As sensações de fome, de sêde e de necessidade de gozo, justamente porque são as que garantem a conservação do individuo e da especie, são de uma violencia contra a qual as leis moraes, os anathemas e as convenções nada podem.

Diz A. Wistrand, na rua (sic) “Histo- (<p.56) ria das casas de tolerancia”: “Il faut bien souvent attribuer le suicide, l’onanisme, l’aliénation mentale, la folie, des accès de fureur, l’imbecilité, l’hysterie, les spasmes, etc., au besoin sexuel non satisfait”. Os expedientes absurdos, os meios nojentos de que servem para enganar os desejos sexuaes não satisfeitos, outro medico, o doutor Binet Sanglié os denuncia francamente: “Combien de fois n’ai-je pas été tenté r’arracher le masque de certaines femmes reputées vertueuses et de crier aux injaussées: Vous n’avez pas d’amant, Angèle, mais chaque soir, sur un siège different – ainsi le veut votre fantaisie – vous donnez à vous mème le plaisir que donne un amant.

Vous n’avez pas d’amant, Julie, (<p.57) aux pupilles vilatées (sic) aux paupières eternellement battues, mais jusqu’à cinq fois par jour, vous chevouchez, dans le mème l’acoondoir (sic) d’un petit fauteil.

Vous n’avez pas d’amant, Hélene, mais un jour parlant à Mme. X de votre amie Agnès qui porte un grand nom vous avez en riant, prononcé cette phrase: “Agnès a de vilaines lièvres, mais elles collent si bien!”

Vous n’avez pas d’amant, Jean-nette, mais si les chiens savaient parler la langue de notre King-Charles nous en dirait long sur votre vertu. .-.

Vous n’avez pas d’amant, Elise, mais au cours d’une traversée, une dame entrant dans votre cabine et soulevant le couvercle d’un coffre fut suffoquée en constatant que vos (<p. 58) dix-huit ans s’amusaient d’un phallus artificiel.

Elise qui n’a point d’amant n’est ainsi plus vierge, mais vous, Yvonne, qui soyez intacte, vous avez pourtant un amant. Vous vous épuisez rèciproquement à vous donner la phtisie. Oh, c’est bien un bacille qu’on trouva dans votre salive, Yvonne à la bouche si petite qu’on la comparait à vos yeux.”

Taes são os factos authenticos, diz Binet-Sanglié, que me veem a memoria cada vez que mulheres casadas, reputadas virtuosas porque tiveram dote para comprar mn marido, estigmatizam deante de mim as corajosas que acceitaram o amor livre (<p. 59)

VII

Em geral as moças ricas casam se aos dezesete ou dezoito annos.

Hoje em dia todo homem que se casa faz questão do dote e os que são abastados, para os quaes o dote não é necessidade, preferem ter amantes. Seguem a natureza. Damos-lhes razão.

O casamento como está instituido é uma cousa barbara, pois é entregar uma moça a um homem que ella apenas conhece de vista. Vamos dar um exemplo que concretise o facto: Se alguem recebe de outrem um fruto desconhecido, mas (<p.60)

de bella apparencia, prova-o e se não gosta ou Ihe acha sabor enjoativo, atira-o fôra.

A mulher casa-se sem provar o noivo e muitas vezes convence-se, já tarde, de que não era elle o seu ideal. Não Ihe é possivel, porém, atirar o marido fôra.

Fica com elle. E ahi temos sua vida inutilizada.

Quando a mulher é rica, ha o remedio da annùllação do casamento. Mas si é pobre, uma vez annullado o casamento, do que vae viver, se não tem profissão? O remedio é soffrer toda a sorte de humiIhaçôes.

Os engraçados, para quem pimenta nos olhos dos outros não arde, aconselham a resignação…

Sim, senhores! Aconselham que a (<p.61) mulher. sacrifique toda a sua vida, todos os sens ideaes para que se não desmanche o edificio social construido com o fim unico de favorecer o commodismo, a depravação, as paixões baixas dos senhores homens!

Uma pobre moça, completamente desconhecedora da perversidade dos machos, acredita-lhes nas juras e entrega-se-Ihes sob promessas de casamento. Dois ou tres mezes depois é abandonada ignobilmente, quasi sempre gravida, e atirada aos enxurros da vida, tudo para satisfação do miseravel preconceito de que a mulher que cohabitar com um homem sem ser casada se deshonra.

O acto sexual se passa da mesma forma, sendo ella casada ou não; (<p.62) mas os grandes pandegos moralîstas inventaram que não sendo casada està ella deshonrada e acabou-se. Os moralistas o proclamaram e està fechada a questão.

O que toma mais cruel o abandono da mulher seduzida é o encarniçamento dos paes. Transformam-se em féras. Expulsam de casa a filha, como se não fossem elles, com a educação inepta que Ihe deram, os verdadeiros culpados. Em vez de ensinarem-na a trabalhar, em vez de lhe mostrarem a vida tal qual é, encheram-lhe a cabeça de idiotices e noções erroneas, incapacitando-as para a vida independente. E, depois, como a moça não pode e não sabe lutar contra a corrente… rua! Que se fomente!

É uma infamia este procedimen- (<p.63) to; é de uma iniquidade, que clama aos céos!

O que mais faz crescer nossa indignação, é o facto da creança, que nasce completamente innocente, ter de pagar toda a culpa que não cometteu.

Para metter remendos e disfarçar tanta tristeza; criam-se os asylos; criam-se casas de caridade, que as mais das vezes são antros onde a fome reina.

A mulher não precisa de caridade!

A mulher precisa de justiça, de equidade e educação. Dêm-lhe isto, e podem depois deixal-a sozinha no mundo, que ella saberá defender-se e, si tiver filhos, cuidará delles muito melhor do que actualmente, sob o odioso regimen vigente no qual (<p.64) o homem Ihe dá uma magra protecção em troca de desgostos e humilhações incontaveis.

