Thomas Hobbes

Hoje: 18-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Filósofo e cientista político inglês, Thomas Hobbes nasceu em Westport, hoje parte de Malmesbury (Cidade a alguns km a nordeste de Bristol e cerca de 140 km a oeste de Londres), no Wiltshire (Condado), em 5 de abril de 1588, e veio a falecer em 4 de dezembro de 1679.

Filho de outro Thomas Hobbes, sua infância foi marcada pelo medo da invasão da Inglaterra pelos espanhois, ao tempo da rainha Elizabete I (1558-1603).

Seu pai, clérigo anglicano, vigário de Westport, foi um homem turbulento e desapareceu após uma briga na porta de sua própria igreja, abandonando seus três filhos aos cuidados de seu irmão, que tinha um negócio de fabrico de luvas em Malmesbury.

Aos quatro anos foi colocado na escola da igreja de Westport, depois em uma escola privada e finalmente, aos 15 anos, no Magdalen Hall da Universidade de Oxford, onde consagrou a maior parte do tempo a ler livros de viagem e estudar cartas e mapas, e onde formou-se em 1608, já ao tempo de Jaime I (1603-1625).

Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglesa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico.

Tornou-se preceptor de William Cavendish, que viria depois a ser o segundo duque de Devonshire, ficando amigo da família Cavendish por toda a vida. Como de hábito na época, viajou com seu aluno à França e Itália, onde verificou que a filosofia de Aristóteles que ensinavam em Oxford estava sendo combatida e desacreditada devido às descobertas de Galileo e Kepler.

Pelo relato de um antiquário seu contemporâneo, sabe-se que Hobbes, em certas ocasiões entre 1621 e 1625, secretariou Bacon ajudando-o a traduzir alguns de seus Ensaios para o latim.

Decidiu-se então pela vida intelectual. O principal fruto dos estudos clássicos a que agora se dedica foi a tradução da obra de Tucididas, – historiador grego analista político e moral da guerra do Peloponeso. A escolha desse autor e a publicação de sua tradução em 1629 provavelmente deveu- se a preocupações de Hobbes com a agitação política na Inglaterra e representaria um alerta seu contra a democracia que teria enfraquecido a antiga Atenas.

Com a morte do seu aluno o segundo duque de Devonshire, Hobbes voltou a viajar agora em companhia do filho de Sir Gervase Clifton. Durante sua estada na França, entre 1629 e 1631, ele estudou Euclides e tornou-se especialmente interessado em matemática. Mas foi chamado de volta à Inglaterra para se tornar o preceptor de outro William Cavendish, filho do primeiro discípulo.

Durante uma terceira viagem ao continente, com o jovem Cavendish, de 1634 a 1637, ele encontrou-se com Marin Mersenne, um reputado matemático e teólogo e, em 1636, com Galileu e René Descartes, cuja ciência e filosofia o impressionaram.

Hobbes recorda em sua autobiografia que por esta ocasião, numa roda de intelectuais, alguém perguntou “O que é o sentido”? e ninguém soube responder.

Então lhe ocorreu que se as coisas materiais e todas as suas partes estivessem em repouso ou movimento uniforme, não poderia haver distinção de nada e consequentemente nenhuma percepção: assim a causa de tudo está na diversidade do movimento. Lançou essa idéia em seu primeiro livro filosófico, “Uma Curta Abordagem a respeito dos Primeiros Princípios”. Ele então planejou uma trilogia filosófica: De Corpore, demonstrando que os fenômenos físicos são explicáveis em termos de movimento e que seria publicado em 1655; De Homine, tratando especificamente do movimento envolvido no conhecimento e apetite humano, que seria publicado em 1658, e De Cive, a respeito da organização social, que seria publicado em 1642.

Em 1637 Hobbes retornou à Inglaterra que se achava às vésperas da guerra civil. Decidiu publicar primeiro o trabalho que pensava publicar por último, o De Cive. Este circulou em cópia manuscrita em 1640 com o título “Elementos da Lei Natural e Política”, parte I sobre o homem e parte II sobre a cidadania. Continham sua doutrina (vide abaixo) que depois seria publicada impressa em De Cive e “O Leviatã”. O manuscrito irritou os monarquistas porque falava em um contrato social e os parlamentaristas porque pregava o absolutismo.

Quando a crise se tornou aguda em 1640, Hobbes, temendo por sua segurança, retirou-se para Paris, onde reintegrou-se no círculo de Mersenne, escreveu “Objeções às idéias de Descartes” e em 1642 publicou o De Cive.

Em 1646 o príncipe de Gales(1630-1685), depois Carlos II, refugiou-se em Paris, e Hobbes, estando naquela capital, aceitou o convite para ensinar-lhe matemática. Isto levou-o ao círculo político, e aos temas políticos. Em 1650 publicou o antigo manuscrito “Elementos da Lei” em duas Partes: “Natureza Humana” e “Do Corpo Político”.

