A Política da Família

Hoje: 28-03-2024

Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br

Das inúmeras explicações apresentadas para responder pelas diferenças antagônicas de personalidade, relacionadas com a ordem de nascimento dos filhos, nenhuma satisfaz a todos. Os psicanalistas seguidores da “psicologia individual” de Alfred Adler salientam que o fato de ser “destronado” devido ao nascimento de um irmãozinho ou irmãzinha, fará o mais velho lutar para recuperar a atenção dos pais. Para o psiquiatra inglês, de origem escocesa, Ronald David Laing, os instrumentos que os pais têm para aumentar a confiança ou a insegurança de seus filhos é o que realmente conta. Com esta teoria tornou-se um dos mais aceitos expoentes da Psicanálise Existencial desenvolvida por Sartre.

Na medida que a mente da criança se desenvolve, sua visão da vida, do que as pessoas são e do que elas mesmas são, cristaliza-se em seu subconsciente e conduz a que ela desenvolva um comportamento que a resguarda dos perigos no seio de sua própria família.

Para viver no mundo segundo essa visão, ela adota, em relação a si, à família e aos outros alguns princípios diretivos para o seu comportamento, e para ver confirmados esses princípios, ela forjará alguns jogos que os colocará à prova.

Na educação dos filhos, os pais estimulam ou negam a realização pessoal da criança fazendo-lhes desconsiderações, injunções, atribuições ou as reconhecem limitada e especificamente, uma técnica que, para Laing tem um efeito decisivo na gênese do comportamento do adulto. Nesta mesma linha de pensamentos, Eric Berne enfatizou que as crianças fazem as coisas para alguém. Um menino é brilhante, ou atlético, ou bem sucedido, para sua mãe, e uma menina é brilhante, ou bonita, ou fértil, para seu pai. Ser bonita (como ser bem sucedida) para ela não é questão de anatomia, mas de permissão paterna. “Somente o sorriso do pai pode fazer a beleza brilhar dos olhos de uma mulher”, diz Berne. Por outro lado, o menino é estúpido, fraco ou desajeitado para seus pais, e a menina é estúpida, feia ou frígida, se isso é o que os pais querem.

Considerações e Desconsiderações. Como regra, os pais aplaudem o comportamento do filho que pode fazê-los se sentirem importantes como pais de uma criança inteligente, bem dotada, ou que atendam Às suas necessidades de auxílio nas tarefas domésticas ou nos negócios, ou ainda para que possam aparecer como vítimas martirizadas de filhos que eles mesmos escolheram fazer as ovelhas negras da família.

Injunções. Os pais encorajam seus filhos por caminhos que, de acordo com sua visão do mundo e sua teoria de vida, supostamente lhes trariam bem estar e sucesso. “Trabalhe duro”, “Seja uma boa menina”, “Economize seu dinheiro”, “Seja sempre pontual” são exemplos do que Laing chama Injunções.

Atribuições. Laing (op. cit.) diz que o melhor modo de fazer alguém se tornar um certo tipo de pessoa é através de “atribuições”, ou seja, é dizer a ela que ela é o tipo que se deseja que ela venha a ser. Se é dito À criança que ela é um bom menino ou boa menina, ele ou ela assumirão o papel de bom menino ou boa menina. Será ainda melhor se uma terceira pessoa transmite para ela a opinião ouvida a seu respeito.

Ao fazerem atribuições a seus filhos, os pais tendem a seguir uma regra que eu chamo “das três atribuições básicas”. Se têm três filhos, eles usualmente buscam fazer de um deles, geralmente o mais velho, a criança prodígio. Outro filho, provavelmente o segundo, será treinado para ser responsável e prestativo, útil à família sob variadas formas. Outro, possivelmente o terceiro, será treinado para ser o filho difícil, podendo no entanto ser charmoso e desligado, ou repulsivo e estúpido, ou mesmo o bobo da família. Essa ordem pode, é claro, ser modificada e, no caso de mais filhos, diluída e cada posição compartilhada por dois ou mais.

Para conseguir seus propósitos, os pais não precisarão mais que dizer respectivamente a cada filho que ele é inteligente, que é prestativo e bom filho, ou que é um fracasso, fazendo/lhe atribuições arbitrárias que as crianças aceitam. Para reforçar essas atribuições, no caso do exemplo acima, os pais presentearão os filhos de acordo: ao mais velho darão livros e jogos que requeiram reflexão ou o que quer que esteja em relação com a excepcionalidade que buscam desenvolver nele. Ao segundo, darão miniaturas de oficinas ou, se é uma menina, ferrinho de engomar, vassourinha, miniaturas de cozinhas e lavanderias, etc. Ao mais novo não se dão ao trabalho de dar qualquer presente ou, se lhes pede, lhe darão coisas que não seja bem o que ele quer.

Tanto quanto sei, a expressão Política da Família foi usada primeiro por Ronald David Laing no seu livro deste mesmo título, significando que os pais usam táticas sutis para criar – no meio familiar – respeito em relação a alguns de seus filhos, enquanto promovem o preconceito contra ao demais.

Muito do que no tempo de Laing era considerado efeito de experiências abusivas, hoje é dito ser problema de falha genética. No entanto, como comento em A Infância dos Três Porquinhos (Ed. Valcy, Brasília, 1985), os resultados estatísticos mostram os mais velhos consistentemente diferentes dos nascidos depois, o que não guarda correspondência com a estatística biológica: se essas diferenças fossem devidas a genes, não seriam privilégio de determinado posto na ordem de nascimento.

Assim, pouca dúvida fica de que seja influência da política da família aqueles traços de personalidade encontrados usualmente como característica dos mais velhos ou dos caçulas. Isto é o que faz da teoria de Laing uma conquista importante na compreensão da formação da personalidade. É ainda mais importante quando se considera a infelicidade que o preconceito cria no seio da família. Se deseja conhecer em resumo a tese de Laing, eu a exponho no livreto acima referido, ilustrada na fábula dos 3 porquinhos; basta clicar aqui.

Rubem Queiroz Cobra

Página lançada em 02-09-1998.

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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – A Política da Família: o pensamento de R. D. Laing. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1998.