A Intuição

Hoje: 28-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

 

No sentido comum e popular de intuição, a palavra refere-se a um conhecimento sem fundamento teórico ou técnico, como quando alguém chega a um resultado por erro e acerto. Então se diz que agiu por “intuição”. A intuição é comumente dita ser a ideia que se apresenta espontaneamente à mente como na solução de um problema.
Em filosofia, o uso que dela faz Bertrand Russell, por exemplo, é de um pronto conhecimento da verdade, de uma razão que não pede nenhuma causa ou razão anterior, algo que é um princípio geral e evidente por si mesmo “e não é ele mesmo capaz de ser deduzido de qualquer coisa mais evidente”. Nisto ele inclui por um lado os princípios da lógica, e de outro as impressões básicas de nosso sentidos, que ele chama “verdades de percepção”, e fatos da memória (Russell, 1943, p. 111-118). O uso que faço da expressão é um pouco diverso, porém não deixa de incluir perfeitamente as modalidades citadas.

Chamo intuição a qualquer forma pronta e completa de conhecimento ou experiência de consciência, e ai se inclui o conhecimento de nosso próprio Eu, que conhecemos por intuição sensível, como sensação interna, senestésica, separada e discriminada das sensações externas.

A intuição sensorial ou sensível é a consciência da dor, a consciência dos sons vários, dos cheiros diferenciados, da temperatura, do que é pesado ou leve, de objetos. É o perceber com um só olhar, discriminar em um só lance, um automóvel, uma pessoa, uma casa. Esta intuição é imediata. Tão pronta que parece ser uma comunicação direta entre mim e o objeto. Posso me desviar do objeto, sentar sobre o objeto, tapar o nariz devido a um mau cheiro, porém sem nada nomear, sem nada conceituar.

A intuição conceitual é a ideia. Platão teria usado a palavra “ideia” pela primeira vez, com o significado de visão da essência das coisas, em um mundo das essências, totalmente separado do mundo do qual temos nossas intuições sensoriais.

Entre os empiristas ingleses, ideia significou – em Locke – qualquer fenômeno psíquico. É, porém, Hume que faz o emprego terminológico que me interessa. Ele distingue entre “ideia” e “impressão”; impressão é a vivência de algo como atualmente dado, entendo que é a intuição sensível ou sensorial; ideia, em troca, é a vivência reproduzida, a vivência que reproduz uma impressão anterior, entendo que é a intuição conceitual.

Mesmo que se apresente limpa e pura à consciência, subitamente, como se proviesse diretamente da coisa intuída, o conceito, a ideia, depende da experiência. As intuições conceituais são possíveis desde que haja uma experiência prévia de intuições sensíveis. A razão é que as experiências que a mente guarda das intuições sensíveis é que vão permitir o uso dessas intuições como “suporte” para as intuições conceituais. Efetivamente, seria impossível compor-se a intuição conceitual se primeiro alguma sensação, principalmente de sons e imagens, não houvesse ocorrido nunca. Nas pessoas normais, dotadas de visão e audição, esses dois tipos de sensações são as duas formas comuns de intuição sensível utilizadas como suporte do pensamento.

A intuição conceitual ou ideia é a unidade construída a partir de todos os caracteres de uma coisa dentro de um certo domínio associativo: o conceito depende de uma elaboração associativa que não é consciente, e que por não ser consciente fez parecer aos modernos que havia ideias ou conceitos inatos. Esses caracteres captados entre descontinuidades associativas, é o que chamamos atrás um “objeto configurado”. Por isso as intuições conceituais são de várias naturezas ou categorias, conforme o objeto configurado é construído segundo uma ou outra sintaxe.

Porém existem as intuições conceituais ou ideias às quais chegamos por via de um raciocínio, isto é, vamos questionando, vamos compondo uma linha de pensamentos em busca de um resultado que subitamente aparece pronto em nossa mente, como intuição de um fechamento perfeito para nosso raciocínio. Isto vale tanto quando procuramos causas últimas como quando procuramos um efeito último que é desejado. De modo que algumas intuições conceituais são redutíveis, e outras irredutíveis. Os juízos que as primeiras proporcionam são aqueles chamados sintéticos, e os juízos correspondentes às segundas são os analíticos.

Na intuição sentimental, o que captamos não é aquilo que o objeto é, mas o que o objeto desperta em nós como reação, no mesmo instante do conhecimento que dele temos. Essa intuição também depende de uma elaboração associativa que não é consciente, como a de adequação do objeto ao nosso plano de vida, que num relance nos aparece como uma disposição de aceitá-lo ou não, como sentimento de desejo ou repulsa, de afeto ou irritação, de que nos desafia, etc. A intuição sentimental acompanha a ideia porque provem da condição fisiológica que o arranjo associativo da configuração assumiu na experiência anterior com esse objeto.

As intuições têm vinculado a elas um impulso de ação ou reação que se manifesta como intuição comportamental. Isto sugere que uma configuração associativa tem elementos para gerar impulsos de comportamento. São os atos reflexos em geral, como as respostas prontas que dá o atleta ou o jogador.

O fato de que tanto a intuição sentimental quanto a intuição comportamental podem sofrer influência de uma química externa é sugestivo de que, por sua vez, estão vinculadas à configuração inconsciente da ideia por via de sua fisiologia. Vale dizer, a mesma ideia, a mesma intuição conceitual, pode despertar reações até opostas, quando a fisiologia natural da sua estrutura é artificialmente modificada, por exemplo, pela ingestão de álcool.

A compreensão da intuição comportamental ou impulso é importante para a Ética. Reconhecer que a pessoa agiu por um impulso, impensadamente, é em geral aceito como atenuante de sua culpa.

O homem primitivo é isto; é aquele que vive segundo suas intuições frente ao que se lhe depara. Tem a reação imediata e primária condicionada a objetivos vitais para sua sobrevivência natural e social, no sentido de manter o rumo aquisitivo positivo que a natureza pede. Creio que o que presentemente está em voga chamar “Inteligência emocional” corresponde a essa forma intuitiva e não refletida de conduzir as coisas, acreditando que tudo que ocorre espontaneamente à mente terá mais probabilidade de conduzir a um acerto que a ponderação e avaliação de probabilidades.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 06-12-2009.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – A Intuição. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2009.