Em Paris Hobbes escreveu sua obra prima, “O Leviatã”; ou “Matéria, Forma e Poder da Comunidade Eclesiástica e Civil”, um estudo filosófico sobre o absolutismo político que sucedeu a supremacia da Igreja medieval. A obra foi publicada no ano seguinte, 1651, englobando todo o seu pensamento. No final do livro colocou que os súditos tinham o direito de abandonar o soberano que não mais os podia proteger em favor de um novo soberano que pudesse fazê-lo. Esta posição foi considerada como ofensa ao herdeiro Carlos II, exilado em Paris enquanto a república sucedia a Carlos I na Inglaterra. Hobbes foi olhado como oportunista e repudiado pelos exilados de Paris, ao mesmo tempo que o governo francês o tinha sob suspeita devido a seus ataques ao papado. Em fins do mesmo ano de 1651 Hobbes voltou à Inglaterra procurando estar em paz com o novo regime.

Tendo retornado à Inglaterra aos 63 anos Hobbes por mais vinte manteve sua energia e combatividade, envolvendo-se em várias polêmicas no campo científico e religioso. Quatro anos depois, em 1655, publicou seu De Corpore (“A respeito do corpo”) no qual ele reduzia a filosofia ao estudo dos corpos em movimento. No ano seguinte, 1656, publicou Questions Concerning Liberty, Necessity, and Chance, onde elaborava uma teoria de determinismo psicológico.

Em 1660 Carlos II volta com a restauração da monarquia e os inimigos de Hobbes, principalmente matemáticos e cientistas que se opunham ao seu método dedutivo no De Corpore. O matemático John Wallis acusou-o então de haver escrito “O Leviatã” para apoiar o líder puritano Oliver Cromwell abandonando seu rei na desgraça. A carta de resposta de Hobbes foi publicada sob o título “Mr. Hobbes sob o aspecto de sua lealdade, religião, reputação e maneiras”, em 1662, contando certas histórias do período revolucionário que envolviam John Wallis e que foram suficiente para emudecê-lo.

Apesar de toda crítica, Carlos II manteve Hobbes na corte e lhe deu uma pensão generosa, e tinha seu retrato nos aposentos reais. Mas o parlamento votou uma lei contra o ateísmo em 1666 que o colocou em perigo. Hobbes, então com 80 anos, queimou os papeis que poderiam incrimina-lo. A lei contra o ateísmo foi desfeita pelo Parlamento, mas desde então Hobbes não pode obter permissão para imprimir nada relacionada à conduta humana, aparentemente porque o Rei condicionou sua proteção a que Hobbes não fizesse mais nenhuma provocação. Vários trabalhos escritos então somente foram publicados anos depois.

Hobbes morreu em 1679, famoso no exterior, apesar de detestado por muitos inimigos na Inglaterra. Sua reputação foi logo superada pela de John Locke. Somente no século XVIII seu pensamento ganhou nova importância, dada pelos utilitaristas seguidores de Jeremy Bentham. É hoje considerado um dos grandes pensadores políticos da Inglaterra.

PENSAMENTO

Hobbes é empirista e racionalista, põe em prática o empirismo nas suas observações e conclusões sobre a natureza humana, mas faz uma análise das palavras e do raciocínio que é dedutiva, racionalista, principalmente em ciência política.

Contestando Descartes, pergunta: de onde viria o conhecimento da proposição “eu penso”? Como não podemos conceber qualquer ato sem seu sujeito, assim também não podemos conceber o pensamento sem uma coisa que pense… Donde se segue “que uma coisa que pensa é alguma coisa de corporal”.

Descartes respondeu-lhe que existem “atos que chamamos corporais, como a grandeza, a figura, o movimento”; esses atos “residem” em corpos. Porém, diz Descartes, há outros atos que chamamos intelectuais como o “querer, imaginar, etc… esses atos “residem” em uma coisa que pensa, tenha ou não esta coisa o nome de espírito, pouco importa, “conquanto não a confundamos com a substância corporal, uma vez que os atos intelectuais não tem qualquer afinidade com os atos corporais”. Em suma, o pensamento difere totalmente da extensão”.

Conatus. Na sua concepção de natureza humana é básico o conceito de conatus, a força genética do comportamento. É um impulso original ou “começo interno” do movimento animal para se aproximar do que lhe causa satisfação ou para fugir do que lhe desagrada. Esse conatus impulsiona o homem a vencer sempre. A vida começa com o conatus positivo, o desejo. Em termos de vida social, ultrapassar o outro é fonte primordial de satisfação, por isso estar continuamente ultrapassado é miséria enquanto ultrapassar continuamente quem está adiante é felicidade. É da sua natureza o egoísmo, constituído por “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que só termina com a morte” .

