Todo Pensamento Tem um Sentimento

Hoje: 25-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

Não é novo o conhecimento da química hormonal, mas o da influência dos neurotransmissores sobre o comportamento, incluído aí o pensamento, é um achado recente. A constatação de seu papel na ligação entre os neurônios permitiu novas descobertas relativas ao pensamento, às emoções e ao funcionamento do sistema nervoso em geral. A literatura médica em neurofisiologia e farmacologia cresce a cada dia. Mas todo esse conhecimento parece também infinitamente pequeno diante do que o cérebro humano ainda encerra de mistério para a ciência.
Além do fato de que as ligações entre os neurônios é que nos dão a associação entre conceitos, e nos levam de uma ideia a outra, permitindo a articulação do pensamento, há um outro, de igual importância. É a química presente no processo associativo que dá ao sistema uma segunda possibilidade, a capacidade de gerar os nossos sentimentos.

A Química do Sistema Associativo. Estrutura e química nos processos mentais parece que são interdependentes. O pensamento vem de uma construção estrutural, por corresponderem as ideias a interligações entre corpos físicos, nódulos e fibras nervosas em nosso cérebro, enquanto o sentimento vincula-se à micro-química dos estados fisiológicos, seja da estrutura do próprio pensamento, seja de alguma estrutura em outro local do cérebro, porém particularmente ligada a cada forma associativa do pensamento. Parece que, depois de formada uma certa associação terá sempre a mesma química, de modo que a um dado pensamento sempre corresponderá o mesmo sentimento, desde que nenhum elo novo, nenhum novo ingrediente seja adicionado à estrutura considerada.

A interdependência entre pensamento e sentimento claramente funciona nos dois sentidos. Assim como a introdução de uma nova ideia nas estruturas vai modificar o que é pensado sobre um objeto, e consequentemente alterar o sentimento a ele correspondente, assim também uma injeção química que altere diretamente a fisiologia do sistema criará um sentimento e exigirá um novo juízo sobre o objeto de pensamento, portanto uma nova estruturação associativa. Para encontrar esse novo juízo adequado ao sentimento artificialmente provocado o sistema busca elementos da experiência, – ideias armazenadas no sistema -, que se apliquem associativamente ao objeto em foco ou estrutura um objeto ideal, uma ilusão, provoca uma alucinação, e disso voltaremos a falar como uma forma de objetivação.

O pensamento, portanto, depende tanto da configuração estrutural que o produz em consequência direta das impressões, e assim gera o sentimento, quanto está sujeito à influência de mudanças natural ou artificialmente induzidas no estado fisiológico do sistema, e então é afetado pelo sentimento.

Para o seu funcionamento o sistema associativo necessita, como todos os órgãos do corpo, de insumos químicos, e quanto a esse aspecto sua fisiologia se integra na fisiologia geral do organismo. Porém aqui trata-se da geração de ideias. O metabolismo somático, ao modificar a condição química básica do sistema nervoso pode ativar ou reduzir a atividade mental do indivíduo e inclusive induzir ideias e comportamentos específicos conformes aos estados fisiológicos produzidos.

É de longo tempo sabido que a carência de um elemento nutritivo pode direcionar o comportamento a buscar o respectivo nutriente. Esta não é apenas uma demonstração de que uma modificação fisiológica induzida influi no pensamento, mas também a indicação de que as deficiências de cada órgão afetam a química de setores definidos do sistema associativo e este, em resposta, produz um tropismo por determinados alvos, inclusive alucinações respectivas ao elemento de que há carência no organismo.

Mas o sistema nervoso tem também sua própria química, cujas substâncias são os já mencionados neurotransmissores.

É crescente a convicção entre os cientistas de que as disfunções como a depressão e a esquizofrenia, e na verdade a maior parte das desordens mentais – são em seu âmago, desarranjos da micro-química normal do cérebro e podem ser tratadas como tal. Ao que parece, as drogas envolvidas são aquelas que facilitam a associatividade e outras que, ao contrário, dificultam a transmissão dos impulsos nervosos nas sinapses.

Depois de passar por um quase total descrédito na metade do século, quando o tratamento neuropsiquiátrico incluía infectar o paciente com malária, a psiquiatria praticamente renasceu. Nas últimas décadas experimentou grande progresso, beneficiando-se das descobertas na anatomia e na química cerebral, que fazem coisas do passado o uso do eletrochoque (usado particularmente na depressão), de choques químicos como o choque insulínico ou da remoção cirúrgica de parte do lobo cerebral frontal para induzir a morte de feixes de fibras associativas consideradas células hiperativas no tratamento da esquizofrenia.

Traçando a ação de drogas como a clozapina para esquizofrenia e a fluoxetina para a depressão, os cientistas puderam ligar pensamentos obsessivos e disposições humorais, como euforia e sentimentos depressivos, a modificações químicas no cérebro. Este novo campo de estudo ganhou ímpeto principalmente como uma disciplina: a Psicofarmacologia.

A maior parte dos estudos mostra que o tratamento com drogas dá melhores resultados quando feito conjuntamente com uma forma de terapia de conversa. É a confirmação clínica de que o processo associativo, conforme os elementos que associa, é capaz de alterar o seu próprio estado fisiológico e que a micro-química do sistema é, em parte, função da sua própria articulação estrutural. O arranjo associativo correspondente a uma boa notícia faz a pessoa alegre e muda seu modo de encarar a vida.

Além de sua relação com a estrutura associativa do pensamento, e de sofrer influência da química de origem somática e de poder sofrer alterações induzidas por drogas específicas, a fisiologia pode ainda ser alterada indiretamente pelo ambiente. Sons rítmicos, cheiros, sabores, o tato no toque físico, a harmonia de imagens, são as causas ordinárias dos sentimentos no dia a dia do indivíduo. Tais sensações modificam as condições fisiológicas do sistema associativo do mesmo modo que uma substância química poderia fazê-lo. Essa relação de influência é especialmente relevante para a Estética.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 06-12-2009.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Todo pensamento tem um sentimento. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.