Benjamim Constant

Hoje: 19-04-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Pensamento

Encontramos uma filosofia política no pensamento de Benjamin Constant principalmente quando faz sua critica à teoria da “vontade geral” de Rousseau, e enumera suas falhas. No capítulo primeiro de seu livro Principes de politique applicables à tous les gouvernements représentatifs, tido como a principal fonte para o conhecimento de suas ideias políticas, ele trata do problema fundamental da legitimidade do poder, analisando o conceito de “vontade geral”.

Contestação a Rousseau. Constant aceita a teoria de Rousseau quanto à existência da “vontade geral”, porém vê nessa ideia um totalitarismo potencial. Concorda em que não é possível contestar a supremacia da vontade geral sobre toda a vontade particular, mas observa que são muitos os males causados sob o pretexto de realizar essa vontade. Ele admite: “não há no mundo senão dois poderes, um ilegítimo, é a força; e outro legítimo, é a vontade geral”. Porém – adverte – é necessário uma definição correta da natureza e da extensão dessa teoria – caso contrário, sua aplicação será calamitosa. Comenta que os crimes cometidos pela Revolução Francesa pareciam dar força aos que pretendiam descobrir outras fontes para a autoridade dos governos, que não a vontade geral.

Constant salienta que declarar, Rousseau, que a soberania popular permanece no povo e não pode nem ser alienada, nem delegada, nem representada, era declarar, em outros termos, que ela não pode ser exercida; é negar, de fato o princípio que acabava de proclamar. Os partidários do despotismo partem francamente desse axioma, porque ele lhes dá apoio e os favorece. A soberania não existe senão de uma maneira limitada e relativa – afirma. Onde começa a independência e a existência individuais, aí para a jurisdição daquela soberania. A sociedade não pode desrespeitar essa linha, exceder sua competência, sem ser usurpadora, ou desprezar a maioria, sem ser facciosa. “Rousseau ignorou esta verdade, e seu erro fez do seu contrato social, tantas vezes invocado em favor da liberdade, o mais terrível auxiliar de todos os gêneros de despotismo.” diz. “Entendo por liberdade o triunfo do indivíduo tanto sobre a autoridade que queira governar despoticamente quanto sobre as massas que reclamam o direito de escravizar a minoria à maioria”.

Soberania do povo. Segundo Benjamin Constant, é falso que, em nome da vontade geral, a sociedade inteira possua sobre os seus membros uma soberania absoluta, sem limites. Igualmente não pode alguém, ou uma facção, assumir a soberania que pertence ao povo, se ela não lhe for delegada. Porém não se segue que o conjunto dos cidadãos, ou aqueles que por eles são investidos da soberania, possam dispor soberanamente da existência dos indivíduos. Há, ao contrário, uma parte da existência humana que, necessariamente, permanece individual e independente, e que está, de direito, fora da competência da sociedade.

Os cidadãos possuem direitos individuais independentes de toda autoridade social ou política. São direitos naturais do homem, que não podem ser alienados, transferidos para a sociedade. Segundo Benjamin Constant, esses direitos fundamentais são: 1) a liberdade individual; 2) a liberdade religiosa; 3) a liberdade de opinião, na qual está compreendida a publicação (A imprensa é um baluarte contra o abuso do poder e a arbitrariedade do governo); 4) o gozo da propriedade e, 5) a garantia contra todo arbítrio. Toda autoridade que viola esses direitos torna-se ilegítima. Nenhuma autoridade pode atentar contra esses direitos, sem rasgar seu próprio título. A Déclaration des droits de l’Homme et du Citoyen de 1789 reconheceu esses direitos e a legitimidade da resistência à opressão.

A soberania do povo não é ilimitada, ela está circunscrita aos limites que são traçados pela justiça e pelo direito dos indivíduos. A vontade de todo um povo não pode fazer justo o que é injusto. Se a soberania do povo não é ilimitada, e por isso sua vontade não é suficiente para legitimar tudo que quiser, então a autoridade da lei que não é outra coisa que a expressão verdadeira ou suposta de sua vontade, também não pode ser sem limites.

