Hoje: 02-11-2024
Página escrita por Rubem Queiroz Cobra
Site original: www.cobra.pages.nom.br
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Ao apresentar nesta página as minhas definições de Cerimonial, Protocolo, Etiqueta, Boas Maneiras e outras matérias correlatas, hierarquizadas a partir da Ética, busco sanar a falta de definições precisas para essas disciplinas e com uma demonstração clara de suas relações na grade do conhecimento. Esta questão foi primeiro abordada em meu livro Boas Maneiras, Etiqueta e Cerimonial: suas definições e seu lugar na Filosofia (Ed. Valci, Brasília, 2002) e na página Boas Maneiras e a Filosofia – deste Site (09/06/2009).
Para tornar o meu ponto de vista sobre essas disciplinas mais compreensível, acrescento às definições o quadro abaixo, com o organograma de sua relação interdisciplinar.
Pequeno elucidário:
1 Ética
A Ética é, hierarquicamente, a primeira disciplina filosófica quando o agir humano é considerado. O comportamento ético é aquele digno dos atributos transcendentais da natureza humana, ou seja, o comportamento que é condizente com sua racionalidade, sua liberdade, sua sociabilidade e sua sentimentalidade (ou afetividade). A Ética se vincula à Antropologia Filosófica, que trata dos valores humanos e do compromisso do indivíduo e da sociedade com esses valores. Abaixo da Ética, estão a Moral e a Civilidade, a primeira diz respeito à liberdade, à justiça, e ao dever. A segunda prescreve o que se pode voluntariamente fazer em prol da convivência pacífica e prazerosa entre os cidadãos. A Civilidade alcança boa parte dos seus objetivos por meio de Boas Maneiras e Etiqueta, e das outras disciplinas a elas vinculadas.
2 Civilidade
A abrangência do termo é vasta, e o seu significado às vezes confuso. Por isso acho melhor começar por tentar dirimir os equívocos, antes de falar da relação entre Boas Maneiras e Civilidade.
Coloco a Civilidade como uma disciplina subordinada à Ética. Tem por fundamento o sentimento de solidariedade, de respeito espontâneo entre as pessoas, e a busca permanente da harmonia social. Suas prescrições não são obrigações da lei moral ou determinações externas, porque resultam de consenso e convenção entre as pessoas quanto ao que se pode voluntariamente fazer em prol da convivência pacífica e prazerosa entre os cidadãos. Portanto,segui-la é altamente meritório, perante a Ética.
Acredito que o maior problema com o significado do termo Civilidade é ser frequentemente confundido com Moral Social. Contribui para tanto o fato de que um preceito de Civilidade, quando é muito desrespeitado, pode ser transformado em Lei pelo governo, passando sua obediência a ser obrigação moral de todos os cidadãos. Por exemplo: – votar é um princípio de Civilidade a ser respeitado conscientemente e de boa vontade por todo bom cidadão e por isso é um ato meritório. Mas, se este não atende a essa necessidade social, o voto (necessário para a democracia) poderá passar a ser obrigatório por Lei, e deixará de ser meritório. Abster-se de votar passa indiretamente a ser uma falta contra a Moral Social, falta que poderá ser castigada, não propriamente devido ao indivíduo não votar, mas por deixar de cumprir uma Lei. Outro exemplo é o lugar reservado aos idosos e deficientes nos locais e veículos que utilizam, o que passou a ser um direito legal quando a norma de civilidade deixou de ser respeitada pela população. Vários outros exemplos existem de princípios de civilidade que passaram a ser cláusulas da Lei, como a consideração com as pessoas idosas ou portadoras de deficiências, proibição de manifestações de preconceito, de prática do bullying e da agressão às mulheres e o assédio a elas no transporte coletivo, etc. Quanto maior o desrespeito aos princípios da Civilidade, maior o número das leis necessárias para evitar que a sociedade se torne selvagem. A transformação de princípios de civilidade em determinações legais derivadas da Moral Social é tão mais necessária quanto menos educada e menos madura é a população.
A Civilidade tem em seu campo Boas Maneiras e as outras disciplinas a ela diretamente vinculadas porque são necessárias ao convívio entre as pessoas, e mesmo entre os povos, por via da diplomacia.
A Enciclopédia Larousse (1926) informa, sob o verbete Civilité, que Erasmo de Roterdã, notável intelectual holandês do século XVI, se preocupava em fazer que seus educandos assimilassem desde criança, normas fundamentais de Boas Maneiras. Ele escreveu, o De civilitate morum puerilium (Da civilidade dos costumes das crianças), um pequeno livro de Boas Maneiras publicado em 1530, muito procurado e lido na Época Moderna.
3 Boas-maneiras
Boas-maneiras é uma disciplina que reúne normas relativas ao comportamento respeitoso no relacionamento social tais como os modos de saudar, a necessidade de retribuir provas de consideração, o comportamento em lugares públicos e nos eventos sociais, as precedências por idade e situação social, o dever de agradecer serviços gratuitos recebidos, etc.
Como tais atitudes são voluntárias, encontramos seu motor na autoestima (V.p.f.) do indivíduo que as valoriza, e que tem prazer em adotar atitudes dignas da condição humana conforme ensina a Ética (superação dos instintos primitivos do homem). Este modo de agir segue os preceitos apontados pela Civilidade (cooperação e mútuo entendimento, amizade, generosidade e respeito como condição de vida social). Como uma disciplina prática, Boas-maneiras tem por auxiliares as regras de natureza técnica da Etiqueta, o que faz a Civilidade dependente da atuação conjunta de ambas. Nessas relação têm origem outras disciplinas, em função de situações individuais e sociais do relacionamento humano. O quadro acima expõe essa relação interdisciplinar e as ramificações dela originárias.
