Auguste Comte

Hoje: 29-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
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Vida. Comte, cujo nome completo era Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte, nasceu em 19 de janeiro de 1798, em Montpellier, e faleceu em 5 de setembro de 1857, em Paris. Filósofo e autoproclamado líder religioso, deu à ciência da Sociologia esta denominação e estabeleceu a nova disciplina em uma forma sistemática.

Foi aluno da célebre École Polytechnique, uma escola em Paris fundada em 1794 onde se ensinava a ciência e o pensamento mais avançados da época. De família pobre, sustentou seus estudos com o ensino ocasional da matemática e oportunidades no jornalismo.

Um de seus primeiros empregos foi o de secretário do Conde Henri de Saint-Simon, o primeiro filósofo a ver claramente a importância da organização econômica na sociedade moderna, e cujas ideias Comte absorveu, sistematizou com um estilo pessoal e difundiu.

Comte foi apresentado ao filósofo, então diretor do periódico Industrie, no verão de 1817. Saint-Simon, um homem de fértil, mas tumultuada e desordenada criatividade, então quase sessenta anos mais velho que Comte, foi atraído pelo jovem brilhante que possuiu a capacidade treinada e metódica para o trabalho que lhe faltava. Comte tornou-se seu secretário e colaborador próximo, na preparação de seus últimos trabalhos. Quando Saint-Simon experimentou problemas financeiros, Comte permaneceu sem pagamento, ao que parece por razões intelectuais e talvez também a esperança de recuperação pecuniária do patrão.

Os esboços e os ensaios que Comte escreveu durante os anos da associação próxima com Saint-Simon, especialmente entre 1819 e 1824, mostram inequivocamente a influência do mestre. Esses primeiros trabalhos já contêm o núcleo de todas suas ideias principais, mesmo as mais tardias.

Em 1824 Comte desentendeu-se com Saint-Simon por questões de autoria legítima de ensaios que Comte devia publicar. A solução, que Comte considerou injusta, foi que cem cópias do trabalho saíram sob o nome de Comte, enquanto mil cópias, intituladas Catechisme des industriels indicavam a autoria de Henri de Saint-Simon. Outra causa do rompimento foi, ironicamente, Comte desdenhar a ideia de um paradigma religioso no projeto de Saint Simon, ele, Comte, que depois haveria de adotar essa ideia de modo ainda mais radical, proclamando a si mesmo como sumo sacerdote da Humanidade.

Em fevereiro 1825 Comte se casou com Caroline Massin, proprietária de uma pequena livraria, uma moça que ele já conhecia a alguns anos. Comte a achava forte e inteligente, mas depois taxou-a de ambiciosa e desprovida de afetividade. O casamento foi sempre tumultuado por motivos financeiros, uma vez que Comte não conseguia uma posição com salário fixo e contava apenas com os rendimentos das aulas particulares e alguma renda adicional por colaborações a jornais, mais frequentemente para o Producteur, um jornal fundado pelos filhos espirituais de Saint-Simon após a morte do mestre.

Depois de se afastar de Saint Simon, a principal preocupação de Comte tornou-se a elaboração de sua filosofia positiva. Não tendo nenhuma cadeira oficial da qual expor suas teorias, decidiu oferecer um curso particular que os interessados subscreveriam adiantado, e onde divulgaria sua Summa do conhecimento positivo. O curso abriu em abril, 1826, com a presença de alguns curiosos ilustres como Alexander von Humboldt, diversos membros da academia das ciências, o economista Charles Dunoyer, o duque Napoleon de Montebello, e Hippolyte Carnot, filho do organizador dos exércitos revolucionários e irmão do cientista Sadi Carnot, e vários estudantes da Ecole Polytechnique.