O povo não tem o direito de atacar um só inocente, nem de tratar como culpado um só acusado, sem provas legais. Ele não pode delegar um direito como esse a ninguém. O povo não tem o direito de atentar contra a liberdade de opinião, contra a liberdade religiosa, contra as salvaguardas judiciais, contra as formalidades legais protetoras. Nenhum déspota, nenhuma assembleia pode, portanto, exercer um direito semelha te dizendo que foi investida pelo povo. Todo despotismo portanto é ilegal, nada o pode sancionar, nem mesmo a vontade popular que ele alegue. Se é reconhecido que a soberania não é sem limites, que não existe sobre a terra nenhum poder ilimitado, ninguém, em qualquer tempo, ousará reclamar um poder semelhante.

Contestação a Hobbes. Constant comenta que pode ser visto claramente que o caráter de absoluto que Hobbes atribui à soberania do povo é a base de todo o seu sistema. Aquele filosofo, que reduziu o despotismo a um sistema político, concebe a soberania como ilimitada, e disto conclui pela legitimidade do governo absoluto de um só. Segundo ele, democracia é uma soberania absoluta colocada nas mãos de todos, a aristocracia uma soberania absoluta nas mãos de alguns, a monarquia a soberania absoluta nas mãos de um só.

Nada mais falso que essas conclusões, afirma Constant. O soberano somente tem o direito de punir as ações culpáveis; o direito de fazer a guerra somente se a sociedade for atacada, e o direito de fazer leis somente quando elas são necessárias e com a condição de que sejam conformes com a justiça. Não há, portanto, nada de absoluto, nada de arbitrário nessas atribuições. A democracia é a autoridade depositada em todos, mas somente enquanto necessária à segurança da sociedade. O povo pode transferir esta autoridade a um só homem, ou a um pequeno número de pessoas, mas o poder transferido tem os mesmos limites que tem o o poder do povo que o transferiu. Nenhum autoridade sobre a terra é ilimitada, nem a do povo, nem a dos homens que se dizem seus representantes, nem a dos reis, seja qualquer que seja o título a que reinam.

Parlamentarismo. Feita essa importante contestação, de que a vontade geral possa ter um poder absoluto que estaria no povo ou que povo pudesse delegar a alguém ou a algum grupo governante esse poder, Constant passa à formulação da sua teoria do regime parlamentarista, desenvolvida por ele em 1815. Constant é o primeiro teórico do regime parlamentarista. Descreve, a partir do capítulo II, as funções, deveres e virtudes de uma monarquia constitucional, em oposição ao arbítrio e à usurpação próprios de uma monarquia absoluta.

Em uma monarquia constitucional admitia-se o poder executivo, o poder legislativo, e o poder judiciário, os quais deveriam cooperar entre si. Porém em seu parlamentarismo, Constant sugere ao todo cinco poderes: 1) o poder real ; 2) o poder executivo (confiado aos ministros); 3) o poder representativo de la durée (O poder representativo da “dureée” reside em uma assembleia hereditária; 4) o poder representativo da opinião (reside em uma assembleia eleita), e 5) o poder judiciário (confiado aos tribunais). Os dois primeiros poderes fazem as leis, o terceiro poder provê a sua execução geral, o quarto as aplica aos casos particulares.

O poder real é separado do poder executivo. Se a ação do poder executivo se torna perigosa, o rei pode destituir os ministros. Se a ação da câmara hereditária se torna funesta, o rei pode criar novos pares e lhe dar nova feição; se a ação da câmara eleita se mostra ameaçadora, o rei faz uso do veto, ou pode dissolve-la e convocar novas eleições. Enfim a ação mesmo do poder judiciário, se é facciosa, quando aplica às ações individuais penas no geral muito severas, o rei tempera essa ação por meio do seu direito de conceder graça. O poder real fica no meio, mas acima dos quatro outros, autoridade ao mesmo tempo superior e intermediária, sem interesse de desarranjar o equilíbrio, mas tendo ao contrario todo interesse em o manter. O Rei, em um país livre, é um ser à parte, superior à diversidade de opiniões. Reina, porém não governa. É inviolável. É um poder indispensável dentro da sociedade que é neutro, vigilante contra os excessos e o arbítrio entre os demais poderes. E nisto que consiste a diferença entre a monarquia absoluta e a monarquia constitucional.