Milhares de annos de servidão deixam marcas no caracter e o deprimem. Não foram os escravos no .Brasil que proclamaram a sua hberdade; foram os homens livres.

No Brasil, o desprezo pela mulher e pela creança chegou ao auge. Não póde ir mais adiante. Para prova disto citamos os jornaes, cuja linguagem benevolente finge um liberalismo que os nossos homens estão longe de possuir. Elles não trepidam em fallar da mulher e da creança como se esses dois entes, que representam importantissima parte da nação, não fossem mals que meros trapos. :

Tenho aqui á frente, sobre a se- (<p.65) cretaria, recortes de noticias com taes desafôros a respeito da mullier que me dão vontade de esbofetear quem os escreveu.

Assim, por exemplo, tratando da gréve dos tecelões, que está deixando na maior apertura e miseria pobres operarios cheios de filhos, um jornal teve o desplante de dizer: Os grevistas são na maioria mulheres e creanças, como si quizesse com isso acalmar os industriaes. Como si dissesse – são mulheres e creanças, não ha perigo; são seres fracos que morrerão de fome antes de commetter qualquer violencia.

Outra foîha, em letras garrafaes, estampa: Mais um infanticidiol Mãe desnaturadal Até onde póde ir a pervqssidade da mulher! Como si (<p.66) não tivesse sido melhor para a propria criminosa que sua mãe a tivesse matado logo em pequenina…

O soffrimento da mulher cansada pela fereza dos preconceitos é tal, que o acertado seria que as mães matassem as creanças do sexo feminino logo ao nascer. Ao menos assim a desgraçada. morreria só uma vez. Façam isso todas as mães e deixe-se o mundo para os homens, uma vez que só a elles pertencem todos os bens terrenos…

Outro jornal narra, com requinte de crueldade e grandes titulos illustrativos: Mulher assassinada. Paixão funesta. A decahida Sebastiana Carlos Magno farta de receber máus tratos de seu amante José Fontainha, abandonou-o. Hontem, tendo ella ido a um theatro, o amante es- (<p.67) perou-a numa esquina e deu-lhe cinco tiros de revolver, deixando-a morta. Feito isto entrou num café sendo então preso por um guarda que assistira á scena.

Alguem póde objectar que elle foi preso. Sim, foi preso, mas o jury, composto só de homens, o absolverá firmado na dirimente da privação de sentidos, a grande porta falsa da impunidade entre nós. Os jurados são homens e camaradas. Demais, todos os homens, por mais instruidos que sejam, vêem sempre na mulher um ente inferior a elles.

A humanidade para o homem não é composta de seres de sexos differentes mas de mentalidade e sensibildade perfeitamente eguaes; a humanidade para o homem é, em primeiro logar e sempre o homem; (<p.68) com o fito de distrahil-o (sic), a natureza inventou a mulher, as flôres e a musica, coisas deliciosas que o pacha gosa em quanto lhe appetece e depois deita fóra.

Da creança, então, nem se cogita. É nulla a sua importancia hoje.

Leia-se este caso triste publicado pelos jornaes: Uma menina para não separar-se da mãe suicidou-se!

– Ha annos é casado com Maria da Silva Gomes o operario Manoel Gomes, tendo o casal varios filhos menores.

Manoel, de certo tempo para cá, começou a beber e abandonou a familia.

A pobre esposa, lutando com mil difficuldades, começou a trabalhar para a manutenção dos seus. Ha dias recebeu recado do esposo di- (<p.69) zendo esiar resolvido a ir buscar a sua fllha Adelia de 14 annos de idade.

A pobre mãe, com medo do perverso, mudou-se para o Meyer, pensando ficar lá mais segura. Mas tendo sido descoberta pelo marido, que insistia em tirar a menina, esta, horrorizada com a idéa de ser obrigada a seguir o pae, fechou-se no quarto e ateando fogo ás vestes embebidas de kerozene suicidou-se, deixando o seguinte bilhete apprehendido pela policias (sic) “Mamãe. Não chore por mim. Mato-me lembrando-me que me ia separar da senhora. Adeus, querida mãe! Adelaide.”

A autora possue uma collecção destes recortes, verdadeiros espelhos onde bem se reflecte a alma perversa e completamente corrom- (<p.70) pida do homem. A mulher para elle é apenas a taça por onde sorve o prazer bestial, e se por acaso a mulher se lhe recusa, ou elle della se enfara, o punhal, o revolver ou a navalha entram em scena, com um desembaraço inaudito.

As leis que regem o destino da mulher são as mais iniquas possiveis. Leiam:

“Na vigencia do casamento, exerce o patrio poder o marido, como chefe da sociedade conjugal.

– A mulher que abandona voluntariamenle o lar conjugal não póde soccorrer-se da “separação de facto, para conservar em sua companhia os fuhos do casai”.

Aquelle “voluntariamente” dá-me vontade de rir e chorar ao mesmo tempo.(<p.71)

É odioso!

Como si uma mulher que tem filhos pudesse abandonar o lar, não obrigada pela força dos soffrimentos mais terriveis, mas apenas por capricho!

Os homens erigem-se em juízes e legislam do alto do seu egoismo, transformando os codigos em cadeias de ferro contra a independencia da mulher.(<p.72)

VIII

Os homens endeusam a mulher como mãe e esposa, exaltando nellas justamente as partes mais materiaes, as partes que são communs a todos os irracionaes.

E quando querem injurial-a é ainda a este ponto de ligação entre o racional e o irracional que reeorrem.

Exemplo, as. expressões: cadella, vacca, égua, que têm o sentido mais pejorativo possivel.

