Hoje: 13-12-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
Carlos Luís, Príncipe eleitor do Palatinado renano (1617-1680), era filho de Frederico V, rei protestante da Boêmia que acumulava sob seu poder também o Palatinado, e era o Chefe da União Protestante contra os católicos austríacos. Eleito Imperador do Sacro Império Germânico perdeu o trono em 1620 depois da decisiva batalha nas vizinhanças de Praga, que deu início à Guerra dos Trinta Anos. Sua irmã a erudita abadessa Isabel de Hervord tornou-se em 1643 uma correspondente e amiga próxima de Descartes, que então vivia na Holanda. Outra irmã foi a princesa Sofia, de Hanôver.
Filho maior de Frederico V, Carlos Luís recebeu excelente educação basicamente franco-holandesa. Depois da urina de sua Casa viveu como príncipe herdeiro refugiado e cavaleiro andante, frequentemente entregue aos prazeres para desespero de seu tutor e conselheiro Rusdorf; de natureza alegre e saudável, nem os percalços por que passou o alquebraram ou diminuíram seu prazer de viver. Durante sua juventude conheceu as formas religiosas mais diferentes. Esteve submetido ao protestantismo alemão, holandês e inglês, havia tido contatos com os presbiterianos escoceses e com os puritanos ingleses. Na corte de seu tio Carlos I havia conhecido a igreja anglicana dos Stuarts, e em França ao catolicismo, sem que nenhuma destas formas religiosas lhe causasse uma impressão profunda. Era um tipo mundano que nada tinha da paixão religiosa protestante de seus antepassados. Era por conseguinte muito cético e mesmo frívolo, e só tratava de religião sob o aspecto político.
Com o apoio dos Ingleses Carlos Luís fez, em 1638 39 duas tentativas militares fracassadas de reconquistar pelas armas seu legítimo patrimônio. A segunda nem chegou a colocá-la realmente em prática, vindo da Inglaterra, foi preso em território francês por ordem do Cardeal Richelieu. Depois de libertado, retornou à Inglaterra onde teve, juntamente com seu irmão menor Ruperto uma participação débil na revolução que destronou Carlos I. Com o tratado de Westfalia teve de volta a parte circunscrita ao Palatinado Renano dos domínios hereditários que o pai havia perdido, e também a dignidade de Eleitor do Imperador do Sacro Império. A grande perda de patrimônio da família o deixaram em dúvida em aceitar as condições do tratado, porém seguiu o conselho do filósofo René Descartes, amigo da família, que lhe disse que naquelas circunstâncias era mais prudente contentar-se com o que era possível alcançar, parecer satisfeito e dar graças tanto aos que haviam concedido a devolução de uma parte, como aos que não se haviam apoderado de todo o resto, porque “A menor parte do Palatinado vale mais que todo o império dos tártaros ou dos moscovitas”.
Em outubro de 1649 Carlos Luís entrou solenemente na antiga capital do condado do Palatinado, a cidade de Heidelberg, cujo magnífico palácio desmoronado foi restaurado com muito trabalho e tempo para fazê-lo habitável. O novo soberano tinha 32 anos, vividos em sua maior parte na Corte de seu tio o rei Carlos I da Inglaterra. Era dos príncipes alemães mais simpáticos da época. Saiu do país menino e quando voltou o encontrou devastado e empobrecido mas sua simpatia e inteligência levaram o seu povo a reconstruí-lo. A essa missão dedicou Carlos Luís toda sua atividade e talento, que unidos a uma prudente economia produziram o resultado mais admirável, o que valeu ao príncipe o título de “Restaurador do Palatinado). Tão logo retornou ao país, se apressou em restituir a Igreja reformada seus direitos e seu antigo território. Os curas expulsos regressaram, as paróquias foram ocupadas de novo por seus pregadores e se restabeleceu o antigo predomínio da religião reformada conforme exigia a religiosidade dos habitantes. Também concedeu aos luteranos e católicos até mais do que a tolerância exigida pela paz de Wesfalia, para o que teve que moderar o zelo excessivo dos pastores calvinistas. dominante. Cedeu em Heidelberg uma igreja aos luteranos
Para repovoar seus domínios, o príncipe chamou colonos, inclusive oferecendo isenção de impostos por um ano a quem retomasse uma cultura abandonada, três anos para terrenos bravios e seis anos para quem plantasse novos vinhedos; introduziu-se no país o cultivo do tabaco e da batata. Fundou a cidade de Mannheim no ano de 1652, destinada a ser um grande centro comercial, um porto fluvial na confluência do Reno com o rio Nackar para realizar o comércio com a Holanda. Convidou pessoas honradas de todas as nações a se estabelecerem na nova cidade, e que todos os habitantes gozassem de completa liberdade, como na Holanda. Concedeu isenções de impostos também para a indústria, podendo todo habitante de Mannheim criar a indústria que quisesse , sem ser submetido a controles do estado ou de associações, e ampla liberdade religiosa. Em 1663 a cidade achava-se já notavelmente desenvolvida.