O conatus provoca “guerra de todos contra todos”, é o estado natural em que vivem os homens, antes de seu ingresso no estado social. O homem é governado por suas paixões e tem como direito seu, conquistar o que lhe apetecer. Como todos os homens seriam dotados de força igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou daquele recurso), e como as aptidões intelectuais também se igualam, o recurso à violência se generaliza.

Instinto de conservação. Mas, além do conatus, governa o homem também o instinto de conservação e este leva ao desejo da paz. Deixado meramente a si mesmo, o instinto de conservação é abertura para a  violência enquanto esta não é um risco, e, ao mesmo tempo, para a paz tática que prometa conservação. Assim se define o campo da lei natural de sobrevivência.

Por isso o instinto de conservação é peça tão fundamental na filosofia de Hobbes quanto sua idéia do conatus, porque para ele, ao contrário do pensamento aristotélico que tem o homem como um animal social, os indivíduos entram em sociedade só quando a preservação da vida está ameaçada. E estaria ameaçada pelos próprios indivíduos, se cada qual tudo fizesse para exercer seu poder sobre todas as coisas. A paz é a dimensão mais compatível com o instinto de conservação.

Contrato de segurança interna e externa. Pode-se então supor algo como um contrato tácito entre os homens, implicando em que contêm os seus ânimos, como defesa interna, e que, reunidos, formarão um povo, de modo a que a multidão dos associados seja tão grande que possa garantir a defesa externa, tirando a esperança de seus adversários de que um pequeno número baste para assegurar-lhes a vitória.

Ética. A vontade obedece à razão, segundo o racionalismo clássico. Porém, para Hobbes, é apenas apetite. Um determinismo mecanicista regeria não só os movimentos do universo como também a atividade psicológica do homem. O livre arbítrio não passaria de ilusão: seria apenas uma ex pressão destinada a ocultar a ignorância das verdadeiras causas das decisões humanas. Porém, qualquer que seja seu fundamento, a contenção interna implica uma ética. No nível das relações morais, é preciso que cada um – segundo Hobbes – “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a si”; é preciso evitar a ingratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a concórdia .

As leis não são deduzidas por Hobbes de um instinto natural, nem de um consentimento universal, mas da razão que procura os meios de conservação do homem; elas seriam imutáveis por constituírem conclusões tiradas do raciocínio. Tal postulado faz de Hobbes um pioneiro do utilitarismo, porque justificava a obediência moral como meio para uma “vida social, pacífica e confortável”.

Finalidade do governo. As leis, no entanto, careceriam de um reforço como garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social. Torna-se indispensável um governo que fosse seguido por todos os componentes do corpo social, e isto haveria de requerer que esse governo tivesse toda a força, porque somente seria capaz de corresponder à sua finalidade se exercido despoticamente. Levando em conta o desejo de ultrapassar a todos presente em cada um, sempre existiriam pessoas que, acreditando saber mais do que as outras, poderiam desencadear guerras civis a fim de conquistar o poder só para elas.

Absolutismo. Esta é a justificativa para o absolutismo, que Hobbes não deriva o absolutismo de um direito divino, como os teólogos políticos de sua época, mas das exigências do pacto social. Hobbes não admite um governo misto como a monarquia constitucional, acreditando que esta permite competições comprometedoras da paz entre os vários detentores do poder.

O soberano não precisa dar satisfações de sua gestão, sendo responsável apenas perante Deus “sob pena de morte eterna”. Não submetido a qualquer lei social, o soberano absoluto é a própria fonte legisladora. A obediência a ele deve ser total, a não ser que ele se torne impotente para assegurar paz durável e prosperidade. A fim de cumprir sua tarefa, o soberano deve concentrar todos os poderes em suas mãos: “Os pactos sem a espada não passam de palavras” .

Hobbes teme a eloquência, o que hoje se chamaria de demagogia. “É a loucura do vulgo e a eloquência que concorrem para a subversão dos Estados”, diz Hobbes. Por isso ele prefere um rei, assessorado por um conselho secreto de homens escolhidos.

Religião do Estado. Ao soberano absoluto deve pertencer, também, segundo Hobbes – todo poder de decisão em matéria religiosa. “Não há quase nenhum dogma referente ao serviço de Deus ou às ciências humanas de onde não nasçam divergências que se continuam em querelas, ultrajes e, pouco a pouco, não originem guerras; o que não sucede por falsidade dos dogmas, mas porque a natureza dos homens é tal que, vangloriando-se de seu suposto saber, querem que todos os demais julguem o mesmo”. Hobbes não vê solução para esses conflitos a não ser pela entrega de toda autoridade religiosa ao soberano absoluto; caso contrário a religião ameaçaria a paz civil.

O Estado deve instituir um culto único e obrigatório: “porque, caso contrário, seriam encontradas em uma mesma cidade as mais absurdas opiniões referentes à natureza divina e as mais impertinentes e ridículas cerimônias jamais vistas”.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 21-05-1997.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Thomas Hobbes. Site www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 1997.