Inventaram os homens uma série de preconceitos dos mais iniquos, os quaes vêm desde seculos (<p.73) imbecilizando a mulher, que, (coitada!) coisa nenhuma pode fazer, nem dizer. Collocando-lhe a honra na parte menos nobre do corpo, tornaram-na uma especie de fantoche, em completa dependencia do homem e sem nenhum direito natural.

Fizeram della um ente completamente separado das leis naturaes que regem todos os seres da creação. De tal modo a manietaram que a mulher hoje em dia, salvo escassas excepções, é obrigada a viver de hypocrisias, disfarçando todas as suas sensações naturaes debaixo de um disfarce que seria imbecil si não fosse monstruoso. (<p.74)

IX

Uma mania que me revolta nas feministas é a de pregar a necessidade de uma lei que permitta investigar a paternidade nos casos dos filhos naturaes.

Ora, o melhor é deixar os homens em paz! Já esta mais que provado que elles têm um caracter perverso; que só procuram satisfazer seus appetites, e que fogem das responsabilidades que da satisfação desses appetites lhes possam advir. O que se deve fazer é educar as meninas nas realidades duras da vida pratica. O que é preciso é aca- (<p.75) bar eom o ridiculo costume de vendar os olhos das moças, atirando-as indefesas a um mundo que só conhecem atravez de romances lamechas, imbecis e piegas. O que é necessario é mostrar-lhes o homem tal qual é. O essencial é fallar bem claro ás moças; quando ricas, apontando-lhes os “almofadas” nullos, explicando-lhes que o que elles querem é o seu dote; quando pobres, dizer-Ihes sem rodeios que o que elles querem é o seu corpo, a sua mocidade, mas que si desse gozo resultar um filho, uma responsabilidade, elles fugirão. O que se deve pregar, é que se acabe de vez com esses romances mentirosos que andam por ahi enchendo de vento as cabeças das levianas; que se dê um “basta” aos idiotizantes folhetins (<p.76) dos jornaes. Realidade, senhores! Franqueza! Mostrem á mulher o mundo como elle é, e não como devia ser…

Expliquem-lhes, que, uma vez seduzidas e gravidas, si não quizerem. commetter o crime inqualificavel de abandonar o fllho, terão que mendigar, já que não sabem trabalhar. Ou então, que terão de ir augmentar o numero dessas infelizes que, para viver, vendem nos alcouces a sua pobre carne, á hora, como os taxis…

É esta a obrigação das mães: esclarecer as filhas. Deixem os homens em paz!

Basta de tanto rastejar aos pés da insensibilidade e da covardia!

Poltrões, os homens que sem coragem de collocar-se no mesmo pé (<p.77) de egualdade com as mulheres, com receio de serem vencidos, encouraçaram-se de leis e, amparados pela força armada, commettem as maiores barbaridades contra suas proprias mães e filhas!

Mulheres, despertae!

Abri os olhos e vêde ao redor de vós as milhares de companheiras, as que soffrem os maiores martyrios!

Piedade para tantas infelizes

E se nada é possivel fazer para libertar as que já se acham no lodo dos bordeis, preparae as mulheres do futuro. Fazei da mulher um ser consciente, que saiba resistir ao homem e pelo trabalho seja livre. (<p.78)

X

Li ha dias a transcripção dum artigo de revista sobre a vida da muIher chineza. Dizia que a mulher chineza é uma eserava e que o casamento na China consiste na compra da moça. Não sei si é verdade; si fôr, as chinezas são mais felizes do que as brasileiras. São eseravas, mas compradas, ao passo que aqui as mulheres compram maridos com o dote e ainda se escravisam a elles. Pagam para servir…

E o peior é que ha “almofadas” que exigem fortunas para consentirem que as mulheres lhes gozem a insipida companhia. (<p.79)

Todos os dias vemos homens sahidos do nada se arvorarem em millionarios da noite para o dia á custa do dote de uma ingenua menina a quem juraram paixão eterna, revirando romanticamente os olhos. A pequena, recem-sahida do convento, com a cabeça, cheia de cavallarias andantes e “Princes Charmants”, cáe como patinha, e quem lucra são as cortezãs a quem os homens distribuem com largueza joias e dinheiro.

E assim vivem as mulleres.

E numa população feminina já bastante numerosa como, é a nossa, vé-se esta coisa prodigiosamente injusta: para os homens, todas as protecções moraes, escolas, gymnasios, etc., para as mulheres, nada. (<p.80)

XI

A autora, que tem uma antipathia formidavel pelas reuniùes (sic) mundanas, pois é onde mais sobresáe a humilhação da mulher, frequentou as nossas celebres corridas…

Coisa repellente! Dum lado, cocottes escandalosas, e do outro, casadas e solteiras tolissimas. As duas hostes rivaes passeiam no (sic) intervalos,. e devoram-se com os olhos, não se podendo devorar com os dentes. Exposição ridicula, faltando apenas do lado das cortezãs cartazes com os dizeres: – “Valho tantos mil réis…” E do lado das can- (<p.81) dîdatas ao casamento: – “Dote no valor de tantos contos …

Em toda a cidade é isto que se vê.

No “triangulo”, das quatro da tarde em deante, é o rodar do prestito da offerta e da procura. É o “compra-se” e o “vende-se” descarado.

Coisa immunda!

Dividem as mulheres em classes. Em tropas, como bestas. Obrigam as mulheres, por falta de edueação profissional, a viverem do propno corpo. A venderem o goso. A sentirem na pelle o contacto de creaturas que as vezes, ou na maioria dos casos ellas odeiam. (<p.82)

XII

Ah! os philosophos têm razão!

Eis o que diz Nietzsche no seu. livro Além do bem e do mal: La puissance des prejugés moraux a penetré profondement dans le monde le plus intellectuel, le plus froid en apparence, le plus depourvu d’hypocrisie – et comme il va de soi, cette influence a eu les effects les plus nuisibles, car elle l’a entravé et denaturé”. Sempre! o madito preconceito!