Constant não institucionaliza a figura do primeiro ministro. Os atos ministeriais são assinados pelo ministro respectivo juntamente com o rei.

Na institucionalização das Câmaras, Constant faz um distinção sutil entre o que chama o poder representativo de la durée, uma assembleia hereditária constituída pela nobreza, e o poder representativo da opinião, uma assembleia popularmente eleita. A primeira, também chamada câmara alta, por sua natureza situa-se entre o rei e o povo. Também por sua natureza hereditária, é uma assembleia conservadora, capaz de conter ímpetos demagógicos da câmara baixa ou popular. Por essa razão a câmara alta é a que tem competência para julgar os ministros que forem acusados pela câmara baixa.

A câmara baixa, ou dos deputados, é constituída de proprietários de bens consideráveis. Constant impede os não proprietários de se elegerem, por considerar que uma pessoa sem nenhuma posse não terá condições de ter um bom discernimento político, nem conhecer bem seus próprios interesses. Um deputado pode ser convocado a ser ministro.

Em seu livro Constant tece interessantes considerações sobre a justiça, os juízes e os jurados. As formalidades processuais são indispensáveis, e funcionam como uma salvaguarda, porque parecem ser o único meio de discernir o inocente do culpado, todos os povos livres reclamaram sua instituição.

Na sua teoria Constant dá importância à autonomia da população local para decidir sobre assuntos que somente a ela estão afetos, e que não influenciam sobre as demais comunidades assumindo caráter de interesse regional ou nacional. Considera que as eleições diretas investem a representação de uma força maior e dá a ela raízes profundas. Ela força a riqueza a dissimular sua arrogância. A eleição popular dá ao político a necessidade da popularidade, e os leva às suas bases eleitorais, ficando as raízes de sua existência política na sua propriedade (dentro do postulado de que para votar e ser eleito é necessário ser proprietário)
É favorável à reeleição e aponta suas vantagens, inclusive a de formar nomes ilustres que, pelas reeleições não interrompidas, tornam-se uma espécie de patrimônio do povo.

Religião. Apesar de certas atitudes inconsistentes com as ideias que proclamava, Benjamin Constant nunca deixou de ser um agressivo lutador pelos princípios liberais. Em seu trabalho mais importante, De la religion considérée dans sa source, ses formes, et ses développements (5 vols., 1825-1831), ele descreve as religiões e a evolução das crenças e do sentimento religioso através da história. Ele considera a religião necessária, e prega a tolerância religiosa; mas é contra o abuso da religião que os políticos fazem, e faz a separação total entre Igreja e Estado. Critica a “religião civil” de Rousseau como um modo de garantir obediência servil ao Estado. A autoridade não deve jamais proibir uma religião, mesmo quando ela lhe pareça perigosa. O que deve fazer é punir as ações culpáveis que uma religião leva seus membros a cometer, não como ações religiosas, mas como ações culpáveis: deste modo haverá de cercear facilmente a religião que for inconveniente para a sociedade.

Conclusão. As ideias de Benjamin Costant, originais e polêmicas em sua época, foram aos poucos se firmando e hoje estão nas Constituições dos países mais adiantados do ocidente e do oriente. Uma forma de parlamentarismo em que o rei é substituído por um presidente temporário, eleito pelo povo, constitui muitas repúblicas, com eliminação da câmara alta hereditária. Em outras repúblicas, falta esse poder moderador do rei ou do presidente que o substitui, e tem-se um presidente do poder executivo, e a câmara alta é substituída por um senado de outra qualidade porém de funções idênticas.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 17-12-2005.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Benjamin Constant. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2005.