Georg Wilhelm Friedrich Hegel

Hoje: 19-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

«1 2

PENSAMENTO

A filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como um todo sistemático. O sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode receber esta revelação. Na religião a verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o homem pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus.

O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual mas um monismo no qual a diferenciação é essencial. Somente através da experiência pode a identidade do pensamento e o objeto do pensamento serem alcançados, uma identidade na qual o pensar alcança a inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. Assim, a verdade é conhecida somente porque o erro foi experimentado e a verdade triunfou; e Deus é infinito apenas porque ele assumiu as limitações de finitude e triunfou sobre elas. Similarmente, a queda do homem era necessária se ele devia atingir a bondade moral. O espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo como espírito somente por contraste com a natureza.

O sistema de Hegel é monista pelo fato de ter um tema único: o que faz o universo inteligível é vê-lo como o eterno processo cíclico pelo qual o Espírito Absoluto vem a conhecer a si próprio como espírito (1) através de seu próprio pensamento; (2) através da natureza; e (3) através dos espíritos finitos e suas auto-expressões na história e sua auto-descoberta, na arte, na religião, e na filosofia, como Um com o próprio Espírito Absoluto.

O compêndio do sistema de Hegel, a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”, é dividida em três partes: Lógica, Natureza e Espírito. O método de exposição é dialético. Acontece com frequência que em uma discussão, duas pessoas que a princípio apresentam pontos de vista diametralmente opostos depois concordam em rejeitar suas visões parciais próprias, e aceitar uma visão nova e mais ampla que faz justiça à substância de cada uma das precedentes. Hegel acreditava que o pensamento sempre procede deste modo: começa por lançar uma tese positiva que é negada imediatamente pela sua antítese; então um pensamento seguinte produz a síntese. Mas esta síntese, por sua vez, gera outra antítese, e o mesmo processo continua uma vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o pensamento alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo fato de que tudo que estava implícito ali foi agora tornado explícito, tudo que estava oculto no ponto inicial foi revelado.

Assim o pensamento propriamente, como processo, tem a negatividade como um de seus momentos constituintes, e o finito é, como a auto-manifestação de Deus, parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Hegel dá conta desse processo dialético em três fases:

Lógica: O sistema começa dando conta do pensamento de Deus “antes da criação da natureza e do espírito finito”, isto é, com as categorias ou formas puras de pensamento, que são a estrutura de toda vida física e intelectual. Todo o tempo, Hegel está lidando com essencialidades puras, com o espírito pensando sua própria essência; e estas são ligadas juntas em um processo dialético que avança do abstrato para o concreto. Se um homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais abstrata categoria de todas), ele encontra que ela é apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada “é”. A noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e no entanto cada uma, quando alguém tenta pensá-la, passa imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções separadamente e afirmá-las juntas, isto é, afirmar a noção do vir a ser, uma vez que o que ambas vem a ser é e não é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através de categoria de crescente complexidade e culmina com a ideia absoluta, ou com o espírito como objetivo para si mesmo.

Natureza: A natureza é o oposto do espírito. As categorias estudadas na Lógica eram todas internamente relacionadas umas às outras; elas nascem umas das outras. A natureza, no entanto, é uma esfera de relações externas. Partes do espaço e momentos do tempo excluem-se uns aos outros; e tudo na natureza está em espaço e tempo e assim é finito. Mas a natureza é criada pelo espírito e traz a marca de seu criador. As categorias aparecem nela como sua estrutura essencial e é tarefa da filosofia da natureza detectar essa estrutura e sua dialética; mas a natureza, como o reino da “externalidade”, não pode ser racional sequencialmente, de modo que a racionalidade prefigurada nela torna-se gradualmente explícita quando o homem aparece. No homem a natureza alcança a autoconsciência.

Espírito: Aqui Hegel segue o desenvolvimento do espírito humano através do subconsciente, consciente e vontade racional. Depois, através das instituições humanas e da história da humanidade como a incorporação e objetivação da vontade; e finalmente para a arte, a religião e filosofia, na qual finalmente o homem conhece a si mesmo como espírito, como Um com Deus e possuído da verdade absoluta. Assim, está então aberto para ele pensar sua própria essência, isto é, os pensamentos expostos na Lógica. Ele finalmente voltou ao ponto de partida do sistema, mas no roteiro fez explícito tudo que estava implícito nele e descobriu que “nada senão o espírito é, e espírito é pura atividade”.

Nos trabalhos políticos e históricos de Hegel, o espírito humano objetiva a si próprio no seu esforço para encontrar um objeto idêntico a si mesmo. A Filosofia do Direito cai em três divisões principais. A primeira trata da lei e dos direitos como tais: pessoas (isto é, o homem como homem, muito independentemente de seu caráter individual) são o sujeito dos direitos, e o que é requerido delas é meramente obediência, não importa que motivos de obediência possam ser. O Direito assim é um abstrato universal e portando faz justiça somente ao elemento universal na vontade humana. O indivíduo, no entanto, não pode ser satisfeito a menos que o ato que ele faz concorde não meramente com a lei mas também com suas próprias convicções conscientes. Assim, o problema no mundo moderno é construir uma ordem política e social que satisfaça os anseios de ambos. E assim também, nenhuma ordem política pode satisfazer os anseios da razão a menos que seja organizada de modo a evitar, por uma parte, a centralização que faria os homens escravos ou ignorar a consciência e, por outra parte, um antinomianismo (argumentação que se desenvolve por meio de antinomias: as proposições mutuamente excludentes) que iria permitir a liberdade de convicção para qualquer indivíduo (liberalismo) e assim produzir uma licenciosidade que faria impossível a ordem política e social.

O Estado que alcançasse essa síntese, haveria de apoiar-se na família e na culpa. Seria talvez uma forma de monarquia limitada, com governo parlamentarista, julgamento por um júri, e tolerância para judeus e dissidentes, e seria diferente de qualquer estado existente nos dias de Hegel.

Na Filosofia da História Hegel pressupôs que a historia da humanidade é um processo através do qual a humanidade tem feito progresso espiritual e moral e avançado seu auto-conhecimento. A história tem um propósito e cabe ao filósofo descobrir qual é. Alguns historiadores encontraram sua chave na operação das leis naturais de vários tipos. A atitude de Hegel, no entanto, apoiou-se na fé de que a história é a representação do propósito de Deus e que o homem tinha agora avançado longe bastante para descobrir o que esse propósito era: ele é a gradual realização da liberdade humana.

O primeiro passo era fazer uma transição da vida selvagem para um estado de ordem e lei é a revolução. Em muitos pontos o pensamento de Hegel serviu aos fundamentos do marxismo, e um deles é sua concepção de que os Estados têm que ser encontrados por força e violência pois não há outro caminho para fazer o homem curvar-se à Lei antes dele ter avançado mentalmente tão longe suficiente para aceitar a racionalidade da vida ordenada. Alguns homens aceitarão as leis e se tornarão livres, enquanto outros permanecerão escravos. No mundo moderno o homem passou a crer que todos os homens, como espíritos, são livres em essência, e sua tarefa é, assim, criar instituições sob as quais eles serão livres de fato.

«1 2

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 10-06-2001.

Direitos reservados.
Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Hegel. Filosofia Contemporânea. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2001.