Agora ouçamos Schopenhauer, o inimigo implacavel da mulher:

“Le nombre de femmes mariées (<p.83) est bien restreint et il y a un nombre infini de vieilles filles végetant tristement dans les classes élévées de la societé, pauvres creatures soumises aux plus dures restrictions, et dans les rangs inferieurs, pauvres creatures soumises a des rudes et penibles travaux. Où bien encore, elles deviennent des miserables prostituées; amenées par la force des choses, à former une sorte de classe publique et reconnue, dont le but especial est de preserver des dangers et des seductions, les femmes plus heureuses qui ont trouvé des maris ou qui en peuvent espérer. Dans la seule ville de Londres il y a quatre-vingt mille filles publiques; varies victimes, cruellement immolées sur l’autel du mariage.”

E Schopenhauer odiava as mu- (<p.84) lheres. Odiava-as e desprezava-as; negando-lhes todos os direitos e reputando-as inferiores aos homens. Era elle um ser superior, mas, conforme o dizer de Nietzsche, a força dos preconceitos exerce uma influencia das mais tyrannicas e torna hypocritas e máos observadores até os homens mais intellectuaes e mais frios na apparencia.

Muitos homens intelligentes negam os direitos á liberdade da muIher, mas outros muitos tambem negaram o direito dos escravos á liberdade. A escravidão no Brasil é de hontem, póde-se dizer. Nossos avós foram proprietarios de escravos. Muitos destes escravos ainda vivem. Não são lendas o que nos narram das perversidades que se piaticavam e um dos nossos melho- (<p.85) res escriptores, justamente o que tem uma enorme facilidade de descripção, conta historias desse tempo barbaro que fazem arripiar os cabellos da pessoa mais decidida.

Falo de Monteiro Lobato, o qual não tem papas na lingua para reviver duma maneira clara e vibrante as scenas mais tragicas e deshumanas.

Pois bem, naquelle tempo havia homens intelligentes como os ha hote (sic), e muitos delles eram contrarios á liberdade dos escravos. Exemplo: Clemente Pereira.

Havia o fatal preconceito de que o negro tinha sido creado para apanhar de relho. Este preconceito infame tinha, como todos os preconceitos, a sua raiz na religião.

Os negros eram descendente (sic) de (<p.86) Caim. Caim era amaldiçoado: logo, os negros tambem o eram.

Sempre a praga dos preconceitos, e todos elles com as raizes atoladas em religião.

Sempre o dogma. Sempre a religião aconselhando uma resignação que Deus, que era Deus, não teve, pois que inventou o inferno, para punir seus inimigos;

Mas, como o dogma e a lei são invenções da cachola do homem, o dogma e a lei só tratam de proteger o homem.

A mulher que se damne.

Todas as religiões escravizam a mulher. Todas! Maria é a serva do Senhor. Deus aconselha aos homens que sejarn monogamos, mas elIe polygamo, e com medo da syphilis só acceita esposa virgem. (<p.87)

Mahomet, mais descarado, não poude resistir ao seu sensualismo e decretou audazmente a polygamia

Não vou aqui tratar de analysar as religiões. Falta-me competencia e tenho mais o que fazer. Estou apenas fazendo ligeiras referencias.

Christo, o meigo philosopho, foi o unico homem devéras feminista, foi o unico homem que teve pena da mulher.

Aos phariseus, que para o atrapalharem Ihe perguntaram: “Que fará no céo a mulher que no mundo copulou com varios homens?” respondeu com a serenidade que hoje em dia se chama serenidade christâ (como si fosse possivel encontrar um christão nestas féras que andam soltas pelo mundo!) “O mesmo que fizer o .homem que na (<p.88) terra copulou com varias mulheres”.

Dissemos que Christo foi o unico homem verdadeiramente feminista, mas fomos injustas. Temos que collocar ao seu lado Victor Marguerite, o grande escriptor francez, autor dos celebres livros: Prostituées, La Garçonne, Le compagnon.,

Este illustre eseritor não trepidou em dizer verdades tão duras que despertaram a colera dos ignobeis tartufos, descendentes dos que perseguiram Gustavo Flaubert e Emile Zola.

Mas nada como um dia depois do outro. As mulheres francezas jà adquiriram o direito do voto. Tendo voltado á discussão na Camara dos Deputados o voto das mulheres, o projecto, relativo, que fôra appro (<p.89) vado em sessão de 20 de Maio de 1919 pop 344 votos contra 97, ficou retido por algum tempo no Senado, onde, posto na ordem do dia, depois de um trabalho insano dos feministas não consegui ser referendado pelos senadores.

A sua rejeição em novembro de 1922, por uma grande maioria, não diminue a propaganda tenaz do voto ás mulheres.

Mais tarde o deputado Justin Godard, campeão da causa das suffragistas, apresentava á Camara uma nova proposição. E afinal, apos innumeras discussões, foi approvada a proposição seguinte, por 440 votos contra 135:

“Art. 1.o – O direito de suffragio pelo qual se manifesta a soberania do povo, sendo ao mesmo tempo a (<p.90) consequencia logica e a garantia dos direitos dos cidadãos, será exercido por todos os francezes não indignos, que gozem dos direitos civis, sem distincção de sexo, nem de edade.

Art. 2.o – O exercicio pessoal do direito de suffragio pertence a todos os francezes, homens e mulheres maiores de 21 annos completos.”

Ha ainda tres artigos que não copio, pois não interessam ao assumpto de que estou tratando.

Conforme disse acima, nada como um dia depois do outro.

