Objetos Ideais e Pensamento Lógico

Hoje: 19-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

A sintaxe do pensamento lógico é, com certeza, a mais fundamental das sintaxes associativas. Ela pede as associações do tipo causa e efeito. A implicação “se A, então B” deve corresponder a uma sintaxe que dá nossa inclinação para um sentimento de certeza ou de dúvida, de probabilidade ou possibilidade. O cálculo de probabilidades é um guia para o sentimento de possibilidade. O sentimento básico vinculado à sintaxe do pensamento lógico é, como o de todas as matrizes associativas genéticas e configurações associativas, o de algum grau de adequação associativa. Sua matriz desperta um sentimento de adequação se os elementos que associa satisfazem a sua sintaxe que pede finalidades e meios e de tudo faz causas e efeitos. A compatibilização matricial cria no sistema a fisiologia do sentimento de adequação e excelência, produzindo bem estar e diversos graus de felicidade. A questão é se esse mecanismo é tão confiável quanto desejam os racionalistas. Eles querem contrapor às emoções o pensamento lógico, um pensamento que consideram governado pelo espírito e capaz de chegar à verdade, capaz de criar máximas morais precisas tanto quanto de estabelecer relações matemáticas.

Se reparo em duas árvores iguais, digo: existe a igualdade! Então a igualdade não é nada real; é uma ideia, uma intuição conceitual conclusiva, uma coisa ou objeto ideal. Tenho que verificar se encontro duas árvores que sejam realmente iguais para provar que a igualdade existe no mundo real. Posso imaginar duas árvores iguais, porém posso igualmente andar pelo mundo inteiro e nunca encontrar nada que seja rigorosamente igual. Mas nunca vou me livrar da ideia de igualdade.

Porque existe como uma ideia, a igualdade é um “objeto ideal”. Em geral os objetos ideais são possíveis, são conhecidos, ou sabe-se que há grande probabilidade de que serão conhecidos um dia. Mas já estão tentativamente fabricados pelo sistema associativo sempre que este precisa fechar a sua sintaxe de causa e efeito e não encontra coisas reais com que fazê-lo.

Os objetos ideais, como os “juízos sintéticos” e os “juízos analíticos”, na expressão de Kant, são apenas fatos mentais, e não realidades. São, ou intuições conceituais a priori, irredutíveis, ou então intuições conclusivas que estão após e ao final do discurso, da pesquisa científica, do raciocínio filosófico ou de qualquer forma de associação de ideias em busca de um fechamento sintáxico lógico. As primeiras constituem objetos ideais sempre verdadeiros, existam ou não realmente os objetos a que se referem. Uma sentença absurda como “o cão verde é cão”, é, de acordo com sua própria afirmação, uma sentença verdadeira; mas “o cão é branco” não contem a mesma condição de verdade, e seria necessário verificar se existe efetivamente um cão dessa cor. Em qualquer dos dois casos, o fato de o pensamento ser lógico não equivale à mínima garantia de que um objeto pensado exista, além de estar contido no pensamento. E isto é válido inclusive para a matemática.

Thomas Kuhn fez o convite a que se procure falsear os leis científicas para testá-las, o que me parece desnecessário. As leis científicas são juízos sintéticos, como tais correspondem a objetos ideais e portanto são falsas de origem. Não precisamos falseá-las para estarmos sempre na expectativa de que venham a falhar. Mesmo que algo se lhes corresponda no mundo real, essa correspondência inclusive pode revelar-se parcial, ilusória, efêmera.
Por razão da sintaxe natural do pensamento lógico, as sequências matemáticas e os arranjos geométricos já estão dados como elos associativos possíveis, para cuja estruturação de alguma forma se acha predisposto o sistema associativo. Por exemplo, em presença de quatro objetos, externos ou como produto associativo interno, é previsível que as pessoas digam que vêm ou pensam quatro objetos, se já aprenderam a se expressar assim a respeito de quantidades. A experiência original é que, se tenho ou penso quatro objetos, eles podem ser tomados dois a dois, e então se dirá, inversamente, que dois mais dois são quatro, o que dá uma fórmula matemática, – tautológica, como o são todas as fórmulas matemáticas.