Comte deu apenas três aulas e foi obrigado a interromper o curso devido a um colapso nervoso. Seu mal foi diagnosticado como “mania”, no hospital do famoso Dr. Esquirol, o autor de um tratado sobre essa doença e um ex-aluno do não menos famoso Dr. Pinel, na Salpetrière. Ele próprio submeteu Comte a um tratamento com banhos de água fria e sangrias. Apesar de não receber alta, Comte foi levado para casa por Caroline

Em casa, Comte caiu em um estado melancólico profundo, e tentou mesmo o suicídio jogando-se no rio Sena. Somente em agosto 1828 logrou sair de sua letargia. O curso das conferências foi recomeçado em 1829, e Comte ficou satisfeito outra vez por encontrar na audiência diversos nomes de grandes das ciências e das letras.

Durante os anos 1830-1842, quando escreveu sua obra prima, Cours de philosophie positive, Comte continuou a viver miseravelmente na margem do mundo acadêmico. Todas as tentativas de ser apontado para uma cadeira na Ecole Polytechnique ou para uma posição na Academia das Ciências ou na Faculdade da França foram infrutíferas. Conseguiu somente em 1832 ser apontado assistente de “analyse et de mecanique” na Ecole; cinco anos mais tarde obteve também a posição de examinador externo para a mesma escola. Com as duas posições recebia pouco mais de dois mil francos, o que era pouco para as despesas que tinha com a esposa, e obrigou-o a continuar com as aulas particulares para o sustento da casa.

Durante os anos da concentração intensa quando escreveu o Cours, Comte foi incomodado não somente por dificuldades financeiras e as frustradas tentativas de emprego acadêmico. Também sofreu críticas do mundo científico por parte de importantes figuras que o ridicularizavam pela sua pretensão de submeter ao seu sistema todas as ciências. A mágoa agravou seu estado psicológico. Por razões “de higiene cerebral”, decidiu-se, em 1838, a não ler mais uma linha de qualquer trabalho científico, limitando-se à leitura de ficção e poesia. Em seus últimos anos, o único livro que haveria de ler repetidamente seria o “Imitação de Cristo”. Sua vida matrimonial, que sempre fora tempestuosa, também se desfez. Comte teve várias separações de Caroline, que não suportava os seus fracassos e terminou por deixá-lo definitivamente em 1842.

Só e isolado, continuou a atacar os cientistas que se recusavam a reconhecê-lo. Queixou-se de seus inimigos aos ministros do Rei, escreveu cartas delirantes à imprensa e atormentou a paciência dos poucos amigos que lhe restavam. Criando um número grande de inimigos na Ecole Polytechnique, sua nomeação como examinador não foi renovada em 1844. Perdeu com isto a metade de sua renda. Iria perder também a posição de assistente na Ecole em 1851.

Contudo apesar de todas estas adversidades, Comte começou lentamente a adquirir discípulos. E mais importante para ele foi que, além de encontrar alguns discípulos franceses notáveis tais como o eminente intelectual Emile Littré, também a sua doutrina positiva havia atravessado o Canal e recebera considerável atenção na Inglaterra. David Brewster, um físico eminente, saudou-o nas páginas do Edinburgh Review em 1838 e, o mais gratificante de tudo, John Stuart Mill transformou-se em seu admirador, citando-o em seu System of Logic (1843) como um dos principais pensadores europeus. Comte e Mill se corresponderam regularmente, e esse intercâmbio serviu a Comte não somente para refinar seus pensamentos como também para desabafar com o filósofo inglês as tribulações de sua vida conjugal e as dificuldades de sua existência material. Mill arrecadou entre admiradores britânicos de Comte uma soma considerável em dinheiro e lhe enviou como socorro para suas dificuldades financeiras.

No mesmo ano de 1844, Comte conheceu Clotilde de Vaux, por quem se apaixonou. Ela era uma mulher de trinta anos abandonada pelo marido, um funcionário público do baixo escalão, que havia fugido do país depois de se apropriar de fundos do governo. Um irmão de Clotilde que havia sido aluno de Comte na Escola Politécnica, e o convidou a ir à casa de seus pais, onde lhe apresentou a irmã. Comte ficou inteiramente seduzido por ela. Sua paixão tem, porém, um desdobramento inusitado. Clotilde está impedida pela lei de casar-se achando-se o seu marido foragido.