O projecto citado, estava dormindo no fundo duma gaveta desde maio de 1919. Ninguem poderá contestar que foi em grande parte por influencia dos celebres romances de Vïctor Marguerite, sahidos uItima (<p.91) mente à luz, que elle voltou a ser estudado.

E uma vez que fallel em Victor Marguerite e no seu romance Prostituées, vou transcrever uma parle dum discurso de Clemenceau, quando ministro do Interior em 1906, citado na primeira pagina do dito romance.

…………………………………

“Hélas! je viens me heurter maintenant à la pire déchéance humaine, au plus abominable reste du sauvage bestial, à l’effroyable problème devant lequel les theoriciens socialistes reculent eux-mêmes épouvantés. Je veux parler de la prostitution.

Le Ministre de l’lnterieur est chargé d’assurer l’implacable, l’immorale reglamentation d’un état de (<p.92) choses inavouable. Pour les vices de l’homme, c’est la femme qui expie. Ah! Si vous pouviez defilez devant vous ce; qu’on appelle le tribunal administratif de la Préfecture de Police, l’effroyable procession de ces créatures degradées, de quinze à soixante ans et plus, qui résument en elles tout l’exces du malheur humain, peut-être penseriez-vouz avec moi que ce n’est pas assez faire pour la morale publiblique de les tenir emprisionées, pour l’inobservation de réglements qu’on’ n’a pas le droit d’edicter et de cultiver, au petit bonheur, leur avilissement de chaque jour.

On me charge théoriquement de veiller à la santé publique menacée par cette légion redoutable. Je dois dire que cet office, mon administra- (<p.93) tion s’en acquite avec une parfaite inefficacité, et cela au moyen de pratiques contraires aux lois, contraires mème aux principes de tout gouvernement humain. Je suis bien loin de nier que ce mal soit temperé par l’humanité des fonctionnaires, mais lá encore il y a de grandes reparations,. de grandes organisations de relevement à reparer.”

…………………………

Aproveito a occasião para transcrever tambem uma pagina do mesmo livro “Prostituée”.

Quem falla é Victor Marguerite:

“Avant-propos.

Cette étude, où mêne necessairement toute enquète approfondée sur la condition de la femme dans la societé actuelle, je tiens à decla- (<p.94) rer qu’elle n’instruit pas un procès de personnes.

L’auteur a pu, grâce à la complaisance de la Prefecture. de Police, surprendre sur le vif le fonctionnement du régime des moeurs. Le portrait qu’on. en trouvera ici est transposé, mais fidèle.

Ce n’est pas, sous des traits fictifs, tel ou tel que je cite à la barre, c’est tout un odieux système, résultant de coutumes et de lois iniques dont la survie, au vingtième siécle, étonnera sans doute, un jour, la conscience nationale, lorsque la science aura fait, petit à petit, sou oeuvre éducatrice. La santé physique et moraIe de la race est à ce. prix

Conséquence fatale de. la guerre, la corruption des moeurs bourgeoises c’est empirée encore…(<p.95)

La syphilis s’est propagée avec telle virulence qu’elle a contaminée la population, dans la proportion d’un sur deux.

Osons regarder la plaie au grand jour! Un abcès qu’on débride est a demi curé.

Il n’y a de maladie honteuse que celle dont une societê hypocrite ne chercherait pas à guerir.” (<p.96)

XIII

“O calor do combate ao feminismo não arrefeceu com as Camadas de neve, que lhe vêm pondo exhaustivas dissertações scientificas sobre a questão da egualdade intellectual dos dois sexos.”

Fernando de Azevedo

Dos jardins de Sallustio”

“O calor do combate ao feminismo tenderá, como diz muito bem o distincto escriptor, a augmentar em razão directa da resistencia que se Ihe oppuzer. (<p.97)

O despertar da mulher é um facto. E fiquem scientes os homens que este despertar foi provocado pelo ruido produzido por elles mesmos; foi occasionado pela disparidade da educação ao homem. Assim, vemos esta ultima continuar a ser educada pelos moldes das escolas aristocratas das edades mortas, ao passo que o homem, dando um passo de gigante para afrente, deixou num atrazo de seculos a ingenua companheira a quem outr’ora dizia madrigaes de joelhos.

O individuo humano sendo um producto da educação e do meio (já o disse e não me canso de repetil-o), é claro que o homem educado da maneira mais liberal e progressista possivel, mandou bugiar os dogmas, (<p.98) as convenções e os pudores falsos, incompativeis com a vida moderna. A mulher que de cretina e falta de intelligencia só tem a fama, começou a observar, começou a analysar, eomeçou a comparar, começou a descobrir que no immenso e delicioso banquete da vida ella não passava do manjar, petisco, da isca (como diz Julia Lopes de Almeida) e desde esse dia começou a debandada, que .augmentará até á completa realização dos seus justissimos ideaes de liberdade.

As cadeîas formadas pelas convenções e preconceitos já estão sendo torcidas; mais um esforço e ellas terão de quebrar-se.

Apezar de fundamentalmente materialista, e de achar que o romantismo está reduzido a cinzas, muito (<p.99) veneraveis, é verdade, não deixo de alongar os meus olhos pelo passado para comparal-o com o presente e sou obrigada a reconhecer. que devia ser uma sensação delicidsa, a causada pela declaração de amor de um cavalheiro coberto de suas heroicas armaduras.

Apezar de pouco tradicionalista, pois ninguem me poderá garantir que si eu nascesse em epocas lendarias. não seria mais que uma camponeza boçal, privada até do simples alphabeto; apezar dos pezares, eu scismo que devia ser um prazer forte o de se ver surgir debaixo d’uma viseira, com o garbo das elegancias de outr’ora, os olhos avelludados e a bocca sensual de um lindo pagem fidalgo.

Com certeza é fantasia e capri (<p.100) choso vîcio da minha alma de mulher moderna, mas a poesia exerce sobre esta alma um poder tyranico.