No entanto, uma pessoa fortemente motivada emocionalmente, poderá dizer que ali estão três objetos, e não quatro, “esquecendo”, ou deixando de ver, um deles por um lapso de motivos inconscientes ou devido ao efeito de uma droga. Isto mostra que a associatividade lógica é guiada por um sentimento de adequação de objetos ideais à experiência, ou mesmo adequação inversa, ao contrário, como nas alucinações e nas ilusões. Neste caso dá-se a adequação da experiência aos objetos ideais, o indivíduo pensa, vê e ouve por efeito de um sentimento que vem de sintaxes lógicas genéticas e seu raciocínio é destorcido. É o sentimento de adequação que dá a solução, e isto deixa evidente que, na rede associativa, a força da interligação e associação está nos sentimentos.

Kant exemplificou com a proposição 5+7=12, dizendo que 12 não está contido nem no 5 nem no 7, nem mesmo no processo de soma, e concluiu que os juízos matemáticos também são sintéticos, e não analíticos como se supunha. Efetivamente, nada prova essa fórmula a menos que coloquemos juntos 12 objetos e deles separemos dois grupos de 5 e 7. A proposição se torna um juízo analítico somente se for invertida: de doze podemos tirar 5 e 7. Isto fornece o modo usual de verificação da verdade de uma proposição matemática, que consiste em testá-la em sentido dedutivo, como juízo analítico.

O matemático parte sempre de um todo representado por uma fórmula para encontrar um termo nela incluído que é desconhecido, mas que será necessariamente descoberto desde que, a partir do já conhecido, seja construída uma “cadeia de razões” que a ele conduza. “Em matéria de progressões matemáticas (2+2=4, +2=6, +2=8, etc.) quando se tem os dois ou três primeiros termos, não é difícil encontrar os outros”, diz Descartes. Porém, com os objetos metafísicos dá-se um problema: é que o todo é desconhecido. O todo é criado sinteticamente em nossa mente como objeto ideal.

O pensamento lógico é um grande fabricante de objetos ideais, que, enquanto não encontram prova na realidade, são falsidades lógicas. De onde veio o mundo? Qual a “causa” do mundo? Para resolver essa necessidade lógica decorrente da sintaxe lógica da associatividade, o próprio sistema constrói a resposta como um objeto ideal: houve um criador, o mundo não poderia existir se não tivesse sido criado. Não um homem, mas um ser com certeza diverso do homem, é o criador. Deus criou o mundo.

Todos os predicados necessários a um Deus que pudesse criar o mundo são adicionados a esse objeto ideal. Predicados mais ou menos completos, conforme o alcance da mente que raciocina. Um selvagem se contentará em figurar Deus como o trovão. Um homem educado, verificará que muito mais predicados do que possa ter o trovão são necessários para criar uma ideia de Deus que represente um adequado fechamento associativo lógico para si, e o deixe satisfeito com a ideia de um Criador.

Mas não importa. Tanto quanto a igualdade, a ideia de um Deus é, a priori, uma falsidade lógica, ou seja, eu posso andar por todo o mundo e nunca encontrar nada que demonstre que esse Deus pensado realmente exista, do mesmo modo que talvez tivesse andado atrás de duas coisas iguais com que pudesse materializar e tornar real a igualdade, sem nada encontrar.

E como um dos predicados desse Deus é que, como criador do mundo, está fora dele, então fica ainda mais remota a possibilidade de que algum sinal desse Deus possa ser encontrado além da própria ideia que dele tenho, criada por ingente necessidade das sintaxes associativas de minhas estruturas genéticas que criam em minha mente o pensamento lógico.

Uma pessoa de fé não tem nenhum problema em encontrar em sua vida provas concretas da existência de Deus além dessa necessidade de sua existência como objeto ideal. Mas muitos filósofos ainda conservam como seu mais elevado anseio a possibilidade das provas racionais, quer dizer, puramente lógicas, da existência de Deus, independente de qualquer prova concreta.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 06-12-2009.

Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Objetos Ideais e Pensamento Lógico. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.