Auguste Comte tinha então quarenta e sete anos, e havia se separado três anos antes de sua mulher. Acabara de concluir seu monumental Cours de philosophie positive, e se preparava para escrever o que pretendia que seria sua principal obra, o Système de politique positive, do qual ele considerava o Cours de philosophie como apenas uma introdução. Entusiasmado com a própria paixão, Comte afirma que nada pode ser mais eficaz para o bem pensar que o bem querer. Afirma que a mulher encarna o sentimento e portanto, em última análise, a própria Humanidade, e se torna um abrasado feminista. Busca seriamente associar o sexo feminino, na pessoa de Clotilde, à obra de renovação social e moral que se impôs completar. Clotilde tenta colaborar, através de um romance filosófico, Wilhelmine, que ela se põe diligentemente a escrever. Mas adoece de tuberculose e vem a falecer em 1846.

Comte irá devotar o resto de sua vida à memória do “seu anjo”. O Système de politique positive, que tinha começado a esboçar em 1844 e no qual completou sua formulação da sociologia., iria transformar-se em um memorial a sua amada. Cinco anos mais tarde, em 1851, ao publicar essa obra, dedicou-a a Clotilde, dizendo esperar que a humanidade, reconhecida, haveria de lembrar sempre seu nome junto ao dela.

No Système de politique positive, Comte, voltando-se contra a doutrina do mestre Saint-Simon, defendeu a primazia da emoção sobre o intelecto, do sentimento sobre a racionalidade; e proclamou repetidamente o poder curativo do calor feminino para a humanidade dominada por tempo demasiado pela aspereza do intelecto masculino. Por outro lado, distorceu a proposta de disciplina eclesiástica de Saint-Simon e criou a “Religião da Humanidade”.

Quando o Système apareceu entre 1851 e 1854, Comte escandalizou e perdeu a maioria dos seguidores racionalistas que ele havia conquistado com tanta dificuldade nos últimos quinze anos. John Stuart Mill e Emile Littre não aceitaram que o amor universal fosse a solução para todas as dificuldades da época. Tão pouco aceitariam a “Religião da Humanidade” da qual Comte se proclamou o sumo sacerdote. A observação dos rituais múltiplos segundo o calendário anual, os detalhes da elaborada liturgia indicavam que o antigo profeta do estágio positivo havia regressado às trevas do estágio teológico. Comte passou a assinar suas circulares – aos novos discípulos que conseguiu reunir – como “fundador da religião universal e sumo sacerdote da humanidade”. Tentou converter o Superior Geral dos Jesuítas à nova fé e comparou suas circulares aos discípulos com as epístolas de São Paulo. Fundou a Societé Positiviste, que se transformou no centro principal de seu ensino. Os membros se cotizaram para assegurar a subsistência do mestre e fizeram os votos de espalhar sua mensagem. As missões se instalaram, na Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, e na Holanda.

Cada noite, das sete às nove, exceto nas quartas-feiras quando a Societé Positiviste tinha sua reunião regular, Comte recebia seus discípulos em sua casa em Paris: políticos, intelectuais e operários, que lhe votavam grande respeito e veneração. Comte estava longe do entusiasmo republicano e libertário de sua juventude. O moto da Igreja Positiva era “amor, ordem e progresso”. O jovem estudante de passeata agora pregava as virtudes do amor, da submissão e a necessidade da ordem para o progresso social.

Em 1857, Comte, após alguns meses de enfermidade, faleceu a cinco de setembro. Um grupo pequeno de discípulos, de amigos, e de vizinhos seguiu seu esquife ao cemitério de Pere Lachaise. Seu túmulo transformou-se no centro de um pequeno cemitério positivista onde estão sepultados, perto do mestre, seus discípulos mais fiéis.

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Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 24-04-1999.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Auguste Comte. Filosofia Contemporânea. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1999.