Na passada estação theatral do Rio, fui tres vezes ouvir Pierre Magnier declamar o Cyrano de Bergerac; porém confesso que sahi depois do primeiro ato do “Maître des Forges”.

Mas, nesta digressão pelas éras desapparecidas perdi o fio do assumpto. Voltando, pois, a elle, que era o commentario sobre a teimosia dos pruridos reivindicadores da mulher, continuarei a chamar a attenção para o abysmo que a educação abre entre ella e o seu companheiro de jornada.

Chega a tal ponto, que são os proprios homens que condemnam este (<p.101) systema já sem razão de ser em nosso seculo.

Assim, diz o Sr. Alexandre Mercereau, num inquerito feito por uma revista parisiense sobre os direitos da mulher:

“Je voudrais que la jeune fille ne fût pas férocement condamnée a une chasteté mauvaise conseillère, malsaine et cruelle, mère de beaucoup de vices repugnants, depuis la puberté jusq’à l’âge souvent très avancée ou un Monsieur veut bien consentir, apres une usure à peu près complète avec toutes sortes de femmes moins farouchement pures, à l’épouser. Je voudrais que la jeune fille, la femme qui a obei à la voix impèrieuse du coeur et de la chair en dehors du mariage, fût considerée exactement comme l’hom- (<p.102) me dans les mêmes circonstances. Que le fiancé attache à sa virginité exactement la même importance qu’à celle de sa financée (sic), ou vice-versa. Que l’individu qui abandonne la femme séduite, avec ou sans enfant, soit mis au ban de la societé, et non la victime.

Enfin que l’enfant dit “naturel” ne soit pas traité de façon denaturé, et lesé dans tous ses doits (sic), moralment et materiellement!”

Agora, quem vae fallar é um medico. O Dr. Toulouse, no livro “La question sexuelle et la femme”, escreve:

“Il y a, chez la garçonne comme chez le garçon, des tempéraments, des curiosités, qui aplanissent bien des obstacles dressés sur les routes les plus traditionnellement façon (<p.103) nées. Et quand les tendances instinctives parlent un peu haut, elles trouvent souvent des volontés toutes orientées. Et d’une manière ou d’une outre, la question est posée dans l’esprit, après l’avoir eté dans le coeur: Pourquoi l’experience amoureuse est-elle si libèralement accordée au garçon ét strictemen~ interdicte à la garçonne?… Le problème de l’inégalité des conventions sexuelles sè pose à elle dans toute sa force. J’ai connu des garçonnes de bonne éducation qui allaient jusqu’à revendiquer pour elles, la mème liberté, le mème droit en matière sexuelle que la morale courante accorde à leurs frères.

Je pense qu’elles avaient tort et qu’elle auraient dû plutôt demander pour les garçons les mêmes se- (<p.104) vères obligations que pour elles. Mais sur ce terrain il n’etait pas possible en verité de leur donner une raison décisive, légitimant cette enormité de la morale mondaine à double face; qui permet à l’un tout ce qu’elle refuse à l’autre. La religion a été impuissante à justifier cette inegalité, comme aussi à l’empêcher.

Cette inegalité, une solide convention la cachait jadis; et empechait le débat.

Aujourd’hui elle se dresse dans la conscience des femmes jeunes et elle est discutée. Tous nos desirs, tous nos interêts d’hommes ne peuvent plus faire que la question ne soit posée, et quant à la maniére dont elle sera resolue, elle nous échappe…(<p.105)

La femme est en train de se demander pourquoi ce qui valait pour l’homme na voudrait pas aussi pour elle”.(<p. 106)

XIV

A democracia cria o individualismo na dupla aristocracia actualista: plutocracia e intellectualidade. O novo espirito social assentoù um chinez de cartola no solio que tinha por escadas de marfim os craneos pellados do mandarinato. Um turco de fraque expulsou as armiladas sultanas do harem e poe virilidades de carabina nos quarteis dos janizaros. O burgo é hoje o quarteirão da fabrica. O castello do feudo, o escriptorio central com pagens de ca- 107 bellos “à la garçonne” martellando machinas dactylographicas”.

Menotti del Picchia

Salta aos olhos a inepcia com a qual hoje, em pleno torvelinho do modernismo, em plena realidade de lutas individualistas, onde o grito de guerra é: “Cada um por si!” moralistas retrogados venham nos buzinar aos ouvidos preconceitos que já não têm mais razão de ser.

O preconceito da virgindade tem, como todos os outros, e como já disse acima, os seus alicerces na religião.

Quem estudou, ou, por outra, quem correu os olhos pelas historias dos povos antigos, observa logo (<p.108) que as leis eram escriptas em livros chamados divinos.

Os demagogos, prophetas daquelles tempos, eram já optimos psychologos. Saibam perfeitamente que si dessem ao povo uma lei e Ihe dissessem que ella tinha que ser seguida porque assim o pedia a hygiene e a solidariedade humana, garantia unica das agremiações, o povo rir-se-ia.

E o propheta, manhoso, falava em nome da divindade, ser tanto mais temivel, quanto invisivel.

Foi assim instituida a primeira lei da hygiene:

“Deus ordena que depois da satisfação de certos actos materiaes o individuo faça abluções purificadoras”.(<p.109)

Foi assim que surgiu a primeira lei de solidariedade:

“Quem da ao pobre, empresta a Deus”.

Todas as outras leis appareceram do mesmo modo: Não matarás; não roubarás, etc., etc.

E isso tudo porque Deus não queria que se praticassem esses actos.

Naquelle tempo em que a razão era luz incipiente e apenas começava a brilhar no cerebro duma élite ou duma casta, não era possivel proceder de outra maneira.

Eis como surgiu a virgem:

O legisiador verificou que a frequencia dos estupros era desoladora.