Nota: são muitos os sinônimos atribuídos a Boas-maneiras, por isso se pode falar de Urbanidade (normas de Urbanidade), Polidez (normas de polidez), Cavalheirismo (normas de Cavalheirismo), Galanteio (normas de Galanteio), Graciosidade (normas de Graciosidade), etc. variando de país para país, porém todas as denominações próprias da mesma disciplina.
4 A Urbanidade
Se esquecemos a origem similar que têm os termos “civilidade” e “urbanidade” (civitatem e urbis significam cidade), e nos detemos apenas na diferença de sentido que há entre eles em seu emprego atual, podemos concluir que não são sinônimos. Então, emprego Urbanidade não como sinônimo de Boas-maneiras, como é usual, mas para designar apenas a parte de Boas-maneiras cujas normas se aplicam a circunstâncias e episódios que têm lugar nas ruas, parques, lojas, áreas de circulação, e demais lugares públicos da cidade. Seriam matéria da Urbanidade o comportamento das pessoas nas calçadas, nos elevadores, no transporte coletivo, no trânsito dos veículos, na preservação da limpeza das vias públicas, etc.
5 Estética
A Estética, disciplina que remonta à filosofia grega, ocupa-se com o estudo teórico do belo, buscando entendê-lo, explicá-lo e avaliá-lo nos objetos ideais, na natureza e na obra de arte.
O que é pretendido por Boas Maneiras através de sua relação com a Estética é conhecer e evitar aquilo que, esteticamente considerado, possa agredir e afastar as pessoas por ferir sua sensibilidade, e procurar os meios de agradar, no sentido de aproximá-las. Como já disse, penso que, no convívio social, somos naturalmente objetos estéticos uns para os outros, e isto faz nossa aparência ser tão importante. Por isso é norma de Boas Maneiras o vestir-se bem, ter os cabelos limpos e bem penteados, usar joias com adequação, etc.
6 Celebração e comemoração
Parece-me necessário fazer um contraponto entre celebração e comemoração, termos aplicáveis a um evento ou conjunto de eventos sociais. Celebrar tem como conotação principal realizar no tempo presente, enquanto comemorar remete ao passado, com a conotação de relembrar com júbilo.
Em seu Dicionário, Ed. 1986, Aurélio Buarque de Holanda dá para celebrar um primeiro significado que condiz com essa minha colocação: “1. Fazer realizar com solenidade; promover, patrocinar: celebrar um tratado de paz“. Porém ele apresenta para este mesmo verbete, como segundo significado, o termo comemorar, e dá exemplos de emprego não diferenciado para as duas expressões, reunindo textos de vários grandes escritores.
Em que pese o lastro de grande peso literário para esta sinonímia, o tratamento claro e inequívoco que desejo para os termos de Boas-maneiras e Etiqueta reclama uma distinção – que me esforço por fazer – entre o que seja “celebrar” e “comemorar”.
Nas celebrações, pelo menos um dos eventos é uma cerimônia que inclui um ritual de renovação ou criação de um novo status. e por isso são solenes. Nas comemorações, ao contrário, nada se altera no objeto da comemoração. Por exemplo, são celebrações cerimônias de batismo, de casamento, e comemorações os eventos festivos realizados no aniversário de feitos históricos.
7 Cerimônia
A Cerimônia é um evento social solene, constituído da integração coordenada de ações carregadas de um sentimento especial (sentimentos de patriotismo, respeito, fé religiosa, etc.) coerente com seu objeto e com sua natureza (celebração ou comemoração solene), estimulado pelo Ritual que a integra, e tem a finalidade de solenizar (tornar indeléveis perante a sociedade) acontecimentos sociais significativos. Em uma cerimônia fúnebre, na qual está inserida uma missa de corpo presente, o sentimento é de luto e tristeza. Em uma solenidade de formatura, com o ritual da entrega dos diplomas, eu diria que os formandos e a assembleia estão imbuídos de sentimentos de alegria e esperança.
A Cerimônia segue um Protocolo ao qual incumbe, como se verá abaixo, cuidar da integração dos diversos participantes nas várias etapas do evento, com a preocupação relativa à importância social de cada um, às regras de Boas Maneiras e Etiqueta, e de respeito ao ritual.
O estudo e a organização das cerimônias cabe ao Cerimonial.
8 Cerimonial
Cerimonial é a disciplina cujo objeto é o conhecimento relativo às cerimônias, quanto às finalidades a que se prestam, à sua oportunidade, seu planejamento e execução obediente a Boas Maneiras e Etiqueta, e sua adequação aos sentimentos que se propõe exaltar. Fundamenta-se no conhecimento pertinente da história, da ritualística, das tradições culturais folclóricas e religiosas envolvidas, e quanto ao protocolo de precedências a elas respectivo.
Ao promover uma cerimônia o Cerimonial já terá previsto a organização que ela terá, o modo de abertura e encerramento, sua data e duração, o ritual a adotar, as autoridades e os convidados a participar, a cronometragem das etapas, etc. O registro ou assento desse planejamento é o Protocolo da cerimônia, e o serviço encarregado de executá-lo é o próprio Cerimonial.
Rubem Queiroz Cobra
Página lançada em 2000 e revisada em 23-01-2013 e 03-08-2022.
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Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. – Cerimonial, Protocolo, Etiqueta e Boas Maneiras - Definições. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2022.