A Universidade de Heidelberg, a mais antiga da Alemanha, que sofrera grandemente com a guerra foi restaurada. Sua magnífica biblioteca havia sido levada para Roma; seus professores e estudantes se haviam dispersado e estivera completamente deserta e fechada desde 1630. A 1 de novembro de 1652 a Universidade foi solenemente reaberta. Criou novos estatutos para a Universidade em vigor a partir de 1672, estabelecendo como lei a completa igualdade religiosa. Convidou a Spinoza para ocupar uma cátedra, este recusou-a por não pretender trocar a liberdade que tinha na Holanda sob a proteção do Chefe dos Estados Gerais, Johan de Witt, por uma situação desconhecida em um país estrangeiro.
Carlos Luís foi casado primeira vez com Carlota de Hessse, de quem teve dois filhos, Carlos, que chegou a subir ao trono do eleitorado, e Isabel Carlota. Casou em segundas núpcias com Luisa de Degenfeld.
Na eleição de Fernando IV, Imperador do Sacro Império Romano, em 1653, Carlos Luís figurou pela primeira vez com seu cargo honorífico de arquitesoureiro do Império, e talvez por esse título saiu a cavalo lançando moedas para o povo, e o animal, assustado, lançou ao solo, acidente sem consequência maior que a de ter sido tomado como sinal de mau presságio para o rei recém-coroado. Muito necessitado de dinheiro, em 1656 vendeu seu voto de eleitor comprometendo-se com o governo francês a eleger quem fosse do interesse da França, a troco de uma soma considerável e uma renda anual também grande, e no ano seguinte fez um acordo secreto sob condições ainda mais favoráveis obrigando-se a não votar em nenhum Habsburgo e a dar seu voto ao candidato que fosse recomendado pela França. Seu temperamento sanguíneo se manifestou numa reunião dos eleitores em Frankfurt, , após a morte de Fernando III. Irritado com o embaixador da Baviera por este fazer referências ofensivas ao falecido Frederico IV, seu pai, arremessou um tinteiro na cabeça do embaixador. O incidente não teria provocado tanto escândalo, não fosse a tinta haver atingido as vestes de vários dignatários à volta do embaixador.
O príncipe não teve nenhum escrúpulo em casar sua filha Isabel com um príncipe católico, Filipe de Orleans, irmão de Luiz XIV. Fingiu não saber que a filha, por exigência dos franceses, aprendia o catecismo católico dentro do seu próprio palácio, pois não queria que os súditos protestantes o considerassem traidor da igreja dominante. Depois perdoou publicamente a filha afirmando que as verdades fundamentais do cristianismo eram comuns a todas as religiões cristãs. Fez guerra ao seu vizinho o eleitor Juan Felipe de Magúncia, em 1665 por questões territoriais envolvendo a posse da cidade de Ladenburg à margem do rio Neckar, um conflito que necessitou da arbitragem da França e da Suécia para chegar ao fim.
No castelo de Mannheim construiu uma igreja que dedicou à “Santa Concórdia”. Esta igreja devia servir, segundo a vontade do príncipe, ao culto das três religiões por igual segundo uma Agenda de concórdia. No lançamento da primeira pedra discursou um cura católico que pronunciou um discurso “em honra da concórdia”. Carlos Luís faleceu pouco depois da inauguração da igreja da Concórdia, em 28 de agosto de 1680.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 00-00-1997.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Queiroz – NOTAS: Vultos e episódios da Época Moderna. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1997.