Uma menina ainda impubere, mas já de “pito acceso” como dizemos na nossa giria, tomava um pu- (<p.110) caro e ia buscar agua. Naquelles tempôs homericos ia-se buscar agua, como hoje se vae ás compras no triangulo. Quem lé os poetas antigos vê que as filhas dos chefes e dos reis não se julgavam humilhadas por isto. Bons tempos!)

Mas sigamos a giria.

É pequenina, tem só doze annos, mas já sabe requebrar o corpo.

Requebrava tão bem, que um carreteiro que vinha a guiar uns bois, animado pelo crepusculo, que já vae invadindo a terra e pela solidão reinante, salta em cima daquelle pedaço de mulher e… prompto!

É verdade que a victima o tinha provocado, mas como ella é ainda muito novinha “da os prégos” depois de ter provado o tal amplexo.

Conta ao papae, conta á mamãe; (<p.111) e como não ha remedio fica tudo na mesma.

Mas, ao millesimo caso igual ao que vae narrado, o chefe da tribu começou a ver que o negocio era sério. Ninguem queria esperar a puberdade para casar.

Pensou, reflectiu, e um bello dia avisou o povo de que ia ficar de retiro na montanha, pois necessitava indagar qual era nesse caso a vontade do Senhor.

E o Senhor tendo fallado, voltou elle a annunciar a nova lei:

“Toda mulher impubere é sagrada. Aquelle que a tocar será criminoso e si ella fôr tocada a deshonra recahirá não só sobre sua cabeça, como sobre a de seus paes, seus irmãos e suas irmãs.” (<p.112)

Eis ahi a origem do preconceito sobre a virgindade.

Formularemos uma pergunta:

É justo que na nossa epoca policiada, onde só em caso de anormalidade um homem violenta uma creança, é justo ..conservar este preconceito? –

Não é preferivel educar a mulher com independencia e com capacidade de ganhar sua vida?

Voltando ainda ao preconceito da virgindade, temos de accrescentar que ella era conservada apenas até á puberdade. Depois de pubere a mulher que morria virgem era por Zarathustra enviada ao inferno. Após á puberdade a virgindade era tida como uma vergonha. (<p.113)

XV

Ôs poetas, os romancistas, os idealistas que vivem a contemplar lua, cantam em todos os tons, até mesmo desafinando ás.vezes, que a mulher virgem, intacta, não conhece nenhuma sensação.

Quando leio um desses pandegos tenho vontade de Ihes perguntar si jà foram mulher algum dia.

E aqui vae um conselho que dou de bom coração aos homens: tratem de estudar bem as suas sensações e não abram o bico para fallar das da nulher, nem mesmo quando baseados em suas confidencias.(<p.114)

A mulher, pela sua educação, vem accumulando tal somma de hypocrisia dentro do craneo, que meute as proprias collegas do sexo. A mentira é um habito inveterado nas fiIhas de Eva e tudo que ellas dizem deve soffrer quarentena, quando não estiver provado mathematicamente.

Pósso assegurar aos meus leitores masculinos que nos jantares, chás, palestras dansante, etc., a deliciosas figurinhas cujas barrigas macias elles sentem mexer ao compasso estonteador d’um shimmy gosam tanto ou talvez mais do que elles, ao sentirem alguma cousa erecta e dura, a acariciar-lhes o ventre durante o remeleixo.

Ó delicia das palpebras descidas pudicamente sobre os olhos meigos, (<p.115) quando um adolescente de cabellos negros e collados á cabeça passaIhes a mão ao redor da cintura! Ó goso estonteante do languido compasso dum tango nostalgico! Ó poder da natureza! fazer que pela simples sonoridade de um ruido harmonico o corpo humano se desmanche numa volupia intensa e o cerebro desfalleza (sic) de prazer.

Ouça o “Jazz”. Não é nada. Ou, por outra, é uma combinação de ruidos; mas olhe para a physionomia dos pares, enlaçados. Estão no paraiso!…

É a essas moçoilas frequentadoras de salões de dansas que elles querem impôr o regimen monastico até o “Conjugo Vovis (sic)”! –

O que se deve fazer é mudar o rumo da educação. É ensinar as (<p.116) mulheres a trabalhar e ganhar o pão com o suor do seu rosto, uma vez que a éra biblica jà passou.

A virgindade, é anti-physiologica.

Escutem um medico – Jean Marestau:

“Ce sont les filles vierges et les veuves qui fournissent le plus fort contingent d’hysteriques. Il en est de même pour ce qui a trait à l’alienation mentale.

On a compté à la Salpetrière, que sur 1.726 alienés, 1.276 etaient filles.

Chez les femmes hindoues qui sagement s’unissent à l’apparition des menstrues, l’hysterique est presque inconnue. D’autre part, pour cent femmes mariées qui meurent, il enmeurt cent, trente et une celibataires”.

Outro medico – Goy: (<p.117) ”La femme, en raison de sa grande sensibilité, est soumise, le cas échéant, à des impulsions sexuelles plus imperieuses encore que l’homme.”

O Dr. Baurgas, no seu livro “Le droit à l’amour pour la femme”, trata de, combater a these absurda de que a mulher póde impunemente privar-se da funcção physiologica sexual.

Os professores Erb, Brôse, Zanzoni, Descourlitz, citam os effeitos desastrosos da continencia na muIher.

Elles consideram como fôra de duvida que um grande numero de mulheres não casadas, duma certa edade, educadas nos principios d’umam oral (sic) severa, são doentias. As perturbações e molestias que se ma- (<p.118) nifestam com causa na continencia são: a chlorose, a irritabilîdade nervosa, os caprichos, as allucinações, a neurasthenia, e as perturbações mentruaes (sic); .em summa, toda sorte de molestias nervosas, sendo a dôr de cabeça a que predomina sobre todas.

Uma medica, a Dra. Helena Stoeker, aponta para o numero das creanças illegitimas, dos abortos clandestinos, dos infanticidios, e diz que cada um destes factos têm em si material para provar que a despeito da proscripção iniqua pronunciada contra a mãe, esta esquece tudo para seguir a lei do amor. Este facto prova a importancia do amor sexual na vida mulher (sic).(<p.119)

XVI

A natureza pôz tal somma de prazer no acto da reprodução da especie que só esse goso é o bastante para assegurar a perpetuação do ”genero humano mesmo quando o criterio da educação da mulher fôr mais elevado e mais pratico, permittindo-se-lhe usar á vontade do que é seu.

Entre os animaes, nenhuma femea se conserva virgem.

E é de justiça constatar o facto de que apezar da completa liberdade e promiscuidade em que vivem no campo, respeitam muito mais (<p.120) que os racionaes as leis da natureza.

Nunca, se ouviu dizer que um touro houvesse violado uma bezerrinha.

Nunca se viu uma cabrinha impubere perseguida por um bode.

Mas já li ha uns dois annos que, numa localidade dos arredores da Capital, um menino, vejam bem! um rapazinho de doze annos foi encontrado morto e violado.

Emile Zola trata de um caso identico num dos seus melhores romances: “Verité”. E quem já teve a feheidade de ler este grande escriptor sabe a maestria com que descreve a besta bumana.

Ah, a besta humana!

Ella manifesta-se-, bem cedo.

Deixae a sós duas creanças, duas (<p.121) meninas de sete e oito annos, ellas vão direitinho a um canto escuro examinar o sexo uma da outra.

Nas fazendas os capinzaes têm uma serventia a mais alem da usual.

O pessoalzinho meúdo aproveita a cumplicidade protectora de sua trama cerrada, para brincar de marido e mulher.

Quantas vezes em minhas meditações solitarias não surprehendi destes brinquedos innocentes! Á minha presença, as culpadas levantavam-se de um salto, compunham as vestes em desordem e mutuamente se accusavam: “Foi ella!” “É mentira, mentirosa! Mamãe bem me disse para não brincar com você”.

Ah, humanidade!… (<p.122)

Ninguem tem culpa disto.

A natureza maliciosa deu aos racionaes o poder de gosar tambem com o espirito, ao passo que os irracionaes só gosam com o physico.

O goso delles é um instincto, ao passo que entre os humanos mistura-se com o sentimento e vae ao infinito, podendo ser variado pela imaginação. –

Uma mulher certa vez me confessou que quando seu liomem a possuia, ella fazia questão de que fosse no escuro; quanto mais escuro o quarto, mais ella gosava. E visto porque, com a imaginação, fazia de conta que estava sendo coberta, por um burrico…

Outra me dizia, suspirando, que só gosava até ao delirio quando conseguia ver bem clara na sua idéa (<p.123) a imagem de um padre, com todos os paramentos, o qual a beijava na sacristia, emquanto ella, debruçada apoiando-se. numa cadeira, deixava-o fazer.

Productos de imaginações viciosas e doentes, dirão. Quem sabe, talvez em tudo isto entre um pouco de culpa da civilização?

Mas, quem lê as chronicas antigas, vê logo que aquillo é que era a devassidão…

– Como o assumpto deste livro e este, faço ponto. (<p.124)

(Início da inserção de um texto composto com tipos menores)

Conclusão

A mulher, pela sua educação, ficou reduzida a ser uma especie de mão esperda (sic). –

A mão esquerda é perfeitameute egual a direita. As creanças não fazem differença: alguma até o momento em que a mãe recommenda á ama que “tome cuidado, senão o bêbê torna-se canhoto”.

Os macacos servem-se corn a mesma pericia de ambas as mãos.

Mas eu que sou um ente humano fui obrigada a interromper a composição deste Iivro porque machuquei a mão direita.

Só se usa a mão esquerda em caso de não poder usar-se a direita; mas quando a isto se é obrigado vê-se que ella presta os mesmos serviços que a outra.

Questão de habito,. de preconceito e de educação.

——–

A autora, de absaluto accordo com o fabulista, acha que o ente feliz neste (<p.125) mundo é o “pauvre petit grillon, caché dans, l’herbe fleurie”, e para ser coherente com esta opinião, nunca se lembraria de publicar este livro.

Mas os assassinatos de mulheres se reproduzem com frequencia desoladora; a navalha, o punhal, o revolver têm trabalhado de tal forma contra a liberdade e segurança das suas collegas de sexo, nestes ultimos tempos, que quem se cala, numa oocasião destas dá provas de covardia, e egoismo.

Demais, sendo mulher, é muito natural que reeeie que um bello dia uma dessas féras que andam soltas pela cidade e respondem pelo nome de homens possam tambem attentar contra sua pessoa physica.

Ora, considerando que a liberdade da mulher já está reduzida a uma palavra, si ninguem protesta, si todas curvarem a cabeça, os senhores machos convencem-se de que estão com a faca e o queijo na (<p.126) mão e começam a nos massacrar pelo minimo sorriso de ironia ou de desprezo com que por acaso os presenteemos numa hora de neurastenia.

(fim da inserção de um texto composto com tipos menores)

Si um homem jà teve a audacia de matar uma desgraçada indefesa, só porque ella lia romances, não é o caso de ficarmos todas com a pulga atraz da orelha?

FIM

(Publicidade contida em uma moldura retangular:)

LEIAM:

Virgindade Inutil

(Acrescentado a mão:) (NOVELA DE UMA REVOLTADA) publicação c/ 175 pg s/ data

(<p. 127)”

=========Fim da transcrição========

Transcrição para a Internet feita em 11/09/2000

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